fourteen.

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Bel Air é um dos bairros mais caros e exclusivos de Los Angeles: um composto de ruas sinuosas entre colinas com construções que variam desde casas campestres até mansões de valores astronômicos. O tipo de lugar em que o jornal é entregue bem enrolado dentro de um saco plástico (ainda que o céu azul não traga previsões de chuva) e cujos moradores acordam sempre de bom humor às segundas-feiras. É como viver numa versão terrena do Olimpo.
— Aquela ali é da Salma Hayek. — Bailey May, o motorista, apontou para uma casa em estilo gregoriano com incalculáveis janelinhas reluzentes.
— Uau. Luxuosa. — Sina respondeu e perguntou-se com que frequência todos aqueles quartos realmente eram ocupados.
— Mas a senhorita vai para uma ainda mais bela. — O motorista encarou a garota pelo espelho retrovisor. Sina viu apenas as sobrancelhas negras erguerem-se sobre os olhos castanhos. Belos traços asiáticos que não eram tão gritantes assim, diria mais Filipino talvez. — É a primeira vez que vejo o senhor Urrea contratar um serviço de intérprete. Já o conhecia antes?
— Não. — Falou sem ficar vermelha, uma mentira que pareceu verídica. — Estou feliz pelo serviço, só espero que não seja um cantor excêntrico.
Bailey riu.
— Ah, todos da Chump Change são. Mas não diga para o patrão que eu falei isso. — Ele deu uma piscadela para a garota.
— Não vou dizer. — Sina sorriu em cumplicidade.
Naquele ponto, as casas ficavam escondidas por trás de árvores centenárias encarregadas de criar um ambiente privado para moradores mais exigentes. A recompensa por morar em um local tão alto era uma vista de tirar o fôlego das esplêndidas montanhas de Santa Monica.
A garota ainda estava acostumando-se à opulência a sua volta quando o carro parou. Fora o muro envolto por trepadeiras, a única coisa visível era o portão: uma verdadeira antiguidade com ares da Belle Époque que se abriu com o clique do controle remoto. Bailey reduziu a velocidade, adentrando no terreno arborizado onde pequenas margaridas pareciam ter sido borrifadas na grama aparada. O barulho do motor fez com que pássaros voassem assustados, como se a presença humana fosse algo esporádico ali. Então o coração de Sina disparou quando ela avistou a casa.
Suntuosos álamos contornavam a fachada formada por pedras enfileiradas. Um serviço de tamanha perfeição que sugeria que seus responsáveis demoraram um século para executá-lo. Tudo ali parecia ter saído direto de um conto de fadas e não se assemelhava a nenhum dos devaneios dela sobre o lugar: era mais a residência de um rei do que a de um astro do rock.
O motorista desceu do carro para ajudá-la. Sina ainda parada, queixo caído, digerindo tudo aquilo.
— É demais, não? — Bailey mais afirmou do que perguntou.
— O quê? — Sina piscou, saindo do transe.
— A casa. — O rapaz sorriu, então retirou a mala da garota do porta-malas. Levava o suficiente para os quatro dias. — É ou não a mais linda que você já viu?
— É perfeito. Eu nunca vi nada igual.
Um toque de campainha que deve ter ressoado melodioso por um sem número de cômodos precedeu o som da porta se abrindo. Sina segurou o ar quando o viu. Noah usava uma camisa que nada tinha de especial além do fato de acentuar tão bem as partes do corpo dele e inspirar a garota de mil formas diferentes. Por qual motivo mesmo um vocalista necessitava de tantos músculos se apenas suas cordas vocais precisavam ser espetaculares?
— Senhorita Deinert, prazer, sou Noah Urrea. — Rosto sério, sorriso comportado. Apertou a mão dela de maneira tão convincente em fingir que aquele primeiro encontro era genuíno que Sina imaginou se contracenar não seria mais um de seus dons. — Espero que tenha feito boa viagem.
— O prazer é meu, senhor Urrea. — Falou tão persuasiva quanto ele. Também tinha feito seu dever de casa. — A viagem foi ótima.
Urrea virou-se para o motorista.
— Obrigado, Bailey, aviso se precisar de mais alguma coisa. — Depois disse para a garota. — Vamos?
Sina controlou a vontade de atirar-se sobre o vocalista quando a porta foi fechada. Quem esperou doze horas dentro de um avião poderia esperar mais alguns minutos, certo?
Tá. Segundos e não se fala mais nisso.
