nine.

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A festa era oferecimento de uma marca de bebidas patrocinadora do show e acontecia num salão de eventos no centro de Denver. Por trás do vidro filmado, Sina viu as pessoas que aguardavam do lado de fora. Nenhum segredo que deveriam pertencer à nata do Colorado. Homens bonitos em trajes finos, mulheres que deixariam as modelos da Victoria's Secret no chinelo. Ah, correção. Eram mesmo as modelos da Victoria's Secret. E a professora ia à contramão de toda a pompa com suas calças jeans e camiseta básica, mas ao menos ela e Noah estavam combinando neste quesito.
O veículo utilitário também destoava das outras belezinhas entregues aos manobristas. Sina notou uma moça fumando próxima ao meio fio olhar de cara feia para o automóvel deles. Provavelmente não teria feito isso se soubesse quem era o motorista vítima do seu descaso.
Tinha apenas um carro a frente quando Noah virou-se para ela:
— Sina, olha só. — O rapaz se atrapalhou. — Não me leve a mal, mas a imprensa certamente vai estar aí e...
A garota ficou toda sem graça, adiantou-se antes que ele continuasse:
— Eu já sei. Sem contato físico.
Urrea ergueu as sobrancelhas, depois as curvou como quem vai começar um pedido de desculpas, mas o pedido não veio. Do Porsche à frente, desceram uma celebridade local e seu acompanhante bem mais jovem, para o deleite dos fotógrafos.
— É. Sem contato físico. — Disse por fim. — Então, se alguém perguntar, fale apenas que você trabalha como relações públicas da banda.
Sina não deveria se importar com aquilo, era um pedido plausível. Eles não tinham nada mesmo, por isso não seria legal que a imagem dos dois juntos circulasse pelos jornais e comprometesse o vocalista. A garota acenou positivamente. E ao menos por fora, não transpareceu incomodada.
Noah Urrea só havia se esquecido de dizer que o evento era para os meninos da Chump Change e que ele era o garoto propaganda da bebida em questão. Logo na entrada, havia um banner com a sua imagem no qual estava envolvido por braços femininos que lhe entornavam um líquido âmbar no torso nu. Caramba. A indústria sabia mesmo explorar a figura do astro. Sua voz, seu rosto, seu corpo: tudo nele era aproveitado à exaustão.
Os paparazzi clamaram por algumas fotos e Noah concedeu-lhes alguns segundos de atenção. Sina ficou no seu devido lugar de direito: bem escondida atrás das câmeras enquanto mulheres ofereciam-se para o vocalista descaradamente. A professora controlou o impulso de fazer carão e concentrou sua raiva em uma goma de mascar até que a mandíbula começasse a doer.
Kyle Hanagami veio na direção dos dois segurando uma bebida concorrente a do patrocinador do evento. Tentou pedir licença às pessoas, mas depois desistiu e só lhes empurrou para abrir passagem. Suor reluzia-lhe na testa, visível sob a luz fluorescente que criava sombras engraçadas no seu rosto.
— Noah, que bom que chegou. — O empresário estava calmo, o que era uma novidade. Nem se deu o trabalho de olhar para a garota. — Os patrocinadores precisam de algumas fotos, depois está dispensado.
— Lembra-se da Sina, Kyle?
Os olhos do empresário viraram-se rapidamente para a convidada de Urrea, sem dedicar mais do que dois segundos de contato visual.
— Prazer.
Ele não lembrava.
Sina apertou a goma de mascar entre os dentes, tinha perdido todo o gosto. Kyle virou-se para Noah novamente:
— O Samuel já precisou ir embora, mas chame os meninos, uma foto com vocês três vai ser legal. Se precisar de mim, vou estar no balcão com a Ammy Rydes. Estamos quase chegando num acordo para colocá-los no festival de Seattle ano que vem.
O empresário deu as costas e um garçom passou carregando uma bandeja de bebidas. Noah retirou um copo sem nem olhar o que estava sendo servido. Sina pensou em fazer o mesmo, mas dispensou quando viu que era destilado.
Depois o vocalista a encarou por trás de um olhar desinteressado. Como as pessoas ao redor não ouviam o que ambos conversavam, poderiam muito bem deduzir que aquela garota estava aborrecendo o músico com assuntos cansativos. Uma tática interessante.
— Sabe que é muito ruim ficar te olhando e não poder te tocar? — Ele tomou um gole da bebida sem encará-la diretamente, os olhos percorreram o entorno e pausaram sobre um grupo de pessoas que tentava chamar sua atenção vigorosamente. Acenou para eles.
