thirty one.

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Se pudessem apontar o lado ruim de ser famoso, fazer o social em eventos tediosos de parcialidade questionável encabeçaria a lista negra dos rapazes da Chump Change. Consideravam uma tortura sem fim aguentar longas horas de bajulações quando poderiam estar em casa assistindo a sua série favorita, ou bebendo bons uísques, ou bebendo bons uísques na companhia de belas garotas, ou fazendo qualquer coisa que não incluísse Sabina. Eram esses os pontos de vista de Samuel, Collin, Ryan e Noah, respectivamente.
— Merda de celular! Justo quando eu ia fazer um "divine" na fase 206 essa porra acaba a bateria! — Ryan disse alto o suficiente para fazer com que pescoços virassem em sua direção pedindo silêncio, para os quais o guitarrista devolveu um sinal nada ortodoxo em resposta.
Ingrid e Samuel abaixaram o rosto para conter as risadas. Ao contrário de Ryan, a esposa de Sam gostava das premiações. Era uma desculpa para ficar ao lado marido sem se preocupar com temperatura de mamadeiras ou horário certo de crianças estarem na cama. Horas preciosas de descanso graças a uma babá confiável.
— Não sei se aguento muito mais dessa palhaçada agora que estou sem Candy Crush. — O guitarrista lamentou-se depois de guardar o celular já sem utilidade no bolso da calça.
— Eu tenho uma tática para aguentar. — Collin disse em resposta a Ryan.
— Já vem chapado?
— Não, seu idiota. — O baterista franziu o cenho, mas depois deu um sorriso sórdido. — Foco nas cantoras de música pop que vamos encontrar na festa pós-Grammy. De preferência, as que fazem as coreografias mais elásticas nos palcos.
Collin e Ryan riram da piadinha suja. Ingrid ficou vermelha e Samuel tampou os ouvidos da esposa, protegendo-a das baboseiras que saiam da boca dos colegas de banda. Na outra ponta da fileira, Kyle controlava sua paciência, Sabina revirava os olhos, e Noah não demonstrava nenhuma reação...
Porque Noah estava pensando na sequência de eventos mostrada pelas câmeras dos Miller.
E no fato do carro de Sabina não aparecer em nenhuma das imagens na noite em que foi agredida.
— Vocês vão ficar quietos ou vão esperar sermos expulsos do evento? — Kyle Hanagami cochichou irritado. Estava sentado entre Urrea e Ryan, usando um paletó azul marinho e gravata combinando, nada das nuances de gosto duvidoso. O empresário estava feliz pelo fato dos garotos não terem boicotado o Grammy Awards daquele ano. Já querer que eles se comportassem, e tivessem a decência de usar trajes finos ao invés das roupas surradas habituais, foi esperar demais.
— Foda-se se nos expulsarem. As pessoas nunca se lembram dos ganhadores mesmo. Lembram-se dos escândalos. Pode até aumentar as vendas do disco. — Collin observou todo perspicaz. E uma ideia torpe brilhou nos olhos de Ryan.
— Collin, você é um gênio. — O guitarrista disse antes de se virar para Samuel. — Ei, Sam, o que acha de mostrar seu lindo traseiro na hora de pegar o Grammy? Para ajudar com a venda dos discos, hum?
Ingrid riu alto.
— Por que não mostra o seu? — Sam lançou de volta. — Mas não fique todo animadinho, Ryan. Ouvi boatos de que os Losts Revolvers levam o prêmio este ano.
No palco do evento, Robert Salmon, apresentava o prêmio de cantor revelação utilizando-se de piadinhas pré-decoradas. A plateia riu de cada uma delas, como robozinhos programados.
— Losts Revolvers... — Ryan bufou o nome da banda rival com escárnio. — Losts Revolvers podem chupar meu pau.
Samuel, Collin e Ingrid só controlaram as gargalhadas depois que uma cantora de R&B sentada atrás deles pediu silêncio. Kyle afundou as mãos na testa, envergonhado. Ryan deu um beijo na bochecha do empresário para tentar fazer o homem relaxar, mas que só teve o efeito de tirá-lo do sério mais um pouco. Depois o guitarrista olhou para Urrea e notou que o colega permanecia introspectivo:
— Ei, Noah.
