nineteen.

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—Você quer ficar na fossa, eu respeito, mas se esta música tocar mais uma vez, juro que vou quebrar este aparelho.
A música era Love Hurts do Nazareth e Sina já estava quase decorando o refrão antes de Heyoon desligá-la. O quarto tinha o cheiro abafado de alguém que não saía da cama há um bom tempo.
— Hum... — Sina grunhiu. — Como você entrou aqui?
— Fiquei com uma cópia da sua chave quando me pediu para cuidar da sua planta, lembra? — A garota de cabelos longos com fios de ouro que reluziam em baixo das luzes do cômodo deu um sorriso de lado para Sina. Usava maquiagem, mas nada exagerado para àquela hora do dia. Os lábios em formato de coração receberam uma camada grudenta de gloss e havia blush nas bochechas, bem de leve. — E o que são todos esses potes de sorvete? Acha que está gravando uma sequência de Bridget Jones?
Heyoon esgueirou-se por entre as roupas espalhadas no chão do quarto, alcançando as cortinas. A luminosidade contraiu as pupilas de Sina e ela pestanejou mais uma vez.
— Me deixe em paz, Heyoon. — Pediu com a voz afetada. — E feche esta droga.
— Chega de se empanturrar com isso. — Heyoon levantou o pote vazio e fez uma careta de nojo. — Você precisa é de um drinque bem forte... E de um banho.
Sina cheirou a própria pele e torceu o nariz. Yoon continuou encarando a professora, e também melhor amiga, com ar de reprovação, mas também benevolência. A garota de dezessete anos já ficara em situação bem pior depois de levar um fora e sabia que aquilo era doloroso.
— É muito cedo para beber, Yoon. E também tenho que trabalhar mais tarde. Que horas são, afinal?
— Quase três, mas seu caso é uma emergência. Então não é cedo demais para beber. E... eu te consegui isso. — Heyoon entregou-lhe um papel pequeno, cuidadosamente dobrado. — Não precisa se preocupar com trabalho até amanhã.
A professora endireitou-se na cama e sentiu o corpo doer: ficar na mesma posição horas seguidas resultava nisso. Desdobrou o papel. Era um atestado médico falso com uma CID de virose.
—Heyoon! — Sina exclamou horrorizada.
— De nada. — Yoon replicou com um sorriso meio maníaco. Os grandes olhos castanhos maliciosos. Sina se perguntou quantas vezes a garota já devia ter apresentado documentos daquele tipo para justificar faltas à escola. — Agora levante. Vou preparar algo para bebermos enquanto você toma um banho. Você está fedendo.
Sina gemeu contrariada, mas arrastou-se até o banheiro. Teria que sair da cama algum dia mesmo, então que fosse naquele instante. Conferiu seu reflexo no espelho da pia: olheiras profundas devido aos últimos dias derramados em prantos. Um banho seria bom. Ligou o chuveiro e a água quente fez o efeito relaxante esperado. Melhor remédio de todos. Só quando a pele começou a formar manchas vermelhas foi que ela fechou a torneira. Colocou sua roupa mais confortável (que por sinal também tinha furos suficientes para pertencer a uma vítima de um paredão do fuzilamento) e foi até a cozinha.
Yoon havia lavado morangos. Ela própria os trouxera, claro, já que Sina jamais abastecia o apartamento com frutas, verduras ou qualquer tipo de comida que não tinha mais de uma etapa industrial em seu processo de fabricação.
A péssima dona de casa cruzou os braços e recostou-se na bancada da pia.
— Sou sua professora, você é menor de idade, e está me preparando bebidas alcoólicas no meu apartamento. — Sina falou como uma adulta responsável. Ao menos a única existente no lugar de setenta metros quadrados. —Preciso dizer que isso é ruim?
— Não precisa, pois ninguém vai ficar sabendo. —A garota prendeu o cabelo em um coque improvisado. Uma caneta fez às vezes de presilha. — E quem está preparando as bebidas, quem invadiu seu apartamento, quem te deu um atestado falso, fui eu. Falaremos isso caso a polícia carioca esteja desenvolvendo habilidades de Minority Report e bata a sua porta nos próximos segundos.
Sina suspirou, mas depois deu de ombros. As coisas não poderiam piorar, e dane-se, ela precisava mesmo de uma bebida.
— E então? — Yoon insinuou enquanto misturava vodka aos morangos, ou mais morangos à vodka. Não importava. — Vai me contar o que aconteceu em Los Angeles?