Sina entendeu o jogo e olhou para as unhas esboçando sua melhor cara de paisagem.
— Sei exatamente o quanto é ruim.
Os lábios dele curvaram-se sobre a borda do copo, olhos semicerrados, um sorriso comportado.
— Vai ficar mais autêntico se segurar uma bebida. Você tem mania de mexer muito com as mãos quando está nervosa. — Ele acenou para outro garçom que trazia garrafinhas de água além de bebidas alcoólicas. Sina foi de primeira opção.
— Obrigada pela dica, logo se vê que é um expert no assunto. — Sorveu um gole do líquido cristalino sem nenhuma sede de verdade. — E eu não mexo muito com as mãos quando estou nervosa. — Complementou, mexendo as mãos. Noah segurou a vontade de rir.
— É um meio cruel. Por isso aprendemos todos os tipos de truques para sobreviver nele. — O rapaz revirou os olhos e bocejou. Para os telespectadores, aquele seria o exato momento em que a garota estaria falando sobre indicativos de quedas em bolsas de valores ou mudanças climáticas.
— Bem. E o que fazemos agora? Porque eu não tenho muito dom teatral e isto não está nenhum um pouco divertido.
Ele permaneceu sério, ainda que os olhos dirigissem-lhe um interesse velado.
— Ok, querida relações públicas, é assim que as coisas vão ser: eu vou tirar as malditas fotos enquanto você apenas se comporta. Depois daremos o fora e então voltaremos àquela conversa que iniciamos em Praga meses atrás.
Quando ele terminou, Sina sentiu a pele formigar por baixo da camiseta. Oh. Não era uma boa hora para dizer que o problema da primeira noite continuava ali.
Urrea então foi até os patrocinadores. Garotas rodearam-no como mariposas numa lâmpada neste ínterim. Sina desviou o olhar antes que a cena causasse-lhe uma nova onda de ciúmes. Caminhou até o balcão tomando assento entre desconhecidos e concentrou-se na garrafinha de água, goles pequenos para que o líquido durasse até Noah voltar.
Demorou alguns segundos antes que notasse o cara parado ao seu lado. Primeiro ela encarou as tatuagens na mão direita dele. Dentre elas, um modesto "fuck" soletrado do dedo mínimo ao indicador. Então levantou o rosto até encontrar as pupilas dilatadas do rapaz: Ryan Keefe.
— Ora, ora, se eu não conheço você. — O guitarrista encarou-a com um interesse torpe enquanto retinia pedrinhas de gelo no copo de uísque. Ainda usava a mesma roupa espalhafatosa do show: uma mistura de cavaleiro templário com David Bowie em sua fase mais alternativa.
— Conhece é? — A garota disse, surpresa que ele se lembrasse.
— Sim, conheço. — Ryan confirmou. — Só que você realmente está muito longe do continente europeu, ratinha.
— É Sina. — Ela corrigiu. — Então você se lembra.
— Claro que eu me lembro, não é sempre que recebo um não. E não são todas garotas que possuem esta adorável carinha de sonsa que você tem. — Ryan bateu o indicador no nariz de Sina, então tomou assento ao seu lado. A garota franziu o cenho e sorveu o resto da água num só gole. Lá se ia sua única distração. Ryan pediu mais dois copos de uísque para o garçom. Ao que parece, uma das doses para ela.
— E o que a trás pra esses lados? — O guitarrista apoiou o cotovelo no balcão, as sobrancelhas erguendo-se sobre as íris acinzentadas. — Ah, não, espera. Eu vou adivinhar. Você é a acompanhante sem graça que minhas amigas disseram que o Noah trouxe para o evento.
Sina deu um sorriso falso. Focou nas dezenas de garrafas distribuídas em fileiras atrás do barman e, mentalmente, contou até dez.
— Disseram é? Acho que elas estão parcialmente certas.
— Na parte de você ser sem graça ou na parte de ter vindo com o Noah? — Ryan perguntou, ultrapassando a tênue linha que separa um comentário engraçado de algo maldoso.
— Tire você suas próprias conclusões. — Ela respondeu. Quando o garçom chegou com as duas bebidas, Sina pensou em recusar, mas por fim aceitou. Se tinha que aguentar aquele guitarrista arrogante que não o fizesse sóbria. O líquido âmbar desceu queimando. Ryan riu quando a garota engasgou.
— Só acho que o príncipe do rock está quebrando um recorde. Repetindo mulher com tanta oferta no mercado. — Ele correu a mão pela coxa dela, então pausou. — E eu adoraria saber o que você tem de tão especial para deixar o Urrea tão interessado...
Sina empurrou a mão dele em reflexo.