Urrea saiu do transe e levantou o queixo para Ryan.
— Está muito sério, raio de sol. — Ryan disse. Ele e Noah haviam deixado o episódio de Jeremy Hunter para trás e resolvido suas diferenças. Tudo estava em paz novamente dentro da Chump Change e os fãs agradeciam. — Nervoso?
— Hum? Não, eu... estou apenas preparando um discurso mental no caso de sermos ganhadores.
Sabina virou-se para o namorado e apertou-lhe a mão em apoio, Noah controlou a vontade de repuxá-la. Um sorriso de rasgar as bochechas cresceu no rosto de Kyle Hanagami depois de ouvir o comentário do vocalista.
— Que ótimo, Noah! Muito bem! — O empresário lhe disse, então correu os olhos pelos outros rapazes. — Vocês escutaram? Façam como o vocalista. Cada um de vocês. Preparem algo legal no caso de subirem ao palco, certo?
— Eu já preparei o meu. — Ryan respondeu. — Vai ser algo do tipo: não sei o que significa toda essa merda, e pra falar a verdade, não acho que significa alguma coisa.
Sam balançou a cabeça e sorriu para Ryan. Dividiam a mesma opinião sobre a premiação ter mais relação com interesses de gravadoras do que com a música em si. Em cima do palco, a vencedora do álbum do ano beijou a estatueta em formato de gramofone depois que terminou seu um milhão de agradecimentos. Durante as palmas, um cinegrafista captou o exato momento em que a concorrente da premiada abriu um bocejo.
— Melhor discurso de todos, Ryan. — Sam disse em concordância. — Mas aposto cem dólares que você não tem coragem de falar isso no palco.
— Ah, é? Você vai perder.
— Pelo amor de Deus, Samuel, não incentive isso! Não sabe que esse aí é maluco? — Kyle Hanagami vociferou e Ingrid deu um puxão de orelha no marido em repressão. Os músicos ignoraram e Ryan selou o acordo com Sam por meio de um aperto de mão:
— Feito, garanhão italiano. Espero que não seja o dinheiro pra comprar o leitinho do menino Matt. — Ryan disse.
— Boa. — Collin também se empolgou com a aposta. — Vamos ver quem faz o melhor lá em cima. Eu vou dizer para os Losts Revolvers se ferrarem. E também mandar um beijo para mamãe e papai, claro.
Os garotos riram e Kyle ficou vermelho tentando tirar tudo aquilo de ideia. Noah, ainda incrivelmente concentrado, não falou uma palavra. Olhos verdes perdidos em pensamentos profundos. Conferiu o relógio de pulso. Àquela hora, um de seus contadores já devia estar realizando o acerto de Bailey May sob o fundamento: "você sabe muito bem o porquê, seu cretino de merda".
Provavelmente, o contador pularia a parte dos xingamentos.
Uma nova salva de palmas inundou o lugar enquanto a loirinha cantora-pop descia do palco carregando seu quarto Grammy da noite.
— Céus, seus colegas são uns animais sem modos. — Sabina balbuciou no ouvido do namorado. — Não sabem se vestir, nem se comportar. Ainda bem que você está investindo no cinema e não vai precisar desta banda para se manter no estrelato.
Noah virou o rosto lentamente para a mulher. Então lhe deu o maior dos olhares de desprezo.
— Estes animais sem modos, são a minha família.
Ela arregalou bem os olhos e esboçou um sorrisinho nervoso.
— Noah, eu... — Sabina começou, mas foi interrompida por Kyle.
— Ei, escutem, escutem! Vai ser agora! — Kyle balançou os braços e ajeitou a gravata que repentinamente parecia querer estrangulá-lo. Ingrid ensinou-lhe a mesma tática de respiração que trabalhava com Matt quando o garoto estava ansioso.
Josh Gold, roqueiro aposentado dos anos oitenta, foi o incumbido de anunciar o prêmio de melhor álbum de rock enquanto as câmeras focavam cada uma das cinco bandas indicadas. Os garotos da Chump Change fizeram caras e bocas quando mostrados nos telões. Ingrid entrou na brincadeira, Kyle sorriu sem graça e Sabina virou o rosto, constrangida.
