Alfonso
Sai do quarto de Anahí, mas o aroma doce dos seus cabelos permaneceu vívido em minhas narinas. Se fechar os olhos, ainda consigo lembrar dos seus traços quando criança, e de como os fios extremamente lisos caiam em seus ombros, a franja cortada lhe dava um ar angelical, diferente da sua personalidade. Hoje eles ganharam ondas volumosas, confesso que é meio confuso a mistura de cores daquela garota, o azul do olho que não passa despercebido, os fios mais claros em um tom castanho, a pele alva, sem contar no acessório inseparável, um laço vermelho que fora presente da minha mãe.
Quando nos conhecemos, ainda no parque do condomínio, Anahí brigava com um garoto três vezes maior que ela, as mãos iam e viam gesticulando com autoridade, segurei a bola de futebol com as mãos, e fiquei observando a segurança e imponência daquela criatura frente a um desafio. O moleque havia puxado o cabelo da minha irmã, e Anahí de pronto a defendeu, sem ao menos conhecê-la, Maite chorava timidamente atrás dela e pôde esboçar um sorriso aliviado quando Anahí obrigou o garoto se desculpar. Depois dali elas se tornaram inseparáveis, e eu fiquei orgulhoso da pequena advogada e conciliadora, tanto que senti a necessidade de tê-la como amiga, mesmo com a pouca idade, era perceptível que ela era uma pessoa a qual valia a pena ter por perto.
O espirito conciliador só ia por terra quando o assunto se tratava de Jesse, seu irmão mais velho. E tive que assumir esse papel, se não quisesse ver os dois se engalfinhando por causa de um sorvete ou o controle de TV. Ele a irritava com maestria, propositalmente, sempre. Às vezes era impossível não rir daquelas bochechas vermelhas, os lábios contraídos, ela fechava as mãos em punhos e parecia que iria explodir como um vulcão, a qualquer momento. Em certas situações sobrava até para mim, como no dia que Jesse me ofereceu uma fatia de torta holandesa que tinha na geladeira, quando levei a última garfada até a boca, o pequeno demônio de olho azul berrou aos quatro ventos, os gritos eram tão estridentes que a vizinhança inteira se alarmou, o doce era dela.
Quando Anahí completou dez anos, pediu de presente que os pais a matriculassem na aula de Ballet, o que deu certo até certo tempo. As notas da escola começaram a cair, ela não via mais nada na sua frente, parecia que tudo se resumia aqueles passos que até decorei de tanto que ela repetia. Então Tisha e Henrique resolveram que ela deveria deixar a dança de lado, o futuro dela deveria ser outro. Pela primeira vez vi Anahí se desmanchar em lágrimas, ela chorava copiosamente, implorando que não o fizesse, dizia que era o que ela mais gostava de fazer na vida. Veja bem, naquela época nós nem tínhamos noção da amplitude que significava essa palavra. E foi nesse meio tempo que adquirimos a confiança do outro. Ela ia todos os dias até o parque, e ficava horas no balanço, os olhos fitavam um ponto fixo, a impressão que eu tinha era que ela perdera a própria luz quando negaram seu sonho.
Certo dia, cansado de vê-la daquele jeito, sentei ao seu lado e comecei a puxar conversa sobre assuntos aleatórios, contei algumas piadas que ela julgou péssimas, e mesmo ruins foram suficientes para que ela esboçasse um sorriso. E continuamos assim, nos cinco anos seguintes, mas o assunto não era mais sobre o cachorro com nariz de porco, e sim sobre o colégio, os amigos, as paixonites, o primeiro beijo, a programação de festas e o turbilhão de acontecimentos que agora faziam parte da nossa vida. Ela me confidenciava segredos que não compartilhava nem com suas amigas, e eu de certa forma me sinto feliz por isso, e pela amizade sólida que construímos.
Claro que os nossos programas mudaram, afinal eu já completei os tão esperados dezoito anos e ela ainda tem quinze, meu hobby não é mais jogar bola na praça ou ficar no parque a tarde inteira. Agora eu faço coisas que não daria para compartilhar com ela, como virar a noite nos pubs e boates, conhecer garotas, beijar, transar, coisas dessas que listamos como necessidade quando se está no auge dos hormônios. Isso quando posso me dar esse direito, já que os estudos me tomam quase 70% do tempo, a pressão de ir para faculdade faz parte da rotina diária dos meus pais, que sempre fazem questão de lembrar que não temos outra escolha a não ser Stanford.
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O Preço de um Sonho
FanfictionPlié... Demi Plié... Grand Plié ... O que te move? Para onde você quer ir? Qual seu objetivo? O que te faz feliz? Ou melhor, o que você faz para alcançar a própria felicidade? Não escolhemos os próprios sonhos, eles nos escolhem. Acredite no seu so...