three.

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Sina desembaraçava os cabelos quando começou o frisson. Correu até o parapeito da sacada e não julgou mais aquelas pessoas lá embaixo. (As mulheres, principalmente). Se todos os astros de rock fossem daquele jeito, não pensaria duas vezes antes de substituir sua coleção de pop por vinis de Metal.
Vistos do sétimo andar, todos não passavam de pontinhos. Os que iam à frente como uma comitiva, poderiam ser os seguranças. A repetição previsível de ternos escuros fazia dessa dedução quase certa. Noah estaria entre os outros quatro: os dispersos pelos braços de fãs enlouquecidas que os pontos pretos não conseguiam conter.
Um SUV prateado abriu suas portas e dois rapazes cumpriram a única e honrada função de fechá-las depois que os integrantes da banda entraram. Os gritos histéricos declinaram junto com o clarão dos flashes quando o motorista driblou o aglomerado de carne humana e partiu à velocidade comedida para evitar um atropelamento. Era isso: horas de espera em troca de segundos de visão truncada por cabeças e ombros dos que levavam a vantagem genética de serem mais altos.
Quando desceu até a recepção, a multidão já tinha partido. Um dos funcionários do hotel juntava as bitucas de cigarro e outras sujeiras deixadas pelos fãs desordeiros. Sina se virou para o mensageiro que separava notas graúdas de gorjeta entre suas luvinhas de garoto de comercial.
— Ei. Por acaso você sabe o nome da banda que acabou de sair? — Ela perguntou.
— Claro. — O rapaz riu, achando-a uma alienígena por não saber algo supostamente tão óbvio. — É a Chump Change, senhorita.
A garota agradeceu e saiu em busca de algo para comer. Evitou os fast-food de franquias conhecidas e comeu um lanche rápido de rua, tudo para fazer da sua experiência em Praga mais real, como uma verdadeira nativa. Na volta passou numa loja de conveniência e comprou uma lata de Coca. Colocou-a no espaço vazio deixado pela anterior no frigobar antes de se enfiar sob duas camadas de cobertas.
Sabia que se deitasse naquele instante, teria as exatas oito horas de sono que precisava. Oito horas antes de tomar um café decente e fazer a revisão do artigo. Acontece que a ansiedade nunca se importou muito com necessidades fisiológicas (tampouco com trabalhos de Mestrados deixados para última hora). Queria mesmo era fazer novas descobertas. E elas nada tinham haver com as ruas exóticas de Praga ou o sanduíche que mais tarde descobriria ser grego (lá se fora o item: experimentar a culinária local), e sim com um certo astro do rock hospedado no seu hotel.
Apoiou o notebook sobre as pernas cruzadas. O indexador do Google deu a opção tão logo que digitou a letra C de Change. Descobriu que a banda de Noah já estava em seu quinto disco de sucesso e se perguntou onde esteve durante este tempo. Talvez fosse mesmo uma alienígena. Procurou pelo nome de Noah Urrea entre os integrantes, estava prestes a descobrir a função do rapaz na banda. Então, surpresa.
O filho da mãe era simplesmente o vocalista.
— Sem chance! — Pronunciou cada sílaba bem devagar, assombrada. Já se imaginando numa conversa com os amigos: quem acreditaria que o vocalista de uma banda mundialmente famosa atrasou o show para ficar conversando com uma simples anônima?
Nem ela acreditava.
O próximo passo óbvio foi acessar o Youtube e descobrir que as músicas tinham mais visualizações do que a população de um pequeno país. Seus clipes eram ousados e Noah Urrea protagonizava o mesmo papel em todos eles: o bad boy irresistível de olhar psicótico e avassalador. Inspirador para os rapazes, e uma tentação para as mocinhas.
Então a voz dele. Céus. Ela não esperava por aquilo. Claro, teria que ser bacana. E bacana já era suficiente para um cara boa-pinta segurar a banda se as composições fossem boas. Mas não sabia que cordas vocais pudessem alcançar notas tão estrondosas sem perder o timbre de veludo. Foi a coisa mais doce, e também intensa, que as míseras caixinhas de som do notebook já tiveram o prazer de tocar.
Envolvida pelas melodias da Chump Change, pela voz macia de Noah Urrea e pelas lembranças da piscina, nem viu o tempo passar. Restavam-lhe sete das oito horas de sono. Desligou o computador, e com um turbilhão de sensações que lhe queimavam o peito, se forçou a dormir. Mesmo sabendo que agora isso seria quase impossível.

Don't Talk To Paparazzi - noart adaptation Onde histórias criam vida. Descubra agora