Capítulo 23

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  O mundo estava mais uma vez todo branco, sem som ou cheiros. Apenas a claridade. Levei um tempo pra me acostumar. Atrás de mim estava a árvore, grande, com mais galhos que eu poderia contar, as folhas tão verdes, exuberantes. Eu me aproximei, tocando o tronco. A ponta dos meus dedos formigavam levemente. Um barulho de asas batendo me chamou atenção, virei meu rosto a sua procura. Em um dos galhos mais baixos, um corvo pousou, imóvel, apenas me observando. Eu me afastei um pouco, e meu movimento foi acompanhado por seus olhos. A inquietação que sentia, colocava meu coração disparado.

Vi uma segunda sombra se movendo, Kyel estava sentado em uma raiz. Por um momento esqueci o medo e andei até ele. Mas conforme mais perto eu chegava, mais podia ver que sua expressão e sua postura não refletiam a mesma alegria que eu sentia. A todo momento ele se mantinha com o olhar no chão, o braço apoiado na perna sobre a árvore. Até mesmo a roupa que ele usava era muito diferente do que eu o via nesses sonhos. Um pedaço de tecido negro se enrolava em seu pescoço, um casaco grosso o cobria, até mesmo sua espada estava visível pra mim. A arma era diferente da que eu lembrava que ele usava. Nessa, no meio do guarda-mão havia uma gema de pedra negra.

– Te esperei por alguns dias...

Sua voz, em um tom tão diferente do que eu costumava ouvi-lo falar, me despertou atenção.

– Estive ocupada.

Desesperada era a melhor palavra, mas não quis preocupá-lo com isso.

– E ele é bom com você?

"Ele?"

– Não existe um "ele".

– Já está na hora de existir.

Minha respiração ficou mais rápida, senti um aperto no peito. Kyel olhou finalmente pra mim, seus olhos estavam sérios demais.

– As coisas estão ficando difíceis Reina, um passo em falso e tudo ficaria sem controle. Quero você longe, quero que alguém te proteja no meu lugar.

Ele se levantou, caminhando para longe. Eu estava parada, uma vontade incontrolável de chorar, sentia algumas lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu olhava para a silhueta de Kyel, desaparecendo na luz que nos rodeava. O grasnado do corvo me fez saltar devido ao susto. Ele permanecia no mesmo lugar. Seus olhos tinham um brilho que me intimidava. Meus pés me levaram para perto da ave. A distância diminuía e meu coração pulsava ferozmente, eu estava sobre seu efeito. Um segundo grasnado ecoou. As folhas das árvores tremeram impulsionadas por um vento que eu não sentia. Tomada por uma força invisível, levantei a mão até o pássaro.

"REINA!"

Com um pulo eu me sentei em minha cama. Meu corpo tremia completamente, eu chorava, a mente em branco.

"Você está bem?"

"Jasper..."

Passei a mão pelo rosto, tentando me acalmar. Se Ashen não me tivesse gritado, o que poderia ter acontecido comigo? Eu me perguntava o que aquele corvo significava, sua figura se mantinha a minha mente, o medo continuava a latejar. Nilah entrou rapidamente na sala, deixando sobre a mesa um punhado de feno que ela devia usar para alimentar os animais no lado de fora.

– Você gritou, o que houve?

Ela segurou minha mão e sentou ao meu lado. Nós três havíamos construído uma cama para mim na sala, era precária como o resto dos móveis, mas mais confortável que o chão em que dormia enquanto acampava com meu pai. A moça passava a mão pelos meus cabelos, tentando me acalmar. O choro começou a parar, só que eu ainda sentia medo. A abracei, agradecendo o carinho profundamente.

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