twelve.

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O cansaço fez com que Urrea mantivesse o rosto afundado no travesseiro em protesto à claridade matinal. Cada parte do seu corpo doía absurdamente. Que raios haviam acontecido noite passada? Pelo visto, nada importante o bastante que valesse o esforço da sua mente em branco. Então de repente sentiu os lábios que se empenhavam num lugar curioso do seu corpo. Cacete. Aquilo era muito melhor do que receber café da manhã na cama e ele precisava dar o braço a torcer. Abriu os olhos e encarou por baixo dos lençóis. Seu coração disparou.
— Sina? — Noah falou ainda grogue de sono e do que seria efeito rebote de muito álcool na noite anterior. A garota parou imediatamente o que estava fazendo. A face surgiu depois que afastou camadas de lençóis e fios de cabelos castanhos. Um rosto que ele não reconheceu.
— É Tiffany! — A menina exclamou magoada e o olhar revelou a mais profunda decepção.
Noah esforçou-se para resgatar aqueles traços de alguma memória recente. Ela tinha olhos azuis, brilhantes como faróis. Do tipo que não são fáceis de esquecer.
— Ah. Tiffany. Desculpe. — Ele disse. Percebeu que estava no seu quarto em Los Angeles, apesar de não ter a mínima ideia de como chegara ali. — Acho que bebi um pouco além da conta.
A garota sorriu, belos incisivos centrais destacando como pastilhas de menta na boca. Perdoou fácil, fácil.
— Verdade! Você estava muito bêbado ontem! — Ela entrelaçou as pernas e balançou os pezinhos delicados no ar. — Foi uma boa festa.
— É... foi. — Ele cerrou as sobrancelhas e sentiu uma pontada no lugar onde deveria estar seu fígado. — Pode refrescar minha memória? Onde foi que nos conhecemos?
A garota endireitou-se na cama e aninhou o rosto no ombro dele: lindos seios. Mais um motivo para não ser esquecida.
— Aqui na sua casa! Na festa que o Ryan deu! Ele nos apresentou... — Tiffany piscou os cílios, esperançosa. — Sou amiga dele, lembra?
O vocalista suspirou. Claro que Ryan aproveitar-se-ia do fato de Noah não estar em casa para fazer uma festa. Típico do guitarrista.
— Ahãm... — Urrea mentiu com um sorriso dissimulado e o rosto da garota se iluminou. — Puxa. Nós dois... foi incrível noite passada.
Tiffany o abraçou e ficou toda de sorrisinho para ele. Noah sentiu o perfume dela, adocicado ao extremo, remetia a uma loja de doce.
— Que dia da semana é hoje, Tiffany?
— Domingo.
Sua mente resolveu pegar no tranco e as peças começaram a encaixar-se. Chegara de Denver a noite anterior, cansado, e encontrou a casa infestada de pessoas que nunca tinha visto: modelos iniciantes que sonham em ascender às passarelas das maiores grifes, figurões de filmes lado B, e mais todo tipo de gente bonita e alternativa que Ryan adorava colecionar. "Amigos", dizia ele, mas o guitarrista mal sabia apontar-lhes os nomes.
E agora Noah estava naquela situação que odiava: com uma garota desconhecida que provavelmente se enquadrava na categoria "recém-chegada-a-Los-Angeles-para-ser-atriz-mas-que-logo-estará-dançando-em-casas-noturnas-com-notas-de-cinquenta-enfiadas-no-traseiro". Sabia que o próximo passo seria Tiffany exigir um pouco de romantismo, depois perguntaria se ele ligaria no outro dia e etcétera e etcétera e etcétera. Precisava dispensá-la. Rápido. E mesmo que já tivesse passado por isso um sem número de vezes, ainda se sentia pouco a vontade para fazê-lo.
Ouviu a voz carregada de sotaque espanhol preceder três batidinhas polidas na porta:
— Senhor Urrea?
Salvo pelo gongo.
— Pode entrar, Eva.
A garota Tiffany escondeu-se entre os lençóis acetinados quando a senhora apontou o rosto para dentro do quarto.
— Desculpe incomodá-lo, mas Kyle está ao telefone e insistiu para que eu o chamasse.
— Quem? — Por um minuto, Noah esqueceu a quem pertencia aquele nome, a conexão entre as palavras e memória visual ainda falha.
— Seu... empresário, senhor. — Eva falou de forma branda na esperança de que o patrão não a repreendesse pela audácia. Kyle sabia ser convincente, e a funcionária pensou que se não fizesse as vontades do homem do outro lado da linha colocaria seu emprego em risco. — Ele já ligou milhares de vezes.
Tiffany ainda encarava Noah com aqueles absurdos olhos azuis de gato siamês. Ele soltou um longo suspiro de aborrecimento, puramente teatral, antes de dizer:
— Preciso tratar de negócios sérios aqui, Ashley. — Levantou-se e pegou a boxer jogada ao lado da cama. Eva desviou o olhar. — Vista-se que a senhora Hernandez vai acompanhá-la até a porta.
— Eu já disse, meu nome é Tiffany. — A garota cerrou os olhos e falou entredentes, sem nenhum pouco da doçura anterior.
