thirty.

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— Ele deve ser mais do que um motorista pra você, não?
— Hum?
— Bailey May. — O atendente da delegacia de Los Angeles parou de bater a caneta contra o balcão. Ficou encarando Noah. — Sabe, você não precisava ter vindo aqui pessoalmente. Poderia ter mandado alguém para pagar a fiança.
— E por que quer saber? — Urrea franziu o rosto. — Você trabalha para algum jornal ou algo assim?
— Não, eu... Puxa, vocês famosos são desconfiados. — O rapaz disse todo sem graça, então deslizou os olhos de volta para a tela do computador.
Noah arrependeu-se em menos de um minuto do jeito ríspido como falou. Redimiu-se:
— Ei, Leonard, certo?
O nome estava gravado numa plaquinha em cima do balcão. Urrea continuou depois que o rapaz o olhou hesitante:
—É que a tia do Bailey é como uma mãe para mim. Precisava fazer isso por ela.
— Ah, legal. — Leonard animou-se com a mudança de humor do músico: sinal verde para puxar mais assunto. — Ele tem sorte. Trabalhar para "Noah Urrea". — Fez o nome soar como o de uma multinacional importante. — Você deve pagar bem, hum?
Urrea deu apenas uma arqueada de sobrancelha em resposta. Piscou bem devagar, tentando não perder a paciência. Pela segunda vez.
— Er... então... logo, logo, Torres vai te atender. — O jovem ajeitou os óculos grandes demais para o rosto miúdo. Sua voz diminuiu um tom, como se estivesse contando algo ultrassecreto. — E isto não é algo que Torres costuma fazer, sabe? Falar pessoalmente.
— E pela sua cara, eu deveria estar preocupado.
— Se você fosse um qualquer eu diria que sim, mas já que é famoso, talvez Torres só queira aproveitar para ver um astro de verdade, diferente deste bando de fracassados. — Leonard lançou um olhar desdenhoso para as excentricidades ao redor. Precisava-se ter senso de humor para trabalhar ali. O lugar mais parecia uma mistura dos bastidores da Universal Studios com um hospício. A esquerda de Noah, separado pela distância de quatro assentos, um homem vestido de palhaço batia os pés no chão com impaciência. A maquiagem havia sido desconfigurada pelo calor angelino e Urrea ficou na dúvida se o real propósito da fantasia era assombrar ou divertir criancinhas.
— Esse delegado Torres... acha que ele vai dificultar as coisas? — Urrea perguntou.
O atendente riu de alguma piada particular.
— Delegada Torres. É uma mulher. Ou quase isso. — Revirou os olhos por trás dos óculos. —Se for com a sua cara, não vai dificultar.
Ouviram o barulho de saltos altos. Noah notou todos os policiais reajeitarem a postura. Leonard, uma dupla de investigadores que jogava conversa fora, e outra atendente que parecia estar em uma ligação sem relação com trabalho, trataram de arrumar algo útil para fazer. Quem quer que fosse a dona daquele par de sapatos barulhentos, parecia botar banca no lugar. Urrea apostaria cinquenta dólares na tal Torres.
A mulher surgiu do corredor. Seu blazer tinha um decote generoso que atraiu o olhar de Noah como um canto de sereia. Os cabelos negros de amazona amarrados em um alto rabo de cavalo também eram algo a se notar. Madura, mas ainda assim, muito atraente.
— Senhor Noah Urrea? — Ela falou, voz estrondosa. Nem se preocupou em proteger a identidade do músico. Mas sejamos justos, quem ligaria para Noah Urrea quando Elvis Presley, o verdadeiro rei do rock, estava logo ali, cantando com as mãos algemadas no centro da Delegacia? Ninguém, certamente.
Urrea fechou a boca antes que o queixo caísse, abriu novamente para responder:
— Sou eu.
— Pode vir comigo.
A delegada sabia andar nos saltos. Noah teve que apertar o passo para acompanhá-la. Entraram numa sala que levava o nome e o cargo gravados na porta: "Carmen Torres - Chefe do Departamento de Polícia de Los Angeles"
Torres sentou-se e indicou que Noah fizesse o mesmo. Duas pilhas de celulose empoeiradas balançaram na mesa quando a mulher arrastou a cadeira.
— Ok. São vinte e cinco mil dólares. — Carmen lançou de uma vez. — O pagamento pode ser feito por transferência bancária ou por guia de recolhimento.
Noah segurou o ar.
— Vinte e cinco mil dólares? — A admiração com a qual ele repetiu fez com que rugas surgissem em sua testa.
— Exato. — A mulher levantou o olhar para o músico depois de assinar o que seriam alguns ofícios. — Tem alguma objeção, senhor Urrea?
— Bem, eu não entendo muito de lei, mas... — ele ajeitou-se na cadeira, medindo o peso de suas palavras, o queixo afundado entre o polegar e o indicador — isso não é muito alto? Afinal, o cara havia tomado à bolsa da Sabina, o Bailey só fez o que foi preciso para pegá-la de volta.
Carmen deixou o resto da papelada de lado e encarou Urrea.
— "Só fez o que foi preciso para pegá-la de volta". Ponto de vista interessante.
— Não... foi?
Ela suspirou e recostou-se na cadeira. Fora da sala podia-se ouvir o chiado incessante de telefones num acorde desarmônico. O crime não para em Los Angeles.
— Vou ser sincera, Urrea. Este caso não era para ser exatamente um problema. Minha delegacia tem coisas mais importantes para tratar do que ladrões de bolsas. Mas a "dona da bolsa" em questão, somado ao fato do vídeo rodando a internet... O comissário me ligou pessoalmente. A central de direitos humanos está espalhando que não tomaríamos nenhuma atitude, pois o agressor trabalha para um casal de celebridades. Se eu não fizesse nada, minha cabeça iria rolar.
