fiveteen.

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Pessoas comuns tinham um carro na garagem para atender toda a família. Músicos da Chump Change tinham um carro para cada dia da semana sem famílias para atender. Sina não entendia muito bem de automóveis, mas podia dizer com certeza que os dois restaurados eram relíquias. James Dean deve ter dirigido uma daquelas belezinhas num de seus filmes, o banco traseiro do outro, pode muito bem ter servido de cenário para que Elvis e Priscilla Presley fizessem seus bebês. Também havia os modelos modernos de pura ostentação: muitos milhões em quatro rodas.
— Puxa, e eu colecionando papel de cartas. — Sina disse, extasiada. Nunca iria entender essa coisa de garotos e carros.
— Têm mais alguns na casa em Hamptons.
— Rá. Sabia que você escondia os outros em algum lugar. — Ela caçoou. — Eu deduzi que cinco não seriam o suficiente para uma pessoa só.
Noah ficou sem graça.
— Não quis ser arrogante... É que eu gosto muito de carros.
— Não foi arrogante. Eu só estou brincando. — Levando em consideração o fato de ter um tigre morando naquela casa, aquilo realmente era muito natural para um jovem sem limite de conta bancária. — Vai fazer "uni duni tê" para saber qual deles vai ser? — Ela não resistiu.
— Já está escolhido. — Noah a encarou de um jeito demasiadamente longo. Deus... Se ele soubesse o que aqueles olhares causavam no corpo dela, os usaria com mais moderação. Ou não. — Que bom que optou por calça jeans.
Antes que ela perguntasse qual a relação entre roupas e passeios de carro, Urrea entregou-lhe um capacete.
— Moto? Sério? — Ela ergueu as sobrancelhas.
— Por quê? Tem medo?
— Nunca andei.
O vocalista deu um sorrisinho sórdido.
— Que bom que essa primeira vez eu serei capaz de atender sem nenhum peso na consciência.
A garota revirou os olhos.
— Você tem medo de aviões, mas anda de motos. Bem incoerente.
— Não dá para comparar. Aqui sou eu quem piloto e não estou a trinta mil pés de altura.
— Matematicamente falando, você estaria mais seguro a trinta mil pés do que dirigindo esta lápide antecipada.
Ele bufou uma risada. Ajudou-a afivelar o capacete depois deu duas batidinhas na proteção acrílica:
— Pode confiar em mim que não vou te deixar cair, ok?
Sina sentiu o efeito da ansiedade nas mãos molhadas de suor, mesmo assim, respondeu:
— Tudo bem.
A moto era uma BMW branca e de cara tinha uma vantagem sobre suas concorrentes de garagem: a proximidade que Sina teria do piloto. Poderia envolver os braços pelo abdômen do motorista sem ter que ficar constrangida. A jaqueta de couro cumpria bem a função de protegê-la do ar frio ao entorno, além do fato de ter o cheiro de Urrea imbuído na peça: um deleite para seus sentidos. Com o rosto recostado no ombro dele, ela disse:
— Deus! Isso é bom!
— Não é?
Estavam gritando um com o outro: culpa da péssima acústica que motos têm pelo simples fato de serem motos.
— Se meu pai souber que eu estou andando de moto...
— Se seu pai soubesse os pensamentos impuros que eu tenho a respeito da filha dele, essa seria a menor das suas preocupações esta noite.
Oh. Noah Urrea era um filho da mãe contraditório que faria com que a garota tivesse uma overdose de estrogênio. Sina segurou mais forte o abdômen de aço do rapaz, para não cair. Só por precaução. Realmente não teve nada a ver com o calor que ela sentiu próximo a pelve. Não mesmo.
— Você gosta disso, não é? — Ele perguntou malicioso.
— Do quê?
— De ficar passando a mão pelo meu corpo.
— Não é como se eu tivesse muita escolha. — Sina rebateu.
— Ah, você tem. Poderia deixá-las bem comportadas em um só ponto.
— Ok. — Ela o fez.
