Anahí
As lágrimas grossas escorriam sobre meu rosto insistentemente, e tentei a todo custo conter os soluços que entalavam minha garganta. Crueldade era o único nome que se encaixava perfeitamente para definir o que minha família fez ao esconder a doença do meu pai. Sim, porque ele foi o único que aceitou meu pedido de desculpa por ter mentido durante anos sobre o ballet, no fim das contas ele entendeu que eu só estava tentando ser feliz. Nos falávamos por telefone sempre que possível, mas devido a correria do último espetáculo, já fazia um bom tempo que não conversávamos.
Estava presa na enorme mágoa, remoendo tudo que tinha para dizer, e ao mesmo tempo afirmando para mim mesmo que deveria pagar a rejeição na mesma moeda. Não pouparia esforços para ver meu pai recuperado, mas isso não significava que aturaria as pessoas que me deram as costas quando me senti mais frágil e amedrontada em toda minha vida. Os olhos voltaram a marejar ao relembrar tudo que fui obrigada a ouvir, quando o comissário de bordo me ofereceu um lenço. Agradeci com um aceno e enxuguei o rosto, me olhei na câmera e meus olhos estavam inchados. Praguejei irritada, eu não costumava ser tão emotiva, mas as coisas mudaram quando meus sentimentos foram destroçados por puro egoísmo.
Enfrentei horas infindáveis de voo, e a preocupação com o real estado do meu pai não me deixou dormir, repousei a cabeça no pequeno travesseiro que Ian me obrigou a trazer para evitar um possível torcicolo, e me permiti sorrir com o cuidado exagerado que ele tinha comigo. Olhei para nossa foto na tela do celular e agradeci mentalmente por tê-lo encontrado, ao contrário, certamente não aguentaria a solidão, porque sim eu estava totalmente sozinha quando ele pegou em minha mão e me ajudou a prosseguir.
Olhei pela janela e pude ver o entardecer de San Diego, a temperatura me obrigou a tirar o sobretudo e confesso que senti saudade do calor sobre minha pele. A cidade ainda parecia minúscula lá embaixo, denunciando o pouco desenvolvimento desde o dia que tirei os pés dali. A nostalgia me atingiu em cheio, como um raio, e fui obrigada a procurar a minha companheira de vida, a bombinha com bronco dilatador que amenizava os efeitos da amarga inimiga, a asma. Respirei fundo quando ouvi o aviso do pouso, afivelei os cintos e fechei os olhos, eu não imaginava o que me esperava.
Gastei quase duas horas entre o desembarque e a procura por um hotel, me permiti desfrutar apenas o suficiente para tomar banho e me livrar das roupas pesadas que era obrigada a usar em Moscou, e procurar algo mais compatível com o clima local.
Enquanto descia no elevador, recebi uma mensagem no WhatsApp, era Ian. Certo, eu precisava enfrentar aquilo sozinha, mas ele sempre arrumava um jeito de me passar segurança.
"San Diego Medical Center, leito 203, falei com Sophia enquanto você estava no voo. Espero que dê tudo certo. Amo você Anastásia. "
As paredes gélidas e em tons pastéis deixavam o ambiente mais mórbido possível, tentei controlar o barulho insistente dos meus saltos sobre o piso marfim, as pessoas iam e viam, algumas com os olhos inchados repletos de lágrimas, outras que não pareciam tão doentes assim, conversando e gesticulando enquanto bebericava algo parecido com chá ou até mesmo café. Meu estômago embrulhou para lembrar que não havia comido nada, e nem comeria por agora.
Nunca imaginaria me sentir da forma que estou agora, deslocada. Os rostos eram tão estranhos, o ambiente muito diferia do que já acostumara, na Rússia as pessoas não eram tão efusivas quanto aqui, e acabei me habituando com isso. No balcão de informação consegui o que precisava, a direção para encontrar meu pai. Apressei os passos, ansiosa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Preço de um Sonho
FanfictionPlié... Demi Plié... Grand Plié ... O que te move? Para onde você quer ir? Qual seu objetivo? O que te faz feliz? Ou melhor, o que você faz para alcançar a própria felicidade? Não escolhemos os próprios sonhos, eles nos escolhem. Acredite no seu so...