— Eu também não gosto de você, Ryan.
Ryan esboçou uma cara teatral muito melhor do que a que Sina tentava fazer com Noah. Repousou o copo de uísque e gargalhou insanamente.
— Quem disse que eu não gosto de você, ratinha? Na verdade, eu gosto bastante. O suficiente para lhe dar um conselho.
Ela o olhou e esperou que continuasse. Perguntou quando viu que Ryan permaneceria em silêncio:
— E qual é?
A resposta veio num gatilho, rápida e séria:
— Afastar-se o mais rápido que puder do Urrea.
Sina sentiu um aperto no peito, mas não deixou que a voz transparecesse nenhuma emoção.
— Bem, acho que sou grandinha para conselhos.
O guitarrista enrugou a testa, o canto da boca curvando-se no que era o mais arrogante dos sorrisos.
— Tudo bem, ratinha, mas quando o Urrea destruir seu coração, e acredite, isto não vai demorar muito a acontecer, não diga que ninguém te avisou.
Ryan sorveu o resto da bebida e bateu o copo vazio contra o balcão. Antes de sair, estalou um beijo na bochecha de Sina. A garota teve raiva do misto de sensações que aquele gesto lhe causou.
— Demorei muito? — Noah reapareceu. O perfume, a voz, ambos familiares, rescenderam nos sentidos da professora. Ela virou-se mais eufórica do que gostaria.
— Só uma eternidade.
O vocalista abriu um sorriso muito maior do que uma mera relações públicas merecia.
— Vem, vamos logo embora daqui. — Ele falou e Sina já havia se colocado de pé antes mesmo que Noah terminasse aquelas palavrinhas mágicas.
O caminhar do astro pelo salão reiniciou uma onda do que sua presença naturalmente causava nas pessoas: pescoços virados, cochichos e olhares voluptuosos. Nada novo, fora o fato de Sina conseguir atenção de tabela. A forma como as garotas a encaravam deixariam a raposa da fábula de Esopo uma incipiente quando o assunto fosse despeito. Ela fervilhou por dentro, passos comedidos em direção àquela coisa maravilhosa chamada saída. Então em algum ponto entre a portaria e a pista de dança, ouviu o timbre irritante de Ryan.
E os trompetes angelicais imaginários que retumbavam em sua cabeça pararam abruptamente.
— Ei, raio de sol! — Ryan acenou para Noah. — Não finja que não nos conhece só porque somos os coadjuvantes do seu show!
Ryan e Collin estavam sentados no que seria uma área VIP para os músicos. Havia uma latina no colo de Ryan, uma loira massageando os ombros de Collin, e mais um exército de groupies em saias microscópicas circundando o local, só esperando até que algum deles gritasse "próxima".
Noah virou-se para Sina e daquela vez a cara de insatisfação dele não era encenação.
— Já ouviu falar do conceito de "fazer um social"?
Sina sorriu soturna.
— Tudo bem, vá falar com eles.
Noah caminhou até Collin e Ryan. Abraçou o primeiro e limitou-se a dar um tapinha nas costas do segundo:
— E aí? Se divertindo?
Quando o vocalista não fez sinal de que iria se sentar, Collin manifestou-se:
— Não seja arrogante e sente-se um pouco com a gente.
— Não sou arrogante, Collin. Mas parece que todos os lugares já estão ocupados. — Noah correu os olhos pelo harém particular dos colegas.
— Ah, mas isto é muito fácil de resolver! — Ryan disse ao mesmo tempo em que empurrou a garota do seu colo e enxotou a de Collin como se fosse uma galinha. Pronto. Dois lugares livres surgiram num espaço improvável.
— Chamem suas amiguinhas e desapareçam daqui. — Ryan falou para elas, mas depois mudou de ideia e fez uma concessão para duas das cinco meninas — Ei. Você, cabelo cor de cenoura, e você, peitos enormes. Vocês duas ficam.
Collin riu concordando tal qual um papagaio de pirata. Sina começava a achar que toda atitude do baterista limitava-se aos cabelos selvagens. As outras três garotas preteridas saíram reclamando, aquela cujo traseiro esquentava o lugar ao lado de Collin olhou Sina com um carão de quem lhe arrancaria os olhos se tivesse a chance.
— Problema resolvido. — Ryan exclamou erguendo as mãos, mas Noah hesitou novamente.
— A Sina está cansada e tem que levantar cedo. Preciso levá-la embora.
— Porra, Noah, vai dispensar uma rodada com seus irmãos? Vamos lá, vamos provar para a imprensa que não somos desunidos como eles dizem por ai. — Collin falou com seu timbre grave, depois se virou para Sina — Você se importa?