O homem protestou:
— Ei, não estou pedindo para deixar de fazer o que estava fazendo.
— Então você quer que eu continue? Quer que eu o atice e depois pare? — Ele não respondeu. E ali estava uma ótima aplicação do ditado "quem cala, consente." — Tudo bem.
A garota apertou mais forte, subindo até o tórax dele. Era como uma armadura de músculos. Cristo. Aquele homem era perfeito e ela não se cansaria disso nunca. Que ilusão tola a de Noah pensar que ela o esqueceria assim tão facilmente. Não era como se paixão fosse água saindo de uma torneira e bastasse fechar para que deixasse de brotar.
Em seguida, Sina criou coragem para descer uma das mãos até um ponto por cima do jeans do rapaz.
— Quer começar um problema aí? — Ele protestou, mas sua voz arrastada não convenceu.
— Eu gostaria... — Sina respondeu em provocação.
— Resposta errada, criança levada.
— Se isso fizer você esquecer toda essa história de paternalismo comigo e manutenção da minha pureza, eu vou adorar bancar a levada.
Pararam num sinal vermelho. Então Noah pressionou a mão da garota contra a sua ereção e Sina sentiu o "problema" na fase mais crítica.
— Satisfeita? — Ele perguntou.
Céus. Definitivamente ela era uma criança, mas uma bem idiota que não sabia o que fazer naquela situação. Tirou a mão dali e riu como a boba que era.
Uma caminhonete estacionou ao lado deles. Se havia alguma dúvida a respeito do outro motorista ter visto ou não as "brincadeirinhas" entre os dois, ela se confirmou depois que o sinal abriu e eles ouviram as buzinadas rápidas antes do veículo sair.
— Merda. Isso vai demorar a passar. —Noah reclamou.
— Eu gostaria de dizer que eu sinto muito. Mas eu não sinto.
— Estamos indo para um ambiente familiar. Não vai ser legal eu chegar assim.
— Falta muito para chegar?
— Depois daquela esquina.
— Puxa...
Ele pestanejou algo antes de ter uma ideia:
— Fale alguma coisa broxante.
— Que tipo de coisa? — A garota perguntou ao mesmo tempo em que riu.
— Qualquer coisa.
— Hum... Posso falar sobre minha tese de Matemática.
Ela começou a falar.
— Não, não. Não está dando certo. — Urrea contestou. — Isso está me fazendo lembrar do seu traseiro naquele terninho que usou no congresso em Denver.
Sina apertou os olhos de vergonha.
— Ai, meu Deus... Eu sabia que aquele tailleur tinha sido uma escolha horrível.
O homem gargalhou.
— Foi uma escolha deliciosa. Mas não é só por isso que não está funcionando.
A garota aguardou ele complementar.
— É que quando você fala este tanto de coisa complexa, eu me dou conta do quanto é inteligente. E isso faz com que eu te admire ainda mais.
— Hum... — Um sorriso comprimiu as bochechas dela contra o capacete.
— Por consequência, me mantém excitado.
— Puxa... Obrigada. — O sorriso dela ficou ainda maior.
O rapaz ficou em silêncio, Sina continuou:
— Então... Acho que você pode imaginar seus pais transando. Em especial, a vez que conceberam você.
Noah resmungou bem alto.
— Cara! Isso não se fala!
Sina riu pra valer antes de perguntar:
— Mas funcionou?
— É traumático. Mas sim, funcionou.
— De nada.
O fim da rua dava acesso ao bairro Echo Park. Suas casas não eram tão majestosas ao estilo de Bel Air, mas ainda assim eram espetaculosas. Quando Noah desligou a moto, Sina suspirou, contrariada. Não se importaria de ter ficado abraçada a ele até o fim daquela noite. Só então percebeu que havia algo de errado com a casa. Tudo bem que ela tinha portas, janelas, um belo trabalho de fachada rústica e um jardim frontal a perder de vista. Mas era isso que era, uma casa.
— Eu disse que te levaria ao melhor restaurante de Los Angeles. E aqui está ele. — Noah falou enquanto a ajudava a descer da moto.
