Capítulo 25

745 97 21
                                    

  Meus pulmões clamavam por ar, minha cabeça latejava como nunca antes tinha sentido. Meus olhos demoraram a ver, recuperando com dificuldade o foco. Eu estava caída sobre os meus joelhos. As lajotas do chão começaram a assumir sua forma, mas minha mente permanecia naquele maldito corvo. Os sonhos começaram a ser bem mais frequentes, e sempre era apenas eu, a árvore e a ave... Eu sentia que ele crescia a cada novo dia, suas garras forçando a casca da árvore. Aqueles detalhes, eu conseguia ver tudo como apenas uma expectadora, não conseguia me mover, falar. Ashen e Jasper sempre me puxavam, mas eu sentia que até mesmo pra eles tinha ficado difícil me proteger. Meu corpo tremeu involuntariamente e eu comecei a soluçar, medo fazia meu coração disparar. Eu sentia frio, mesmo sabendo que a temperatura não estava baixa, e eu usava ainda meu casaco.

Uma sombra caiu sobre mim, segurando meus ombros com força. Ainda desnorteada levantei minha cabeça achando Nean a minha frente. Segurei seu rosto com as duas mãos, sentindo um alívio por finalmente ter saído daquele pesadelo. Agora me lembrava, eu tinha ido até sede e sentado em um dos caixotes do pátio que costumávamos usar para treinar. Devo ter pego no sono enquanto esperava. Ele guiou minha cabeça até seu ombro, e permaneceu comigo, acariciando com os dedos emaranhados em meus cabelos. Com o tempo minha respiração voltou ao normal. Eu ainda permanecia com a mão esquerda em seu rosto, sentindo os pelos que cresciam em sua barba. Isso me deixou pensativa, Nean era o tipo de homem que prezava pela aparência. Me libertei dos meus pensamentos, não tinha porquê pensar nisso.

– Eu to bem...

Me afastei dele e levantei. Passei a mão pelos cabelos ainda me recuperando mentalmente. Senti o calor de Jasper me envolver. Como eu adorava aquela dragão. Respirei fundo finalmente me acalmando. Permiti até que um sorriso me escapasse mesmo que sem jeito, foi quando Ashen soltou seu ar, aliviado também. Caminhei até o suporte de armas e me preparava para pegar uma delas. Nean e eu treinávamos diariamente pelas manhãs, mesmo que eu não sentisse evolução nenhuma em mim.

– Não treinaremos hoje.

Nean me deteve com sua voz. Me virei e pude então notar a seriedade em sua expressão. Talvez fosse pelo que tinha acabado de acontecer, tentei me convencer disso mesmo que lá no fundo eu soubesse que não.

– Eu disse que estou bem.

– Não, não está. Há algo errado, mas não preciso que me conte. Também não é por isso.

Ele passou a mão pelos cabelos desarrumados, e enquanto baixava a cabeça pelo movimento, percebi que suas olheiras eram mais profundas que o habitual. Me preocupei, mas ao mesmo tempo notei algo. Não estava pensando no meu pai, e sim em Nean, como pessoa. Saber disso colocou meu coração acelerado por um motivo diferente.

– Tenho umas coisas para resolver. – enquanto ele respirava fundo, instintivamente dei um passo a frente. – Não é com seu pai, Reina.

– Eu não...

Porque eu dei aquele passo? Porque eu não conseguia falar direito? Antes que eu conseguisse ter as respostas que queria, Nean se afastou em direção a saída. Até mesmo seu andar estava mais lento e arrastado que o normal. A preocupação se mantinha em mim, mas eu ainda permanecia no mesmo lugar, apenas observando.

– Volte pra casa, e depois vá estudar. Vai ajudar a se esquecer do que quer que tenha visto. – Antes de sumir na volta onde o caminho que levava ao próximo pátio, Nean se virou. – E a partir de agora, tenha muito mais cuidado.

Mesmo após ele sair, ainda fiquei parada, tentando entender. Minha mente sempre teve esse problema, tentar compreender coisas demais de uma única vez. Não adiantava continuar ali, corri para casa com a sensação no peito.

"Não é nisso que deveria pensar."

"Não sou eu que escolho Ashen."