Noah leu os pensamentos dela e tratou de estabelecer contato físico. O homem não era bom apenas com os lábios, mas também tinha os melhores abraços do mundo. Deus... não que fosse o mais essencial naquele momento, mas como gostou de se sentir envolvida por braços fortes. Era uma boa hora para estudar anatomia e aprender o nome de todos os músculos daquela região.
— Caramba, senti sua falta... — Urrea falou próximo ao ouvido dela, inspirando-lhe entre os cabelos. Sina ficou envergonhada.
— Eu não devo estar cheirando bem depois de doze horas de voo.
— Tá brincando? Seu cheiro natural é o melhor. — Noah então a soltou, posicionando seu rosto a poucos centímetros do dela. Sina quis protestar pela quebra do contato físico, mas ficar cara a cara com aqueles olhos verdes de floresta equatorial também não era nada mal. — Fique parada um pouco.
— O que você está fazendo? — Ela riu.
— Só te olhando.
— É alguma tentativa de me hipnotizar?
— Está funcionando?
— Vai ter que fazer melhor do que isso.
— Ah, eu vou... — O jeito que ele falou aquilo fez Sina imaginar coisas. Menininha de mente fértil. — Mas não agora.
Claro que não. Malditos modos e etiqueta. A garota deu uma boa olhada ao redor.
— Então... é aqui que você vive.
— Quando não estamos em turnê, é sim.
— Sua família mora com você?
— Não. Minha mãe e meus dois irmãos moram na Inglaterra. Só me visitam de vez em quando. — Noah respondeu. Não falou nada sobre o pai. Sina achou melhor não perguntar.
Aquela casa deveria ser tão premiada por revistas de arquitetura quanto seu dono o era pela música. Claramente, o interior passara por uma reforma. Tudo ali era moderno, mas sem entrar em conflito com a fachada atemporal. O chão feito de cimento queimado combinava com os móveis de tons neutros distribuídos pela sala: estilo minimalista. Uma das paredes fora adornada com fotos dos meninos da Chump Change em escala de cinza. Todos tão lindos que mais pareciam modelos de campanha publicitária do que músicos. Para que tocar instrumentos quando se têm uma beleza daquelas? Bobagem. Na mais chamativa, uma inofensiva píton envolvia o tronco nu de Urrea. Ele notou a garota reparando.
— Eu sei. Exagerado demais. —Noah fez uma careta. — Mas tente dizer isso quando se tem um empresário como o Kyle.
— É bem artístico... foi algum trabalho específico?
Ele a olhou por um bom tempo.
— Sina, assim você me decepciona. É sério que não fica a madrugada inteira pesquisando sobre mim no Google? — Fingiu estar chateado.
— Não. Sinto muito.
— Foi capa do nosso segundo álbum.
A professora ergueu as sobrancelhas.
—Uau. Imagino quantas pessoas não devem ter comprado apenas por isso. Garotas, quero dizer.
Noah deu um sorriso de quem não se importa nenhum pouco em ser o fetiche sexual de metade das mulheres da Terra. Depois continuou analisando as reações de Sina à casa:
— E aí? Atendeu as suas expectativas?
Ela virou-se para o rapaz, fazendo um biquinho.
— Mais ou menos... É que imaginei a sala pintada de preto e crucifixos de cabeça pra baixo ao lado de uma foto do Ozzy.
— Tisc tisc. Você e sua mania de generalizar astros de rock... — Ele balançou a cabeça em total descrença teatral, mas só para revelar em seguida:
— Tá. Tenho uma foto com o Ozzy no meu estúdio.
— Nossa! Tem um estúdio?
Surpresa ingênua levando em consideração o tamanho do terreno.
— Sim. E também uma quadra de tênis, mesmo nunca tendo pegado numa raquete. Coisa dos antigos proprietários.
— E quem são os antigos proprietários? — Bisbilhotou.
— Tom Cruise e Katie Holmes.
— Oh.
Seguiu Urrea até um corredor espaçoso. O astro passou por algumas portas fechadas, ignorando-as. Então abriu a última delas.
— Aqui... é meu quarto.
A cama não decepcionou. Tinha proporções suficientes para caber um time inteiro de futebol (feminino, no caso). O único elemento decorativo era um violão posicionado estrategicamente ao lado do leito e que talvez estivesse ali mais para cumprir a finalidade para a qual fora criado do que enfeitar o cômodo.
— Sóbrio, mas bonito. Um verdadeiro quarto de menino. — Sina observou.
Ele indicou novamente o corredor:
— Vou te mostrar o seu.