Sina procurou algum nome escrito na fachada, só para ter certeza.
— Não tem placa?
— É um restaurante bem exclusivo. Somos os únicos clientes da noite. Sem ninguém para atrapalhar.
O poder Noah Urrea de fazer o mundo dançar sua própria música.
— Nossa. Quando eu crescer, quero ser como você. — Ela disse e o rapaz sorriu em resposta, depois apontou para o rosto dela:
— Capacete.
— Ah, sim.
Urrea a ajudou. Sina ajeitou os cabelos e Noah focou na íris da garota. Ela sentiu seu sangue borbulhar.
— Pronta?
— Pronta.
A campainha era uma sequência de três notas melodiosas. Sina só notou os brinquedos no jardim da frente no instante em que a porta se abriu.
— Vocês chegaram! — Uma jovem de sorriso expansivo e cabelo trançado bateu as mãos com euforia. Nem o próprio Papai Noel em noite de 25 de dezembro deveria ser mais bem recebido. A mulher tinha belas sardinhas espalhadas pelo rosto. Bônus de ser ruiva natural. Ela continuou olhando para Sina, sorrindo. Sina fez o mesmo. Por entre as pernas da anfitriã, um garotinho de cabelos acobreados apareceu e apontou uma arma de brinquedo para Urrea:
— Bang! Bang!
O vocalista entrou na brincadeira. Colocou a mão no peito, gemeu e fez um giro dramático. Depois deu três passos largos e caiu deliberadamente sobre a grama fofa fingindo a própria morte. Sina ainda estava com os olhos arregalados: explicações e apresentações, por favor.
— Tio Noah, tio Noah! — O garotinho falou com a voz lamuriosa e linguinha presa de criança. — Pode viver de novo! Era mentirinha!
Urrea abriu um olho e esperou que ele se aproximasse, então pegou o garoto no colo e o girou no ar:
— Rá! Te peguei!
— Ai! Me põe no chão! — O menininho pediu, mas sua cara não era de quem estava achando ruim de verdade. Mesmo assim, Noah o fez, em seguida finalmente teve o bom senso de apresentar todos ali.
— Matt, Ingrid. Esta é minha amiga Sina. — Virando-se para sua convidada, repetiu o ato. — Sina, estes são Ingrid e Matthew, a bela esposa e o filho pentelho do Samuel.
Então era isso. O fabuloso destino deu um jeito de ser ainda mais generoso com a garota e ela estava prestes a conhecer outro pedacinho do Éden. Endereço: Samuel Victoria, baixista da Chump Change. Duas casas de celebridades em um só dia.
— Noah! Não fale essas palavras perto dele! — Ingrid tentou fazer com que sua voz suave de sininhos soasse intimidadora. — Não quero que ele aprenda outro palavrão.
— Ah, Ingrid. Ele nem ouviu... — Noah defendeu-se, mas foi antes de Matt começar a dar pulinhos ao redor do próprio corpo e cantarolar:
— Pentelho! Pentelho! Pentelho!
Ingrid revirou os olhos.
— Eu deveria proibir você de vir aqui, Noah.
— Você me ama, sardenta. — Urrea disse com segurança, os lábios curvados num sorriso convencido. Deu um beijo demorado no topo da cabeça de Ingrid, o mesmo tipo de beijo que dava em Sina depois de negar-lhe carinhos mais íntimos: fraternalismo típico.
— Correção: o Sam te ama, eu te aturo de tabela. — Ingrid riu e em seguida afastou-se da porta para que eles entrassem. — Venha, Sina, e por favor, não repare a bagunça.
Não estava bagunçado. Organização poderia ser o lema daquela residência. A casa tinha um estilo colonial e era fácil imaginar uma família feliz reunida ao redor da lareira em dias mais frios. O assoalho de madeira e os tons terrosos nas paredes também reforçavam a sensação de conforto que um lar deve ter. Assim como em Bel Air, nada de morcegos, oferendas ao diabo ou pentagramas invertidos. Sina estava ficando realmente desapontada com os astros do rock.
