thirteen.

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— Match! — Samuel comemorou ao mesmo tempo em que sorveu mais um gole de cerveja. Estavam no Barley's, um bar de fachada simples localizado na Echo Park que unia três grandes qualidades: bebida gelada, funcionamento vinte e quatro horas e clientes hipsters que não ligavam a mínima para o fato de Noah Urrea e Samuel Victoria estarem ali. Apesar da atmosfera decadente, o local trazia certa nostalgia aos músicos. Lembrava-lhes da época inglória do anonimato, quando ser estrelas do rock não passava de um devaneio tolo.
— Melhor de três? — Urrea propôs, sua mente já elaborando uma nova jogada capaz de diminuir a vantagem sobre o baixista que embolsara a bola oito finalizando o jogo.
— Tá, mas hoje você vai levar uma surra no snooker. — Samuel caçoou e tratou de organizar a mesa novamente. Depois falou como quem não quer nada. — Ei, a Ingrid me mostrou o jornal de ontem. Belas fotos.
Noah deu um suspiro de contrariedade e retorceu o rosto, antes de dizer, aborrecido:
— Que fotos? Ah. De um jornaleco de merda e sem credibilidade chamado Daily News? Sério que a Ingrid lê esse tipo de lixo?
Samuel riu, os lábios bem destacados pelo cavanhaque.
— Bem, a Ingrid e todo resto do mundo, eu acho. — Então pausou e encarou Noah, dessa vez, manifestando certa preocupação. — Mas e aí? Ficou tudo bem entre você e a Sabina?
O vocalista suspirou.
— Se você considerar "ficar tudo bem" ela ir até minha casa e partir para cima de mim com uma bolsa... — Noah concentrou-se e lançou: quatro acertos. — Eu diria que estamos ótimos.
— Cara... — Samuel fez uma careta de dor que sintetizou a aflição pelo colega e a sensação que teve quando viu as bolas paradas na mesa. Uma jogada difícil.
— Mas as coisas poderiam ter sido piores. Ao menos ela não encontrou a garota que passou a noite na minha cama saindo de fininho. — Noah complementou como se aquilo fosse a maior das vantagens. Samuel levantou os olhos do verde sintético da mesa e encarou o amigo com repreensão.
— Porra, Noah. Você tem que parar com isso.
O vocalista sorriu presunçoso.
— Parar de dificultar o jogo para você?
— Não, seu otário. — Samuel olhou sério para ele. — Com essa vida desregrada. E eu não quero fazer papel de Kyle, porque sei que ele já deve ter te enchido com toda essa merda. Mas me diz, onde você estava com a cabeça? Levar uma groupie num McDonalds? Assim, pra todo mundo ver? Cara, isso foi estúpido até para você.
— A Sina não é bem uma fã.
As sobrancelhas de Samuel ergueram-se uns bons centímetros.
— Ei. Espera aí. Este nome não me é estranho. — O baixista bateu o indicador na têmpora depois o mirou no colega. — A garota que foi ao camarim depois do show! A que disse que era sua amiga?
Os olhos de Noah brilharam. Uma resposta silenciosa.
— Caramba. Eu não a reconheci pelas fotos do jornal. Ficaram bem desfocadas. —Samuel complementou.
— Sim. Ao menos ela foi poupada disso.
— É, mas você e a Sabina não.
Urrea deu de ombros.
— É a vida.
Samuel esqueceu o jogo por alguns instantes e encarou o amigo:
— Cristo... porque tenho a sensação de que você não está nem aí para seu namoro nesta história toda?
— Porque... talvez eu não esteja. — Noah respondeu e no fundo, Samuel não ficou mesmo surpreso. Afinal, não era segredo que o laço que unia Urrea e Hidalgo estava mais próximo de um acordo comercial do que de um relacionamento romântico. Então o baixista perguntou:
— Já esta menina, a tal de Sina, tem algo não tem? Você a levou para a mesa do café em Praga, então a reencontra no Colorado...
— Ela me mandou uma mensagem dizendo que estaria em Denver e eu a convidei para o show. Nada demais.
Aquela informação fez Samuel arregalar os olhos até que rugas surgissem na sua testa.
— Peraí. Para. Você passou seu número pra ela?
— Qual é, Samuel, tem algum problema isso? — Noah perguntou com um olhar de censura para o colega.
— Nenhum, só achei... interessante. — Samuel respondeu, sugestivo. Noah tentou voltar a atenção para o jogo, mas desistiu porque o colega ainda encarava.
— Porra, Samuel. Por que está me olhando desse jeito?
— Ah, seu bastardo filho da mãe...