E depois de tudo que Carmen Torres disse, Noah focou apenas numa palavra:
— Vídeo? — Ele franziu o cenho. — Tem um vídeo do assalto?
— Não viu? — A mulher disse como se fosse óbvio. Ela própria o recebera em três grupos de Whats diferentes. — Alguém filmou de um celular e... viralizou.
Depois de um bom tempo só olhando o músico, Carmen Torres perguntou:
— Ora. Você não tem noção de como o Bailey deixou o bandido, não é?
A mente de Noah tentou preencher as lacunas da história contada às pressas pelo motorista antes da polícia chegar e levá-lo. Uma história que, aparentemente, não lhe fora contada com todos os detalhes.
— Eu... é. Não tenho. — Ele disse.
—Tem estômago forte, senhor Urrea?
A resposta de Noah foi um aceno curto.
Torres deu uma olhada rápida para o relógio de pulso antes de se levantar.
— Vou te mostrar o que seu motorista fez. Talvez vendo com seus próprios olhos, passe a achar o valor da fiança bastante razoável.
Noah seguiu a delegada sob uma onda de pescoços virados. (Não por ele, mas por Carmen Torres). Então estavam em um corredor afunilado com celas apertadas que expunham a pintura gasta e o metal enferrujado das grades. Um cheiro pútrido ferroso ardeu nas narinas, algo que lembrava sangue.
— Este... — Torres apontou para o homem encolhido no canto da segunda cela, metade do rosto desfigurado. — é Tyler Walker. Indiciado por tentativa de assalto na Rodeo Drive.
— Cristo... — Noah balbuciou o santo nome na ausência de palavras que definiam melhor o estrago diante dos seus olhos. Quando percebeu a presença de Torres, Walker levantou-se do chão cinzento e correu até o limite da grade. As variações de roxo da sua face ficaram bem nítidas debaixo de uma luz amarela doentia.
— Vão me levar para um hospital? — O ladrão encarou Carmen com o olho esquerdo, o direito estava comprimido e perdido dentro da cavidade ocular inchada.
— Já falamos sobre isso, Walker. Está marcado para amanhã.
— Eu não estou bem, realmente não estou bem. Minha cabeça dói, mal consigo me virar e... Ei! Você, eu estou falando com você sua vaca estúpida! Eu preciso da merda de um hospital! — Cuspiu as palavras como um cão enfurecido quando Torres ofereceu-lhe um belo vislumbre das costas em resposta.
Noah ficou incomodado, mas continuou seguindo a mulher que estava decidida a ignorar o assaltante.
— Ele não passou por um médico? — Urrea perguntou.
— Passou sim, e a ficha hospitalar dele é tão grande quanto a criminal. O Walker tem uma cabeça forte. Não é a primeira vez que rouba bolsas de pessoas erradas. Dessa vez teve o azar, ou sorte não sei, do seu motorista ser canhoto. Porque agora se ganhar outra placa de titânio, vai ser do lado direito do rosto. Literalmente um cabeça de ferro.
Noah pensava em vilões de quadrinhos como Magneto e portas detectores de metal quando Torres parou repentinamente em frente à penúltima cela e chamou:
— Bailey May.
A expressão de Bailey variou da surpresa para vergonha quando avistou o patrão. Ainda usava o terno do serviço, um traje que não combinava com celas malcheirosas de delegacias.
— Hora de voltar para casa. — A mulher colocou a voz estrondosa em ação. Ela devia dar mais intensidade ao timbre toda vez que desejava intimidar. Aceitável, tinha uma reputação a zelar.
A própria Torres foi quem abriu a cela. Nada de sorrisos ou expressões de alívio da parte de Bailey. Nem mesmo levantou-se de pronto. Só quando Carmen perguntou se o rapaz gostaria de prolongar sua estada e serviço de quarto, foi que May saiu do efeito cataléptico e caminhou receoso para o lado de fora da cela.
— Bailey. — Noah falou secamente.
O motorista não conseguiu olhar-lhe diretamente.
— Vamos? — Torres disse. — Acredito que vocês, mais do que ninguém, devem estar loucos para sumirem daqui.
Na volta, passariam novamente por Tyler Walker: o ladrão que Urrea agora reconsiderava ser a grande vítima. Quem preparou aquela logística das celas não havia se dado conta do efeito que seria para o homem ver Bailey caminhando livre. Ou sabia e não se importava. Então o ato esperado aconteceu: Walker correu até o limite das grades exibindo seu meio rosto de abóbora e rosnou enfurecido:
— Vocês estão soltando este desgraçado!? Vocês realmente estão soltando o filho da puta que quase me matou!?
Ninguém falou nada. Noah notou quando o motorista cerrou os punhos, as juntas da mão esquerda machucadas. Assim que deixaram a área das celas, o alívio preencheu os semblantes de Bailey e Noah. O de Torres continuou o mesmo. Nada daquilo era realmente demais para a mulher, já estava acostumada.
— Estão liberados. — Carmen Torres sorriu pela primeira vez. Marcas de expressão criaram formas côncavas ao redor dos lábios carnosos. — E Noah, aqui está meu cartão, qualquer eventualidade pode me ligar.
Noah tomou o cartão feito de um material acetinado. Provavelmente não teria nenhuma eventualidade, mas agradeceu mesmo assim.
Ouviram o sobrenome da Chefe de Policia ecoar da sala caótica depois que se viraram. Então pisaram ansiosos para fora da Delegacia, deixando o cheiro ferroso para trás.
*

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