— E onde está o adorável homem que partilhamos? — Noah perguntou, brincando com a ponta da trança de Ingrid.
— Ajeitando as últimas coisas na cozinha. — A moça respondeu ao mesmo tempo em que girou a chave na maçaneta para trancá-la.
O vocalista esperou que ela se virasse, então com o cenho franzido, disse-lhe:
— Porr... —Noah não teve chance de terminar o palavrão antes de Ingrid dirigir-lhe um olhar matador. — "Porr...ta", Ingrid. Não me diga que você deixou o Sam cozinhar.
— Ele quis ajudar. Ficou muito feliz em saber que você traria uma amiga. — Ingrid olhou para Sina: belos olhos brilhantes. Era o tipo de olhar que a professora jamais se cansaria de receber. — Fez um verdadeiro banquete para vocês.
— Eu prometi à Sina trazê-la ao melhor restaurante de LA e você me apronta isso. — Urrea resmungou, ao que Ingrid riu e respondeu:
— Fizemos uns cursos juntos de culinária mediterrânea. Ele está melhorando.
— Está mesmo? —Noah duvidou.
— Está... — a ruiva confirmou, mas sem muita segurança na voz — só que não vamos ferir os sentimentos dele. Se não gostarem de alguma coisa, não digam nada e façam cara de que gostaram, certo?
Estava ali uma mulher que amava seu homem.
Samuel surgiu logo depois, o rapaz era um espetáculo com toda aquela ascendência italiana gritante nos traços. Ingrid a sortuda de ser a responsável pelo aro dourado na mão esquerda do baixista. Que feito: uma anônima conseguir se casar com um dos membros da Chump Change. Sina suspirou por dentro, desejando uma vida daquela ao lado do vocalista da banda.
— Hey! — Samuel secou as mãos em um avental. Ele e Noah cumprimentaram-se como os bons amigos que eram. Beleza masculina multiplicada na sala.
— Esta aqui é a...
Samuel não deixou Noah terminar a frase:
— Sina! — O baixista recebeu a professora com um abraço caloroso. Poderia ser impressão dela, mas Samuel e Ingrid pareciam amá-la antes mesmo de conhecê-la. — Que bom que você e o Noah reencontraram-se em Denver!
— Oi, Sam. — A garota sorriu. — Você se lembrou.
— Claro! Agora sim, sua cara está bem melhor! — O baixista disse e ela ficou vermelha. — Muito melhor do que aquele dia no Colorado.
— A carinha dela estava ruim, é? — Noah perguntou, interessado.
— Poxa! Parecia que a Sina tinha tomado a maior decepção de todas! — Samuel completou e senhor Noah Urrea sorriu malicioso, feliz por ser o causador daquilo. Como se fosse algum segredo o que a garota sentia por ele.
— Samuel, eu vou te matar na sua própria casa. — Sina brincou, suas bochechas queimando de vergonha.
— Amor, isso não se faz! É feio entregar uma garota assim. — Ingrid abraçou o marido e deu-lhe um selinho demorado. Oh... Se Sina tivesse um marido daqueles, também daria abraços sem avisos e o beijaria sempre que possível.
Em seguida a convidada sentiu o puxão na barra da calça: Matthew. O garotinho deu-lhe um sorriso expansivo tal qual o da mãe. Que fofura. Já tinha carinha de homem, a beleza dos progenitores bem expressada nos traços. Um futuro destruidor de corações.
— Você é namorada do tio Noah?
O jeitinho que ele falou aquilo era puro, tão puro que Sina teve vontade de sentar ao lado do menino de aproximadamente três anos e explicar sua problemática com o vocalista, mas certamente Ingrid não aprovaria. E por um instante, ninguém pareceu notar a conversa entre os dois mais novinhos da sala.
Sina apoiou-se nos joelhos e abaixou-se uns bons centímetros:
— Oi. Não, querido, sou amiga do tio Noah.
O garotinho puxou a manga da camisa xadrez de botões. Adorável mania dos pais de vestirem suas crianças como adultos em miniatura.