Segundos de suspense: na vigésima nona fileira do Staples Center, os corações de Noah, Samuel, Ryan e Collin estavam na boca antes de Josh Gold falar:
— E o prêmio de melhor álbum de rock vai para... Still of the Night, da Chump Change!
Palmas fervorosas fizeram pano de fundo junto ao single mais tocado do último álbum: Your Toxic Love, composição de Noah Urrea e Ryan Keefe. Os dois funcionavam muito melhor juntos e até os jurados conservadores do Grammy Awards sabiam disso. Os meninos comemoram barulhentos a sua maneira. Ryan, Collin e Sam levantaram-se depois de receberem cumprimentos de Ingrid e Kyle. Noah ainda estava sentado, perplexo. A câmera focou o instante em que Sabina saudou o namorado com um abraço entusiástico.
— Noah, levanta, caralho! — Ryan disse para o vocalista. Antes que Urrea o fizesse, Sabina deu-lhe um leve puxão no braço. Ele a encarou de volta.
— Noah, querido, não se esqueça de agradecer a sua namorada quando estiver lá em cima. — Ela disse.
E foi naquele instante que diabinhos travessos sopraram algo no ouvido de Noah Urrea.
— Claro que não vou esquecer. — Urrea disse, então seguiu os colegas. Kyle Hanagami permaneceu em seu lugar, acompanhando com lágrimas nos olhos os passos dos garotos. Um pai orgulhoso.
Nas fileiras centrais próximas ao palco, sentado junto com os membros da sua banda, estava Richie Black, vocalista do Lost Revolvers e também desafeto declarado da Chump Change, que não perdeu oportunidade quando os rapazes passaram por ele:
— Ei, Noah Urrea, quando sai seu próximo filminho idiota? Soube que vai ser algo do tipo Crepúsculo, é verdade?
Noah ignorou, tanto o comentário quanto a gargalhada geral dos colegas de Black, mas Ryan, claro, preferiu devolver a gentileza:
— Olá, Richie. Vai sair no mesmo mês em que vocês fizerem algo melhor do que o lixo que vocês chamam de música. — Deu um aceno de pescoço para a mulher ao lado dele. — Garota bonita. Melhor do que as prostitutas que estava com você no Rainbow semana passada.
Ryan, Collin e Sam tiveram tempo de rir da carranca da modelo e atual namorada de Black antes de seguirem.
— Noah, anime-se, cara! Nosso primeiro Grammy! — Sam deu uma sacudida nos ombros do amigo, mas ele nem reagiu, continuou andando meio que no piloto automático.
Subiram os degraus da escada luminosa, ainda ovacionados pela plateia. Josh Gold fez as honras: entregou o troféu e o microfone para Noah. Palmas cessaram e luzes de xênon focaram os quatro enquanto o público esperou pelo discurso de Noah Urrea. Um minuto, dois...
E o trilar de grilos poderia ser ouvido dos últimos lugares do Staples Center.
Collin deu uma arqueada de sobrancelhas para o colega, Sam sussurrou o nome do vocalista, e quando Ryan pensou em lhe tomar o microfone, Noah começou a dizer:
— Bem... este foi um ano especialmente difícil para a Chump Change. Não é segredo o que aconteceu comigo e, obviamente, a banda teve que arcar com as consequências disso. Então... eu gostaria de agradecer ao nosso empresário, Kyle Hanagami, por ser o pai que eu nunca tive, agradecer aos meus colegas que foram extremamente compreensíveis quando precisei me ausentar dos ensaios e adiar a turnê de Still of Night. — Só a banda entendeu e apenas Ryan riu da ironia — Por fim, quero fazer um agradecimento especial a Sabina Hidalgo, minha bela acompanhante desta noite. — Algum exímio cinegrafista foi ágil o bastante para reproduzir a face da atriz no telão. Um sorriso em câmera lenta tomando seu rosto bonito.
E que Noah fez questão de retirar:
— Que além de ser uma excelente atriz... também é uma filha da puta mentirosa.