O quarto de hóspedes deixou a garota sem palavras. Decoração medieval com abuso de elementos vermelhos, do papel de parede acetinado às almofadas sobre a cama. Um lustre de cristal refratou a claridade pelas suas dezenas de pedrinhas quando Noah acendeu o interruptor. Sina suspeitou que aquele fosse o melhor de todos os dormitórios da casa. O único defeito era não ser tão próximo do quarto do vocalista.
— Está bom para você? — Urrea perguntou.
— Tá brincando? Noah... é maior do que o meu apartamento. Vou sentir falta deste quarto a minha vida inteira! — A garota se jogou no colchão. Maldito hábito infantil de fazer isso sempre que avistava uma cama convidativa. — Isso é muito bom!
O rapaz a encarou.
— Quer descansar um pouco?
— Eu dormi a viagem inteira. Não estou cansada.
— Puxa. Não sabe como a invejo por isso. — Ele disse, recostado no portal. Ao seu lado, a porta não possuía assim tanta vantagem no quesito altura. Era cômico pensar que um cara daqueles tivesse medo de alguma coisa.
— É mesmo. Eu tinha me esquecido. Imagino que seja uma loucura para você conseguir sair em turnê. Como consegue relaxar durante os voos?
Noah deu um sorriso curto.
— Uísque. — Depois acenou para o lado de fora. — Vamos? Quero te apresentar o Martin.
Sina colocou-se de pé num pulo.
— Martin? Legal! Adoro cachorros. — Respondeu e logo pensou num Border Collie ou um Golden Retriever, já que a casa tinha hectares suficientes para que um cão de grande porte pudesse aprontar suas travessuras com tranquilidade.
— Que bom, mas o Martin não é um cachorro.
Ela ficou sem graça ao extremo.
— Ah. Desculpe.
Noah riu da reação dela e tratou de explicar:
— Eu disse que não era um cachorro, mas também não é uma pessoa. Na verdade é um felino.
— Ufa. Também amo gatos. — Respirou aliviada. Então seguiu Urrea até uma parte do terreno que não tinha observado antes. As árvores eram praticamente inexistentes e uma grade ampla envolvia uma clareira.
— Martin! — O vocalista gritou o nome do animal que estava camuflado em uma depressão coberta por arbustos. Em seguida, o bicho correu até as barras de metal que o separava das pessoas.
— Sem chance... — A frase saiu de forma espaçada — Você tem um tigre de estimação. Você realmente tem um tigre de estimação! Por que não estou surpresa?
— Sua cara é de surpresa. — Noah curvou os lábios, presunçoso.
A garota revirou os olhos.
— Você entendeu o que eu quis dizer. Ei. Por acaso é o tigre que vocês usaram no clipe de "Lost Soul"?
— É sim. — Urrea sorriu enquanto o animal que supostamente deveria lhe destroçar com as garras afiadas lambia-lhe como um cachorrinho amistoso. — Então você está vendo nossos clipes, hum?
A garota ficou vermelha.
— Às vezes assisto um ou outro. — Não era saudável admitir que via ao mesmo clipe quinze vezes seguidas. — Eu nem sabia que pessoas poderiam ter tigres de estimação.
— É... mas o Martin está aqui temporariamente. Era um desses animais usados em circos e que sofria maus tratos, estou arrumando toda a papelada para ele ir morar em um santuário na África.
— Ele parece tão manso.
— Ele é.
— Será que... posso encostar? — Questionou receosa, mas a mão já estava a poucos centímetros do pelo reluzente do animal.
— Por sua conta e risco.
O toque fez com que o bicho se virasse bruscamente em direção à garota. Ela soltou um gritinho mais de ansiedade do que de medo.
— Quer desistir? — Ele desafiou.
— Não... — Colocou a mão novamente e jurou ter sentido o felino ronronar como um bom gatinho persa. — Eu estou acariciando um tigre. Eu estou acariciando um tigre de verdade! — Sina repetiu a frase que soou como um mantra.
Noah observou a cena com ar de orgulho:
— Você é bem corajosa, garota. A última pessoa que fez isso ficou sem a mão.
— Engraçadinho.
— O Martin acabou de comer um paparazzo intrometido, está de barriga cheia — ironizou — já você, deve estar faminta.
Ela não precisou dizer nada, Noah sorriu.
— Só vou tomar um banho para me livrar do banho de saliva que o Martin me deu, então a levarei para jantar. O que acha?
— Acho uma excelente ideia. O banho e a refeição, nesta ordem.

Don't Talk To Paparazzi - noart adaptation Onde histórias criam vida. Descubra agora