— Papai disse que o tio Noah gosta de você.
— Falou?
— Ahãm. Você e o tio Noah vão se casar? Como papai e mamãe?
Sina ficou olhando o garoto sem saber o que dizer. Quem disse que as piores perguntas feitas por crianças são as que dizem respeito à origem dos bebês, nunca passou por uma situação parecida com aquela.
Ingrid apareceu de repente.
— Ei, filho, está conhecendo a amiga do tio Noah, é? Achou ela legal?
O garotinho respondeu com um aceno de cabeça bem demorado enquanto olhava a convidada, depois ficou com vergonha e escondeu o rosto atrás das pernas da mãe. Sina sorriu, repassando as coisas que ele disse. Tudo bem que crianças fantasiavam. Elas transformam pessoas legais em fadas madrinhas, gente chata em bruxas e juram que o bicho papão se esconde dentro do armário. Mas Matt realmente parecia ter informações especiais.
Samuel surgiu retirando a garota dos seus próprios pensamentos.
— Sina, eu não sei o que o Noah te disse, mas posso garantir que você está prestes a comer a melhor refeição da sua vida.
A sala de estar sugeria que a família gostava de receber amigos com frequência. Muitas pessoas, provavelmente. Ingrid não estava exagerando quando disse que eles preparavam um banquete. Comida e mais comida estendia-se de uma ponta a outra da mesa. O astro da noite: um cordeiro saboroso temperado com ervas finas. Culinária mediterrânea enchia os olhos e era uma ótima distração. Faria bem para o corpo de Sina ocupar-se de outra coisa que não fosse pensar em Noah, só para variar.
Mesmo com cadeiras suficientes, os anfitriões sentaram-se próximos. Matt logo ao lado da mãe. Sina e Noah na parte oposta, também um ao lado do outro, tão perto que ela pôde senti-lo esbarrar na sua perna algumas vezes.
— Então, Sina, o Noah disse para o Sam que você é formada em Matemática. — Ingrid falou depois de sorver um pouco de vinho Pinot Noir: uma harmonização perfeita para o prato da noite, segundo Samuel.
— Sou sim.
— Nossa, tão novinha! E ele também disse que você já leciona, é verdade?
Samuel pigarreou e olhou para a esposa:
— Querida, isso é tudo mentira, o Noah não falou tanta coisa sobre a Sina assim. Aliás, ele não contou nadinha a respeito dela.
— Ah, é verdade, ele não disse nada. — Ingrid sorriu em conluio com o esposo.
Sina olhou de soslaio para o vocalista, seu pé cutucando propositalmente a bota militar dele.
— Então você fala de mim para seus amigos?
— Só o essencial para estabelecer um pré-diálogo. — Ele deu de ombros, sem tirar os olhos do prato e Sina fingiu acreditar antes de virar-se novamente para o casal:
— Bem, sou formada em Matemática, estou terminando um Mestrado e também leciono em escolas públicas.
— Crianças? — Ingrid perguntou.
— Adolescentes. — Sina respondeu e a ruiva ficou ainda mais admirada.
— Puxa. Que garota ótima você arrumou, Noah.
Tão logo disse a frase, Ingrid olhou para o esposo. Não trocaram nenhuma palavra. Até nisso eram perfeitos. O típico casal que conversa pelo olhar.
— Sim, Ingrid. A Sina é uma ótima amiga. —Noah fez questão de ressaltar. Então deu uma piscadinha para a garota. E ela devolveu-lhe um sorriso, mais cordial do que feliz.
— E você, Ingrid? Fale-me mais sobre sua vida. — Sina perguntou de uma forma que não soasse indelicado caso a mulher não trabalhasse fora e limitasse-se a ser esposa de um músico milionário. O que de fato, seria totalmente compreensivo.
— Péssimo assunto para à hora da janta. — Noah falou debochado e Sina ficou sem entender.
— O quê? Eu falei algo errado? — A garota perguntou, meio que constrangida.