A garota apontou para si própria, surpresa.
— Eu? Bem, não... não me importo. Se o Noah quiser ficar, nós ficamos.
Urrea a encarou com uma expressão de quem pergunta: "o que você está fazendo?". Ela respondeu da mesma forma silenciosa, o olhar implorando: "o que queria que eu fizesse?".
— Ah, que garota legal. — Collin disse, a voz mole de um viciado. — Gostei de você, princesa. Senta aqui do meu lado.
— Não, Collin. Ela não vai se sentar ao seu lado. — Noah antecipou possessivo e Sina sentiu-se traidora do movimento feminista por um instante.
O baterista levantou as mãos em sinal de paz:
— Sem problemas, irmão. Não sabia que essa era especial.
— É, ela é sim especial. — Noah foi ainda mais categórico e o ego de Sina não se coube dentro dela.
— Então só nos apresente sua amiga. — Collin disse.
— Vocês se lembram da Sina. Nós a conhecemos em Praga. — Noah disse enquanto tomava um assento ao lado da sua convidada, já mais calmo. No sofá envernizado de frente para eles, Collin e Ryan apertaram-se entre as duas garotas remanescentes.
Collin continuou com o olhar de biruta e depois deu um sorriso preguiçoso de concordância, mesmo que não se lembrasse de Sina. Aliás, era bem possível que nem soubesse o próprio nome, dado o estado em que se encontrava naquele momento. Ryan por outro lado, não perdeu a chance:
— Ora, claro que me lembro. Eu e a Sina já conversamos bastante hoje. — O guitarrista fez aquilo soar de um jeito dúbio. — Não é, ratinha?
Noah deslizou o rosto, do guitarrista para a garota:
— Conversaram é?
Sina lançou um olhar de fuzilamento para Ryan. O guitarrista ignorou e complementou:
— Sim, seu brinquedinho novo tem muita personalidade. — Ryan disse, olhando diretamente para Sina. — E concordo com você, ela realmente é muito especial.
Antes que Noah abrisse a boca, Ryan elevou o indicador:
— Maaas... não precisa se preocupar. Sina foi fiel como um bom cachorrinho. Enquanto você a deixou sozinha, a mercê de outros caras no balcão, eu a protegi.
— O quê?! Ryan, eu... — Sina alterou-se, Noah a interrompeu.
— Bem, Ryan, eu e Sina já estávamos conversados. — Urrea abaixou o dedo do colega num ímpeto, olhos verdes destilando ira e o timbre de voz baixo o suficiente para soar como uma ameaça. — E acabo de me dar conta de que não preciso te dar satisfação nenhuma sobre isso.
O desconforto era tão substancial que poderia se solidificar entre os dois. Todo restante da mesa permaneceu estático, manequins de cera não teriam feito melhor. As pessoas ao redor encaravam.
— Isso mesmo Noah, comece logo uma cena. — Ryan sorriu presunçoso, inclinando-se em direção ao vocalista para instigá-lo. — Venha para cima de mim e vamos movimentar as coisas nesta festa chata pra cacete.
Paparazzi já estavam a postos, esperando o momento certo para captar a sequência esperada do que parecia ser uma briga. Sina inclinou-se de modo que falasse bem próxima dos dois:
— Ei, ei! Como relações públicas da Chump Change preciso pedir para que vocês dois parem com isso. Já!
Ryan cerrou o cenho e encarou a garota.
— Relações públicas? — O filho da mãe bufou uma risada. — Que merda é essa agora?
Sina continuou:
— Como eu estava dizendo, Noah não me deixou esperando tanto tempo assim. E, Ryan, eu e você não conversamos mais do que dois minutos, e foram apenas coisas triviais. Por isso, que tal parar de ser um babaca e não fazer com que eu me arrependa de ser educada, ok? Então, Collin, — o baterista a olhou num sobressalto — onde está a bebida que você disse que nos serviria? Porque nossos copos ainda estão vazios.
Os três rapazes ficaram em silêncio encarando a garota, as seguintes ações ocorrendo em sequência: Ryan gargalhou de um jeito doentio debatendo as mãos sobre o tampo da mesa. Collin, sofrendo o efeito retardatário de alguma substância ilegal, também riu. E passada a surpresa, Noah relaxou os ombros, então olhou cautelosamente para Sina, dando o braço a torcer.
Tudo estava em paz, novamente.
E Collin virou-se para Noah com uma aprovação implícita no olhar:
— Cara... Eu adoro sua garota nova.

Don't Talk To Paparazzi - noart adaptation Onde histórias criam vida. Descubra agora