one.

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O guia apontava para um quadro de Monet. Tons sobrepostos de lilás, branco e verde. Misturas sem nenhum critério lógico que criavam jardins perfeitos, as folhas feitas de tinta a óleo, quase tão verossímeis quanto as que precipitavam sobre as calçadas naquele começo de outono. Um grupo de turistas japoneses disparou flashes contra a tela antes de seguir o guia para outra parte do museu.
Perto dali, uma garota apenas observava. Não queria saber de passeios guiados e não tinha mais saco para ouvir sobre história da arte. Ela estava deitada no banco, o tênis Converse apoiado no braço de madeira, fazendo com que os pés ficassem ligeiramente mais altos que suas pernas, num ângulo de 15º graus. A cabeça repousando sobre os braços cruzados e os olhos fixos na cúpula do museu.
Amava a arquitetura, os cálculos matemáticos que envolviam sua construção. A cúpula, por exemplo, placas de vidro fumê predispostas lado a lado cobriam todo o espaço poligonal criando um domo perfeito. Quem fez aquilo, merecia ter seu nome exposto em alguma plaquinha como todos os demais artistas impressionistas do museu. Ah, se merecia.
Conferiu o relógio. Ainda faltava uma hora para o check-in do hotel. Plano B de passar o tempo: analisar a ala de esculturas realistas. Cálculos de sustentação e proporcionalidade direta; uma arte que a atraia muito mais do que os abstratos cujo índice de desafio matemático era próximo de zero. Caminhou na contramão de um novo grupo de turistas, em direção a uma sequência de estátuas de bronze que representavam deuses do Olímpio. E foi naquele instante que ela o viu, bem ao centro do salão, analisando os olhos frios e inexpressivos de uma Pallas Athena com um interesse legítimo.
Primeiro foram as roupas dele que chamaram sua atenção, descoladas demais. A calça jeans folgada não dificultaria qualquer garota a imaginá-lo sem elas, e talvez tenha sido essa sua intenção quando as vestiu naquela manhã. Seu all star cano alto faziam um par e tanto com a blusa despojada (mas nem tanto) que usava. Tudo nele se complementava bem. Até o Ray-Ban e aquele boné pareciam itens imprescindíveis, uma exigência mesmo não tendo nada a ver com seu estilo. Pouco importava se ninguém usava óculos escuros dentro de museus.
Sina não precisaria de réguas ou compassos para saber se eram aceitáveis as proporções áureas do rosto dele. A estrutura óssea tinha a mesma perfeição matemática encontrada em modelos de revista. Maxilar marcado, queixo quadrado e maçãs do rosto proeminente. Era bem provável que o homem estrelasse propagandas de perfume montado em puros-sangues nas praias de Saint-Tropez, ainda que se vestisse como um pivete descolado. Afinal, ele era lindo. Entre tantas obras de arte, aquele cara definitivamente era a mais primorosa do lugar.
Ele se virou de repente. E Sina desviou o olhar fingindo interesse genuíno no que quer que estivesse a sua frente.
Eram as partes íntimas de um Apolo. Minúsculas.
Sentiu suas bochechas queimarem e desejou sumir dali. Quando achou que já fosse seguro voltar o olhar, ele estava bem próximo. Perto o suficiente para que ela reparasse nos cabelos que escapavam da lateral do boné, fios castanhos escuros que desciam até sua testa. Também sentiu o perfume almiscarado. Céus, nada do que já havia sentido antes. A matéria-prima deveria ser importada direta do Olimpo. Ela afundaria o rosto no pescoço dele e se intoxicaria com aquele aroma, mas o rapaz certamente a acharia uma maluca e chamaria os seguranças. Prestou atenção no zumbido metálico que escapava-lhe dos fones de ouvido, tentando decifrar a música: rock.
Teve certeza de que ele sorriu. Possivelmente um sorriso direcionado para ela. Os lábios curvando-se um pouco mais para o lado esquerdo. Tão sexy.
E se tivesse correspondido, talvez ele puxasse assunto. Talvez até a convidasse para tomar um café numa daquelas ruas pitorescas de Praga, logo abaixo do museu. Então os minutos até o chek-in se tornariam menos vazios e ela teria uma história para contar quando voltasse a Alemanha.
Mas Sina não correspondeu.
E só observou quando ele se virou e caminhou em direção à saída.

Don't Talk To Paparazzi - noart adaptation Onde histórias criam vida. Descubra agora