Samuel e Ingrid riram. Na verdade Ingrid mais implicou Noah do que riu antes de dizer:
— Não falou nada errado, Sina. Eu administro um cemitério. Noah acha meus interesses muito fúnebres.
Os olhos de Sina brilharam.
— Sério? Eu sou apaixonada por cemitérios!
Noah lançou um olhar descrente para a garota. O de Ingrid foi mais motivador.
— Ouviu isso, Noah? — Samuel falou. — A Sina também gosta de cemitérios. Será que nós músicos da Chump Change só atraímos mulheres excêntricas?
— Acho que músicos atraem todo tipo de mulher, por isso você escolheu a mais interessante delas. — Ingrid antecipou a resposta e Samuel colou os lábios nos da esposa.
— Não tenho como discordar disso. — Depois o baixista virou-se para os convidados. — Estão gostando da comida?
— Deliciosa. Você não estava exagerando quando disse que seria a melhor comida do mundo. — Sina confirmou e o anfitrião ficou todo orgulhoso.
— Realmente está perfeita, Sam. —Noah concordou. — Nem vai ser preciso mentir pra te agradar conforme Ingrid orientou assim que chegamos.
Sina riu e Ingrid quase engasgou com um pedaço de carne. Depois de instaurar um pequeno pandemônio na mesa, Noah tratou de mudar de assunto:
— Ei, garota prodígio. — O vocalista lançou um olhar acusador para a comida de Sina. — Não estou vendo verduras no seu prato.
— Ah, sempre me esqueço de colocar.
Urrea enrugou as sobrancelhas e disse com uma entonação que variava entre brincadeira e censura:
— Preciso ter uma conversa séria com a sua mãe, Sina.
Samuel não deixou aquilo escapar.
— Noah, você está preocupado com a alimentação dela? — O baixista perguntou com um sorriso torto, o que se formou no rosto da ruiva ao seu lado, não muito diferente. — É uma amizade muito bonita a de vocês.
Noah ficou visivelmente constrangido.
— A Sina come muita besteira, eu só fiz uma observação. Ei, Matt. — O garotinho levantou o rosto bem rápido. Olhinhos acobreados e curiosos na direção do vocalista. — Conte para a tia Sina a importância de comer vegetais.
Matthew tratou logo de dizer, com a boca cheia mesmo:
— Mamãe falou que eu tenho que comer os vegetais pra ficar forte.
Ingrid fez cara de mãe orgulhosa.
— Own, filho! Mamãe disse isso mesmo, mas engula a comida antes de conversar, mamãe também já lhe pediu. Lembra?
— Você não come os vegetais, tia Sina? — Matthew perguntou.
— Ah, eu... Vou comer. — Ela respondeu, envergonhada. Ótimo. Uma criança estava lhe dando lições de moral sobre alimentação saudável. Logo ela passaria a ser considerada mau exemplo e banida da casa.
— Posso te dar meus bróquis pra você também ficar forte. — Matt ofereceu.
— Querido, não precisa. Tem muito brócolis para a tia Sina se servir. — Ingrid corrigiu.
— Você quer fazer mais alguma pergunta para a tia Sina, Matt? — Samuel perguntou e estrategicamente levou mais uma garfada à boca enquanto encarava o vocalista de um jeito cômico.
O menininho fez um aceno rápido de cabeça. Ingrid correu os dedos pela sua trança de princesa medieval e sorveu mais vinho, disfarçando.
A expressão de Noah tornou-se preocupada e alerta:
— Samuel, Samuel... O que você está aprontando, hum?
O baixista ignorou o amigo e falou para o filho, sem se deixar intimidar:
— Pode perguntar, Matt.
Ao que Matthew disse:
—Tio Noah, você deixa a tia Sina ver minha coleção de dinossauros?
Gargalhadas de Ingrid e um suspiro de alívio de Urrea. Já Sam fez um olhar decepcionado. Parece que não era isso que o baixista tinha em mente. Sina imaginou pai e filho ensaiando à exaustão alguma pergunta para deixar o "Tio Noah" sem graça. Uma pena.