— Quê?
— Se eu não te conhecesse, eu diria que por essa aí você se apaixonou.
Noah engoliu em seco, sem dar o braço a torcer. Seu rosto ficou vermelho.
— Ainda bem que você me conhece.
— Mas você está?
— O quê?
— Apaixonado?
Urrea cruzou os braços e olhou bem para o amigo, as veias do pescoço se estufando.
— Mas que bosta, vai todo mundo me acusar disso agora?!
Samuel segurou o impulso de rir.
— Estar apaixonado não é crime.
— Não é crime, mas te deixa prisioneiro de uma mulher só.
— Puxa, obrigado. — O homem falou dramático e Noah tentou consertar.
— Não me leve a mal, Samuel. A Ingrid é ótima. Mas você sabe que perde bastante coisa. — Ergueu o indicador. — E eu não estou incentivando nada errado aqui. Amo sua esposa como uma irmã. Só estou... comentando.
— Você está analisando sob uma perspectiva diferente, meu amigo. Eu não perdi. Eu ganhei. — Samuel suspirou, como um verdadeiro esposo apaixonado, e Noah revirou os olhos. — Mas o que estamos dizendo? Em tese, você também está comprometido com a Sabina Hidalgo.
Urrea fez uma careta.
— É mais uma estratégia de marketing. Ela faz bem para minha imagem, eu faço bem para a imagem dela... — o vocalista torceu o lábio, pensativo — bem, não tenho muita certeza desta última parte. Mas resumindo, todos saem contentes no final.
Samuel calculou a próxima jogada antes de dizer:
— Cara, acho que ela não deve entender assim. Ou não teria ido até sua casa tirar satisfação, nem se comportaria como uma megera na maior parte das vezes. Se não gosta dela, dê logo o fora.
A observação nada educada de Samuel sobre Hidalgo fez Urrea dar uma gargalhada longa. Era verdade, Sabina não passava de uma mulher fria e maquiavélica. Então nem se deu ao trabalho de defendê-la.
— Não, não é bem assim. Não dá. A assessoria de impressa diz que não pegaria bem para a minha imagem.
O baixista bufou.
— Que imagem, Urrea? Astros do rock não tem que se preocupar com imagem! Quanto mais bad boy, melhor. — Samuel fez uma ressalva depois que o amigo cruzou os braços e riu. — Com exceção do baixista pai de família, claro.
— A verdade, Samuel... é que a Sabina não é do tipo que aceita bem um término. — O vocalista suspirou e Samuel o encarou, confuso.
— Qual é? Você tem medo dela, Noah?
Ao que Urrea respondeu ao colega com outra pergunta:
— Sabe o que eu ouvi da boca da própria Sabina? Que ela inventou todo aquele boato envolvendo a atriz Tess Gardner sobre drogas e dormir com diretores para conseguir papéis. E só porque a garota começou a namorar um ex dela. O boato destruiu a carreira da Gardner, mas Sabina entende isso como justiça. Então você me pergunta se eu tenho medo. É. Talvez um pouco. A Hidalgo é influente. E não hesita em usar isso para o mal.
Samuel puxou o ar.
— Caramba. Ela deve ser uma sociopata. Li em algum lugar que eles são ótimos atores. — Se Urrea não estivesse olhando a reação do amigo diria que ele estava brincado, mas o semblante do baixista permaneceu sério. — E acho que você ainda quer ter uma vida longa e feliz... talvez ao lado desta Sina quem sabe...
Uma garçonete com maquiagem carregada deixou-lhes mais duas cervejas antes de sair mascando uma goma de mascar ruidosamente.
— Não, não. Se eu largar a Sabina, não vou me envolver com ninguém. O mundo ainda tem muita distração, se é que você me entende. — Noah piscou sugestivamente e Samuel devolveu-lhe um olhar complacente.
— Você sabe que existem outras coisas além da conjunção carnal, certo? Tipo: assistir filmes com a pessoa amada, passear de mãos dadas...
— Ah sim, Dr. Samuel, PhD. em relacionamentos, eu sei. E já te adianto, não caio nessa. — O vocalista esboçou uma careta quando experimentou a cerveja que não estava tão gelada quanto gostaria. — Como você mesmo disse, "perspectivas diferentes", meu amigo.
— Então só me explica algo. Se, de acordo com sua teoria hedonista de que o mundo tem distrações suficientes para te entreter até sua próxima reencarnação, por que você ficou com a Sina novamente, hum? É algum caso de sexo incrível demais que autoriza uma exceção a sua regra?
Noah ficou sem saber o que dizer. Samuel reparou:
— E aí?