Cheguei, tomei um banho frio e saí mais uma vez, na companhia de Hasim agora. Por mais que eu tentasse, eu pensava em Nean e em Kyel. "Está na hora de existir alguém." Comecei a me odiar por pensar nele dessa maneira. Não estava na hora de pensar em romance, precisava mesmo era entender, o que poderia ter deixado o comandante daquele jeito. Por que eu deveria tomar mais cuidado? Será que as pessoas que perseguem meu pai estavam mais perto de mim?

Hasim puxou a minha mão, não percebi que eu havia parado de andar. Estava já a frente da Academia. Poucas pessoas andavam pelo local, algo que era raro em meio a manhã. Olhei para o alto, para o vitral dos dragões. Já estava na hora de pedir que Aleen me mostrasse o que tinham sobre Elo e os livros sobre Dragões. Era um dos meus motivos pra chegar até ali. E por estar consciente demais de meus sentimentos, notei também a ponta de remorso que tinha em não ter contado nada ainda pro meu jovem mestre.

O rosto de Mestre Altharys apareceu em minha visão, e imediatamente após o reconhecer, o rosnado de Jasper preencheu o Elo. Ela o odiava tanto quanto eu. Seu andar altivo, a cabeça erguida, a barba negra impecavelmente cortada, e sua aura desdenhosa de todos ao redor. Ele vinha em minha direção. Hasim endireitou a coluna, ele parecia ter nascido em berço nobre. O menino era esperto demais, e não se deixava ser batido por ninguém acima dele. Senti orgulho do meu pequeno amigo.

– Senhorita Erina, diga a seu mestre que preciso dele urgentemente, e que dessa vez, não tolerarei que não atenda meu chamado.

Aleen deveria estar ocupado realmente, nunca foi alguém de desrespeitar sua liderança. Mas algo me dizia que Altharys estava querendo humilhá-lo mais uma vez.

"Queime-o."

"Jasper..."

"O cheiro dele Reina, não é bom."

"Não posso fazer isso." Senti a ideia da pequena dragão através da nossa ligação. "Nem deixar que você faça."

A senti bufar irritada. Precisei me controlar para não rir, Jasper era como uma criança as vezes, estranhamente mais perigosa que uma, mas ainda uma criança. Altharys me encarava, trocando o peso do corpo. Não deixaria que fizesse mal ao Aleen, e tive uma ideia.

– Meu mestre está ocupado, possivelmente não poderá atendê-lo por um tempo, meu senhor. Se é de extrema importância, talvez eu possa ajudá-lo com a tarefa.

Seu lábio repuxou por um momento. Permaneci com o rosto igual. Saber o que ele precisava de Aleen me daria uma arma para afastá-lo do meu amigo. Tudo o que eu precisava era não agir com rapidez.

– Precisava que entregasse algo para mim. Transmita a mensagem.

"Você o pegou!"

– É para o Dama da Noite?

Pelo jeito como ele travou enquanto subia os degraus de volta a construção, eu sabia que estava certa. Fiz questão de o olhar da mesma maneira que naquele primeiro dia. Eu tinha novamente conquistado uma vitória sobre ele. Altharys desceu uma segunda vez, parando a minha frente.

– Acha que venceu? Pois se pensa que pode usar isso contra mim, está enganada. Já que quer tanto algo, porque não entrega você mesma? Não se meta no jogo de adultos, criança.

Sua voz não passava de um sussurro, deixando clara sua ameaça. Não me importava. Altharys me lembrava o modo de agir da Kalena. Se eu queria garantir a paz de Aleen, deveria então fingir que aquilo surtiu um efeito.

"Um predador está mais vulnerável quando está caçando."

"Isso se aplica a você também, tome cuidado."

"Eu tenho dois pares de olhos a mais que qualquer um, posso prosseguir."

Ashen rosnou contrariado, mas era verdade. Fingi um olhar preocupado, relutante, o que fez Altharys sorrir. Retirando um pequeno envelope do bolso interno de sua capa. Olhei para o pedaço de papel e lentamente o segurei. Hasim apertou mais forte a minha mão. Puxei, mas o mestre não o soltou.

– Entregue isso diretamente nas mãos de Faya, e espere a resposta, se conseguir.

Olhei bem dentro dos olhos dele, encontrando a diversão que ele sentia. Não vou negar que realmente senti um pouco de medo, mas não ia voltar atrás. Eu protegeria Aleen e decidi que, talvez, já estivesse na hora de contar ao meu mestre a verdade.

DragõesOnde histórias criam vida. Descubra agora