Depois do jantar, Samuel e Urrea serviram-se de doses de Bourbon e foram tratar de trabalho no estúdio. Boa música repercutiu pela casa. Sina seguiu Ingrid por um corredor decorado com discos de platina até o quarto de Matt. Lá viu a coleção de dinossauros do garoto (e aprendeu que um simpático T-Rex de pelúcia era o seu favorito). Ingrid então colocou o filho na cama, deixando acesa uma luminária que criou sombras de estrelas e planetas na parede.
Em seguida as duas foram até a varanda, Sina ficou encantada com as árvores aparadas em formas geométricas que contornavam a piscina. Toda aquela beleza a deixaria mal acostumada quando voltasse a Alemanha.
— Finalmente! Momento das garotas! — Ingrid sorriu daquele jeito largo. A mulher deveria registrar o gesto e cobrar royalties toda vez que outras pessoas tentassem copiá-lo. Abriu uma garrafa nova de vinho e serviu duas taças.
— Obrigada. — Sina retribuiu o sorriso expansivo.
— Então, está gostando de Los Angeles?
— Não conheci muito além do limite da casa do Noah, mas estou sim.
— Ah, não! Você não foi à calçada da fama? Ele precisa levá-la lá. Oh, bem... Mas não seria muito inteligente Noah caminhar por aí, você sabe. Multidões.
— É verdade. — Sina riu — mas não tem problema. Já fico mais do que satisfeita por ter sido convidada para o jantar maravilhoso desta noite. Aposto que a calçada da fama não ganha disso.
— Oh, Sina. Que gentileza.
Ingrid desfez e refez parte da trança, os olhos azuis tenros. Se não fosse o anel de diamante gigantesco no dedo esquerdo, a ruiva com vestido simples e sandálias de dedo poderia muito bem ser confundida com uma adorável garota comum.
— Sabe, é a primeira vez que o Noah traz alguém aqui. — Ingrid confessou baixo, como se uma terceira pessoa pudesse escutá-las. — E a forma que olha para você... Eu nunca o vi olhar daquele jeito para ninguém antes.
Algo se agitou no peito de Sina. Possivelmente esperança. Mas a sensação logo se desfez quando a garota lembrou-se da conversa que teve com o astro mais cedo.
— Que gentil, Ingrid. Mas não deve ser mais do que impressão. Noah já deixou claro que somos apenas amigos. Com vantagens, segundo ele. — Finalizou esboçando um suspiro bem longo e revirando os olhos.
Sininhos ressoaram da boca de Ingrid, uma gargalhada sutil.
— Sina, eu conheço o Noah há muito tempo. Você não é só uma amiga, pode ter certeza. E ele sabe disso, é por isso que está com medo.
Agora a expressão da professora era de curiosidade.
— Medo?
— Sim, afinal, não deve ser fácil para o homem deixar toda uma vida de ostentação para assumir alguém. — A mulher deu um sorrisinho debochado para os próprios pés.
Fazia sentido.
— Hum... Como aconteceu entre você e o Samuel?
Os olhos de Ingrid foram a algum lugar do passado, nostálgicos.
— Nossa... Uma conturbada relação de altos e baixos. Os meninos ainda não eram famosos. E eu, uma adolescente, ia com algumas amigas ouvi-los tocar nas garagens das casas. Levávamos cervejas. Samuel começou a me dar lições de moral sobre boas companhias e bebidas. — O rosto da ruiva se iluminou. — Ele sempre foi o mais certinho deles.
— Vocês formam um casal incrível.
— Obrigada.
Ficaram em silêncio por alguns instantes, os lábios curvados enquanto o paladar desfrutava do vinho caro. Daquela vez, Sina apreciou com moderação. Tempo depois, Ingrid falou:
— Você gostaria de ser mais do que uma amiga para ele, não gostaria?
Sina sorriu lúgubre, olhos fixos nas ondas da piscina que se movimentavam devagar e refletiam o brilho da lua.
— Acho que seria muita pretensão para uma garota como eu.
Ingrid ofereceu-lhe um sorriso complacente.