— Ainda não sei se ela é uma exceção.
— Como assim?
— Ainda não teve sexo.
Samuel demorou um tempo maior do que o calculado por Noah para quebrar o silêncio. E quando abriu a boca, o baixista riu para valer.
— Quê?! O que andaram fazendo então?! Palavras cruzadas?
Noah correu a mão pelo rosto e suspirou. Sabia que estava dando a Samuel Victoria conteúdo suficiente para ser zoado pela próxima década.
— Apenas... conversamos.
Aquilo foi o bastante para fazer Samuel deixar o taco de sinuca de lado.
— Ah, então gosta de conhecer suas garotas "de uma noite só" mais profundamente? Saber se vocês têm afinidade antes de foder? Rá. Essa é nova. E contraria sua tese.
O vocalista revirou os olhos.
— Não é isso, seu idiota. — Noah deu uma olhada rápida para os lados, a pessoa mais próxima era a garçonete, distraída com a reprise de um filme passando no televisor. Mesmo assim, Urrea baixou o tom de voz até quase virar um sussurro. — A garota era virgem. Eu não achei que fosse certo ficar com ela e depois sumir.
O baixista alisou o cavanhaque e ficou encarando, surpreso.
— Vejam só. Noah Urrea tem princípios. — Então franziu o cenho. — Ok. Vamos fingir que isso explica, mais ou menos, o motivo de não ficar com ela na primeira noite, porque sumir nunca é legal, seja a garota inexperiente ou não. Mas e em Denver?
— Foram alguns meses depois, achei que tivesse uma chance dela já ter conhecido alguém e... eu não ter essa responsabilidade toda. — Urrea se explicou. — Além do mais, ela acabou bebendo um pouco além da conta e precisei bancar a babá.
Samuel pausou o polegar no queixo e fez cara de Sherlock Holmes.
— Bem, vocês conversaram, cuidou dela quando a garota tomou um porre... Engraçado, parecem coisas de quem realmente se importa. O que você está tramando? Algum teste de resistência?
Urrea expirou, irritado.
— Porra, Samuel. Talvez por essa garota em particular eu esteja um pouco mais interessado. Satisfeito? Podemos jogar agora?
— Rá! Então você assume que está caindo em contradição, amigo!
Noah manteve o olhar fixo no jogo, mais para não dar o braço a torcer do que calcular um novo lance. Samuel continuou:
— Vai encontrá-la de novo?
O vocalista franziu o cenho.
— Ela ficou com uma coisa minha, preciso pegar de volta.
— É mesmo? O que ela ficou?
— Minha corrente de prata.
— Aquela que você nunca tira em hipótese nenhuma?
Urrea preferiu não ver o olhar que o amigo seguramente estava lhe lançando naquele momento. Acenou com a cabeça e concordou.
— Hum... — Samuel limitou-se a dizer. Uma palavrinha tão curta, mas que soou de um jeito demasiadamente longo.
— Que foi?
— Nada.
— Fala logo, Samuel.
— Parece que essa garota te acertou de jeito. Igual a este strike que eu vou fazer... agora. — o baixista comemorou. Finalizara a segunda rodada.
— Ah, droga — Noah resmungou — hoje estou sem sorte.
— Talvez seja a falta do colar. Ou então foi a tal Sina que tirou totalmente a sua concentração.
— Rá-rá.
— Mas sabe o que dizem, azar no jogo...
— Nem começa.
Samuel deu uma risada demorada. Em seguida disse:
— Tá, tá. Mas sabe o que seria o certo? Você ligar para essa garota o mais rápido possível, só para pegar o colar de volta. Afinal, é seu talismã da sorte. Vai que você pega uma faringite ou tropeça na caixa de retorno no próximo show.
— Só pra isso, não é? — O vocalista falou cheio de ironia.
— Só pra isso. Mas claro, você poderia chamar ela para ficar uns dias... levá-la lá em casa para conhecer a Ingrid. Para não fazer a moça vir à toa para cá, pobrezinha.
— E mais nada.
— É.
Noah fitou a televisão ao longe. Na tela, o casal do dramalhão acabava de trocar um beijo apaixonado.
Num repente, virou o resto da garrafa. Foi até Samuel e deu-lhe um tapinha nas costas.
— A cerveja é por sua conta hoje, amigo.
Samuel o encarou sem entender.
— Ok. Mas e o jogo? Aonde você vai?
Ao que Noah respondeu, com o indicador levantado, a fim de redobrar o aviso:
— Dessa vez, e só dessa vez, vou seguir seu conselho. E dar um jeito de pegar meu colar de volta.

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