— Que seja. — Noah disse, cansado de bancar o bom moço. — Dê logo o fora daqui.
A moça arregalou os olhos. Depois se vestiu com uma irritação tangível, o zíper do vestido decotado subiu assoviando. Pegou o par de sandálias e partiu em direção à porta. Antes de sair, virou-se para Noah, as íris azuis agora tinham um quê diabólico de ira:
— Vai pro inferno, Noah Urrea. — Fez um gesto feio com o dedo. — E saiba que sua música é uma droga.
— É e o seu boquete também. — Noah devolveu para a garota que saiu pestanejando ao lado de Eva.
— Oi, Kyle. — O vocalista finalmente ofereceu atenção a um impaciente Kyle Hanagami, já de saco cheio no outro lado da linha.
O empresário não manteve a simpatia, como era de se esperar, e descarregou palavras pesadas ao telefone. Urrea contou dez palavrões a cada sentença pronunciada. Era difícil imaginar que Kyle já estivesse tão mal disposto às... — o músico conferiu o relógio — onze da manhã de um domingo ensolarado.
— Bom dia para você também. — Noah alfinetou.
Segundos de silêncio, mas que logo foram cortados pelo tom furioso de Kyle:
— Bom dia? Já leu o jornal de hoje?
— Jornal? Acabei de acordar e não assino nenhum jornal. — Noah Urrea sabia que fazer tempestade em copo d'água era uma das características marcantes do empresário, então não se importava quando Kyle Hanagami causava alarde suficiente para que um ladrão de frutas fosse confundido com um terrorista internacional.
— Ah, eu sei! Por isso mandei sua empregada ir até a banca e trazer-lhe um exemplar do Daily News.
Outro suspiro de Noah, dessa vez de impaciência. Chamou pela funcionária que aquela altura já colocara Tiffany porta afora. Eva Hernandez deu as caras como um cachorrinho adestrado.
— Eva, você comprou o Daily News? — Ele perguntou e a senhora afirmou com um aceno. — Traga para mim, por favor.
Eva Hernandez saiu apressada para atender ao pedido. Kyle continuou:
— Antes de pegá-lo, adivinhe só quem está estampando a coluna de entretenimento?
Noah não perdeu a compostura e aguardou. Eva surgiu com o jornal bem enrolado ao lado de um generoso copo de suco de laranja. O vocalista passou as páginas sem muita emoção enquanto desfrutava da bebida.
— Ok. Cheguei à coluna de entretenimento.
Então ficou mudo depois de fazer a leitura mental da manchete escancarada em nuance escarlate:
"Vocalista da Chump Change é visto com moça misteriosa em lanchonete McDonald's no Colorado."
— Droga... — Noah pestanejou baixinho, como se o som de sua voz pudesse passar despercebido pelo empresário. Obviamente, isso não aconteceu.
— Droga mesmo, Noah. Viu as fotos? Abra na página dois da coluna. A minha favorita está aí.
O vocalista já antevia o que encontraria nas páginas seguintes e não precisava de Kyle para lhe dizer que aquilo não era nada bom.
— Abriu? — A voz de Kyle martelava-lhe a cabeça como se toda aquela insistência pudesse fornecer uma resposta satisfatória.
— Abri sim.
— Agora leia o terceiro parágrafo.
— Tudo bem, Kyle. Já entendi.
— Leia. — A voz do empresário soou ameaçadora e mesmo sabendo que não precisava passar por aquilo, Noah não quis contrariá-lo.
— Noah Urrea, vocalista da banda inglesa Chump Change, foi visto na madrugada da última sexta feira, após o show em Denver-Colorado, acompanhado de garota misteriosa numa lanchonete da rede McDonald's. A menina estava bem íntima do cantor e a cena levantou suspeitas de que Urrea possa estar passando por um momento tumultuado em seu relacionamento com a queridinha da América: Sabina Hidalgo. — Ele pausou a leitura. Não era preciso continuar. Kyle ficou em silêncio, esperando o que o astro teria a dizer em sua defesa. Nada aconteceu.
— Ótimo, Noah. Está calculando o tamanho da merda?
— Porra, Kyle, isso não é nada demais, eu estava apenas acompanhando uma amiga. Que mal há nisso? — Enfatizou como se ele próprio pudesse ser convencido das palavras falaciosas.
— Noah, você está limpando ketchup do lábio da garota.
— E daí? Não faria isso por uma amiga?
— Você está tirando o molho com a sua boca.
Urrea ficou em silêncio mais uma vez. Gostaria de desviar o foco da conversa, mas sabia que isso era impossível. Se Kyle viu, o resto da América já estaria por dentro do assunto.
— Ok, Kyle. E o que eu faço agora?
A resposta foi antecedida de uma gargalhada cínica. O empresário gostava quando o intrépido Noah Urrea ficava fragilizado e a sua mercê, por isso não foi condescendente com o apelo.
— No seu lugar? Eu rezaria. Pois a agente da sua namorada já me ligou possessa. E garantiu que Sabina está a caminho da sua casa.

Don't Talk To Paparazzi - noart adaptation Onde histórias criam vida. Descubra agora