— Sou uma garota como você.
— Bem, mas...
— Olha só, acho que tenho uma ideia.

*

A volta para o castelo (que Noah tinha a modéstia de chamar de casa), foi sem mãos bobas devido a estômagos cheios. Na colina que dava acesso à residência, a temperatura parecia ter diminuído uns bons graus.
— Você e a Ingrid conversaram muito. — Noah disse enquanto aguardava a abertura do portão. Sina notou uma luz acendendo-se na casa dos funcionários depois que o rapaz entrou com a moto.
— Ah, sim. Ela é muito legal.
— Falaram mal dos homens? — O músico perguntou, satírico.
— Rá. Não dispúnhamos de tanto tempo assim. — Sina implicou de volta, para logo depois dizer como quem não quer nada. — Na verdade, a Ingrid me chamou para fazer algumas coisas amanhã.
— É? Fazer o que especificamente?
— Coisas de garota. Ela quer me mostrar o cemitério, a calçada da fama e outras coisas.
— Cemitério, hum? Coisas de Ingrid, você quis dizer.
Após estacionar, Noah desceu da moto e ajudou Sina a fazer o mesmo. A professora sorriu enquanto o rapaz desabotoava-lhe o capacete.
— Ela também me convidou para sair à noite. É a despedida de solteira de uma amiga dela.
Por trás da proteção acrílica, o vocalista cerrou as sobrancelhas.
— E você quer ir?
— Seria legal sair para dançar um pouco.
Sina notou a contração nos lábios dele depois que Noah retirou o capacete.
— Achei que ficaríamos mais tempo juntos. — Ele falou claramente chateado. A garota não se abalou:
— Achei que sua intérprete teria direito a um dia de folga para conhecer Los Angeles.
Urrea cerrou ainda mais o cenho.
— Hum. Onde é essa tal despedida de solteiro especificamente?
— Ah, o nome era... — parou, pensativa — The Black alguma coisa.
—The Black Sheep? — Olhos verdes encararam-na estarrecidos.
— É. Isso.
— O Black Sheep não é ambiente para você, Sina. Aliás, nem para a Ingrid. O Samuel sabe disso?
Ela o olhou com interesse:
— Provavelmente, apesar de que estamos no século XXI e minhas ancestrais já queimaram os sutiãs há um tempo, então acho que isso é algo que a Ingrid pode decidir sozinha. Mas só por curiosidade, por que lá não é ambiente?
— As pessoas vão lá para paquerar. — Noah respondeu como se aquilo fosse o maior dos pecados capitais. Sina revirou os olhos e sorriu torto.
— Ah, acho que o anel na mão esquerda de Ingrid é grande demais para alguém ousar se aproximar.
— Sim, mas e você? Não tem nenhum anel no seu dedo para afastar os homens. — O timbre do vocalista foi de puro descontentamento.
A garota fez um movimento rápido de sobrancelhas:
— Eu não preciso afastar nenhum homem de mim.
— O que disse? — O homem contraiu o maxilar mais um pouco. Foi pego de surpresa.
— Eu sou solteira, Noah.
Alguns segundos de silêncio, quebrados pelo tom desgostoso do vocalista:
— Sim, você é.
— E você já deixou claro que somos amigos e que não passará disso.
Urrea não respondeu de imediato. Abriu a casa e Sina o acompanhou: passos comedidos pela arquitetura de tons frios. Ela esperou que Noah fosse continuar contra-argumentando, entretanto, o rapaz limitou-se a dizer:
— Tem razão. Você é livre para fazer o que quiser. Divirta-se amanhã.
Mas o sorriso que ele esboçou ao final da frase não a convenceu.
— Obrigada. Boa noite.
Ela entrou no quarto de hóspedes, o papel de parede carmim saltou aos seus olhos como brasa queimando. Ouviu a porta ao fim do corredor ser fechada tempo depois. Não teve o uso de nenhuma força desnecessária.
E amanhã, era melhor que a segunda parte do plano de Ingrid também funcionasse.

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