Capítulo 36

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  Eu limpava as escamas de Rain. Costumava acumular sujeira quando passávamos muito tempo no mar. Não fazia isso somente para deixá-lo limpo e confortável, mas para tentar me livrar de Eron. De nada adiantou. Dava para sentir seu olhar queimando as minhas costas.

Fingi que não via. Por vezes consegui ouvir ele respirando fundo, tomando coragem para falar. Sempre tinha sido assim. Ao lado do meu pai, ele quase não era percebido e por isso muitas vezes subestimado, para a infelicidade dos seus adversários.

"Devia ouvir logo o que ele quer. Estou prestes a devorá-lo apenas pra me livrar desse olhar."

"Você já sabe o que ele quer."

Rain bufou descontente. Respirei calmamente e joguei a escova dentro do balde ao meu lado.

– Diga o que quer.

– Está sendo um idiota.

Gargalhei enquanto passava a mão pelos cabelos.

– Eu falo sério. Já não basta a sua ideia absurda e agora você volta a se envolver com aquela mulher sabendo que é uma cachorra do Norton. Você é relaxado, corre riscos desnecessários. Seu pai teria...

– Eu não sou meu pai. – o interrompi. – Caso não tenha percebido.

Eron respirou profundamente.

– Mesmo sendo meu líder e meu sobrinho, não te seguirei até a morte por causa das suas tolices.

"Tanto faz."

Virei as costas, peguei meu casaco que estava sobre uma pilha de feno e o sacudi.

– Você mudou muito. Deve ser culpa desse dragão.

Rain resfolegou.

Segurei o casaco de Eron e o puxei para perto de mim, encarando seu rosto. Ele era pouca coisa mais alto do que eu.

– É você quem esqueceu o que o seu querido irmão fez a mim, minha mãe, nosso povo e a você.

Por um momento, os olhos dele tremeram.

– Não deveria ser eu a te lembrar que ele matou a mulher que amava apenas por você ter pensado em sair do bando.

Era uma jogada suja e eu sabia disso, mas não podia deixar Eron me deixar. O soltei e pus meu casaco.

– Fiz o que fiz e continuo fazendo para proteger gente como a minha mãe, como a Lyrian e tantas outras. – Falei baixo, não podia correr o risco de ser ouvido.

Eron simplesmente saiu em silêncio, me deixando sozinho. Olhei para Rain.

– É isso aí Lagartão.

– O velho saiu daqui com uma cara mais feia que a normal.

Lyem surgiu um momento depois, carregando uma caneca de cerveja, como sempre fazia quando estava em terra. Não comentei, apenas dei um pequeno tapa no dorso de Rain.

– Tá bom, sei que me acha um idiota, mas aí tem coisa.

– Não te acho idiota, já tenho certeza.

Nós gargalhamos alto e caminhamos lado a lado.

– Fiz o que você pediu...

– Mas?

Sempre havia um "mas".

– Estão com medo.

Obviamente estariam, como poderiam confiar naqueles que mataram tantos dos seus e aprisionaram os sobreviventes?

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