two.

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— Como é mesmo o seu nome?
O recepcionista do hotel a analisou com desconfiança, mas ela achou compreensível. O cabelo preso já teve dias melhores. A calça jeans desbotada também não lhe conferiria a melhor das aparências. Era uma mochila surrada que pendia do seu ombro, não uma Louis Vitton sofisticada. Nada nela combinava com aquele recinto: um hotel classificado com cinco estrelas quando na verdade merecia uma constelação inteira.
— É Sina Deinert. — Repetiu, forçando um sorriso.
— Certo... Encontrei sua reserva. — O homem falou polido, sem tirar os olhos da tela do computador. — Queira nos desculpar por dificultar sua entrada, mas chegamos a pensar que era uma das fãs da banda.
— Sem problemas. — Sina falou, o timbre amigável. Fingiu não se importar por quase ter sido derrubada pelo segurança troglodita do hotel. Não queria fazer uma cena, não perto daquelas madames de cabelos impecáveis e sapatos que valiam mais do que pagava sua bolsa de estudos anualmente.
Lá fora, os seguranças ainda tentavam conter a multidão de garotas e rapazes que ameaçavam invadir o lugar. Eles seguravam pôsteres e capas de CDs contra o peito. Alguns gritavam compulsivamente.
— Aqui está seu cartão senhorita Deinert. O quarto fica no sétimo andar. O café é servido entre seis e dez e meia. Bagagem?
A mão do recepcionista aguardou a poucos centímetros da campanhinha por uma resposta. Tinha unhas incrivelmente polidas para um homem. Em outro ponto da recepção, o mensageiro virou o rosto, em alerta. Era um garoto jovem e usava luvas. Sina achava que só nos filmes eles se vestiam daquela maneira.
— Só essa. — Com um olhar rápido, a garota indicou a mochila. — Mas eu mesma levo, obrigada.
Já era uma piada ela estar naquele saguão que poderia refletir sua áurea de tão brilhante. A piada seria ainda maior se a sua mochila subisse para o quarto em um carregador de malas dourado.
Não mesmo. Melhor evitar.
O recepcionista voltou a mão para trás do balcão e sorriu, os olhos se estreitando por trás de lentes bifocais numa armação arredondada:
— Desejamos uma excelente estada.
Carregava poucas roupas para os dois dias em Praga. Só peças coringas conforme as orientações de um blog para mochileiros. Camisetas de cores sóbrias: uma combinação sensata para os dois pares de calças jeans, um moletom folgado (que agora já estava saindo dos braços e indo direto para o chão encarpetado do quarto). Botas Timberland, além dos Converse nos seus pés. Também havia um nécessaire cheio de maquiagem para quando toda aquela história de praticidade começasse a dar no saco.
Deixou a bagagem num canto do quarto. Suas costas agradeceram. Ela fez uma ceninha antes de acender as luzes. Queria ter certeza de que o interior era tão pomposo quanto sugeriam as fotos do Booking.
Não, era muito melhor do que esperava.
— Caramba, não acredito que fiz essa loucura. — Disse sozinha, mas se perdoando. Afinal, era só uma noite. O preço estava convidativo, uma promoção de última hora. E ela havia economizado tanto naqueles hostels de banheiros coletivos que entendeu a extravagância como uma boa aplicação, um tipo de investimento. Seu corpo todo concordou quando os membros deslizaram pelo lençol acetinado da cama.
Bem... Só se vive uma vez.
Tinha todo o dia pela frente, livre de compromissos do Mestrado. E não queria saber de mais museus, nem de igrejas. Tudo o que queria era conforto. Ficar estirada na cama até que outra ideia surgisse, parecia a melhor opção.
A ideia surgiu quatro horas depois.
Ela se levantou ainda grogue. Abriu as persianas e encontrou uma vista de tirar o fôlego. Como uma das daquelas telas que vira mais cedo no museu. As luzes dos postes cintilavam contra um crepúsculo púrpuro. Abaixo, na portaria do hotel, encarou a multidão que parecia ter triplicado. Não entendia porque algumas pessoas ferravam os pés e as panturrilhas só para ter um vislumbre rápido de celebridades. Seus ídolos eram Newton, Gauss e Turing. Todos matemáticos, todos mortos, e que, definitivamente, contribuíram muito mais para a humanidade do que cantores de rock sonhariam fazer. Revirou os olhos antes de deixar a persiana escorregar deliberadamente das mãos e foi procurar algo para comer.
Na parte da frente da mochila havia um pacote de Doritos pela metade. Retirou uma Coca-cola no frigobar. Se a mãe estivesse ali, a janta improvisada viria acompanhada de um sermão sobre bons hábitos alimentares. Os Doritos ainda estavam crocantes. Benditos aditivos químicos. Ela já havia quase terminando o pacotinho quando seus olhos encontraram a carta de opções do hotel, ao acaso.
O Hotel Maxence agradece a preferência. Para fazer de sua estada confortável e inesquecível, dispomos de uma sala de ginástica, sala de convivência além de sauna e piscina aquecida...
Piscina aquecida.
As palavras dançaram rente suas vistas. Seus músculos cansados das longas caminhadas pelas ruas íngremes de Praga estirando-se na água quente...
Suspirou baixinho. Quase podia sentir suas pernas implorarem por aquilo. E já estava incluso na diária. Então para que pensar duas vezes?

Don't Talk To Paparazzi - noart adaptation Onde histórias criam vida. Descubra agora