Clamor tomou conta do auditório. Os três colegas de Urrea entreolharam-se pasmos. O vocalista continuou sem se abalar:
— Mas antes do agradecimento, gostaria de lhes contar uma breve história. Era uma vez uma atriz que não media esforços para conseguir o que queria. Ela possuía tudo: fama, dinheiro, beleza; era o tipo de garota que poderia ter qualquer homem a seus pés... mas ela queria alguém cujo coração já pertencia à outra. Então essa mulher dissimulada, para quem os fins escusos sempre justificam os meios, não aceitando ser preterida, achou que seria uma boa ideia armar para cima desse cara. A melhor forma de conseguir isso? Forjando uma agressão, claro.
Por baixo do batom carmin, os lábios de Sabina perderam a cor. E como se estivessem acabado de assistir ao ápice de um grande truque de mágica, as pessoas emitiram exclamações de surpresa após ouvirem as palavras do grande vencedor da noite.
— Mas que porra é essa, Noah? Me dê o microfone. — Collin  tentou puxar o objeto, o vocalista se esquivou.
— Eu ainda não acabei, Collin. — Noah falou para o amigo antes de se voltar para uma plateia atenta de verdade pela primeira vez desde o início da premiação. — Não quero me colocar no papel de vítima, mesmo porque não há vítimas nessa história. E por um lado, até entendo toda a ira da senhorita Hidalgo e seu desejo de vingança. Eu era um completo idiota à época: alcoólatra, mulherengo, mas preciso deixar claro que nunca fui um agressor de mulheres. Então obrigado por tudo, Sabina. Por ter criado um jogo psicológico baseado em um sentimento de culpa, sobre algo que eu não fiz, só para poder manter um relacionamento de fachada. Obrigado por me proporcionar a experiência de vivenciar um bloqueio criativo que quase me tirou da minha própria banda, tenho certeza de que vou conseguir compor algo bacana sobre isso no futuro. Ah, obrigado também por me fazer estrelar uma merda de comédia romântica sob ameaças de expor uma história falsa que, adivinha só? Vazou de qualquer forma e me fez ser alvo de ódio gratuito enquanto você pagava de santinha para a mídia. É. Muito obrigado por tudo, Sabina. E meu mais sincero: vai se foder.
Quando Noah terminou, um alfinete poderia cair na parte mais afastada do salão que iria doer nos tímpanos.
Mas o alvoroço começou tão logo o vocalista desceu as escadas. As pessoas ainda tentando entender o que de fato tinha acontecido nos últimos instantes. Celebridades agitadas sobre seus assentos, cochichos incoerentes na plateia e o rosto de Sabina exposto nos telões: era essa a cena transmitida ao vivo para toda América e canais filiados ao redor do mundo.
De cima do palco, os colegas observaram Urrea caminhando até a saída do evento, passos tranquilos de quem não tinha nada a ver com toda balbúrdia acontecendo ao redor. Seguranças afastaram-se da porta para que ele deixasse o lugar e uma chuva de flashes crepitou sobre o homem quando ele apontou o pé para fora.
De repente música alegre: uma tentativa dos organizadores de apagar os resquícios da cena catastrófica. Aos poucos o ar também foi preenchido pelo barulho de pessoas recompondo-se nos seus lugares.
— Meu Deus, Sabina... — Kyle encarou a atriz com aversão — o que o Noah disse... é verdade?
Sabina Hidalgo, ainda em estado de choque, demorou um bom tempo para olhar para Kyle. Quando o fez, seus olhos estavam embargados, as mãos trêmulas.
— Eu...e-eu... com licença. — A mulher levantou-se, mas manteve a cabeça baixa. Correu em direção à saída tentando ignorar os comentários. Antes de chegar ao hall, tropeçou na calda do vestido verde esmeralda e a humilhação foi completa. Repórteres já a esperavam com uma torrente de perguntas.
O público ainda fervilhava quando Ryan tomou o microfone de volta, bateu os dedos contra a capitação do aparelho, e fez as pessoas protestarem pelo ruído agudo, mas também lhe darem a devida atenção. Então com um sorriso de quem ainda se divertia com o ocorrido, soprou bem o ar antes de dizer:
— Puxa... Definitivamente, nosso vocalista sabe como fazer um bom discurso. E em nome da Chump Change, só o que me resta dizer é... que... ahn... que estamos muito felizes com o prêmio. Obrigado.
E quanto à aposta feita: nem Sam, nem Ryan, nem Collin; ficaram mais ricos aquela noite.

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