Heyoon era a única pessoa que sabia sobre Noah Urrea. Por algum motivo, a adolescente mostrou-se mais confiável do que qualquer outro adulto para ser a confidente de Sina.
Talvez pelo fato da professora não ter muitos adultos em seu ciclo de amizade. Bem, talvez por Heyoon ser a única em seu ciclo de amizade. Então Sina contou. Deu detalhes da casa de Bel Air: como o tigre que vivia no jardim da mansão e viu os olhos grandes de Yoon expandirem-se mais alguns centímetros. Falou sobre a visita à casa de Samuel e Ingrid. E claro, a respeito de como ela e Urrea finalmente haviam levado as coisas à segunda base, sem dar muito detalhes. Disse apenas o suficiente para fazer Yoon suspirar.
E também contou sobre Sabina Hidalgo. Como a atriz apareceu triunfante na casa fazendo-a experimentar o patamar estratosférico da humilhação. Sobre Ryan, e a ideia estúpida de dar ouvidos ao guitarrista.
No final, Heyoon estava sem ar. E o copo de Sina já pela metade: história longa.
— Você não sabia que ele namorava? — A pergunta da garota tinha um quê malicioso e trazia implícita a ideia de que aquilo era óbvio demais, o típico questionamento cuja resposta já é dada nas entrelinhas pelo interlocutor.
— E você sabia? — Sina perguntou, antevendo a descoberta de uma pequena e perdoável traição. Yoon não respondeu. — Ah, droga. Você sabia.
— Ver futilidades na internet ajuda de vez em quando, mas nem tudo que lemos é verdade, então... — aumentou a dose da amiga depois de revelar aquela verdade subentendida, como se o álcool pudesse ser o consolo para esquecer o desfecho trágico da semana.
— Ótimo. Estou sendo punida por não ler notícia de fofoca.
— Punida? Que tal ver o lado bom disso tudo? Noah Urrea namora uma atriz de Hollywood e está atrás de você. Como se não bastasse, Ryan, o guitarrista gato que parece um vampiro viking saído de True Blood, também. Caramba... o que são aqueles homens, hein? A banda poderia tocar arrocha que eu pararia para ouvir.
Sina ignorou aquela observação. Ajudaria focar nos defeitos, não nas qualidades da Chump Change. Heyoon continuou:
— Pode ser um pouco maluco, mas acho que deveria se sentir lisonjeada.
— Claro, e não se esqueça de mencionar que sou odiada pela mulher mais estonteante do planeta. Que por sinal, é namorada de Noah Urrea. É muito lisonjeador isso. — Sou mais você. Ela é magra demais.
Sina deu um sorriso de gratidão à amiga. Mas a quem queriam enganar? Tentar diminuir Sabina era tão incontestável quanto aceitar que ninguém poderia competir com aquele protótipo da perfeição.
— E isso tudo aconteceu há o quê? Cinco dias? — Yoon perguntou.
— Já tem uma semana.
— Ele te procurou?
Sina mostrou as mensagens no celular. As últimas haviam sido enviadas no dia anterior:
[Cretino FDP]: Sina, me atende.
[Cretino FDP]: Sina, por favor.
[Cretino FDP]: Droga, Sina! Atende a porra do telefone!
Heyoon fez uma cara dramática.
— Espera aí. Ele te ligou, mandou mensagem e você... não respondeu?
Sina balançou a cabeça confirmando. Sorveu mais um gole da caipivodka de morango. Deliciosa. E incrível demais para ter sido preparada por uma garota de apenas dezessete anos.
— Sua idiota! Você tem algum problema de cabeça? —Heyoon disse sem nenhum pouco de pudor.
Ah, a doce e sincera amizade.
— Não tenho problema de cabeça. Mas tenho orgulho e amor próprio. Hidalgo disse que eu não sou a primeira. Certamente não serei a última — a professora defendeu-se — e Ryan também me contou outras coisas sobre Noah das quais não gostei. O mundo que eles vivem, Heyoon... É assustador. E eu estava ficando deslumbrada, não devo me envolver mais. Sei que me senti especial, mas a verdade é que Noah Urrea é um astro galanteador. Foi melhor eu sair fora antes que ele enjoasse de mim e me dispensasse.
Sina não tinha certeza se Heyoon realmente prestara atenção no que ela falara.
— Sabina, Ryan...blá blá blá... bem, pelo menos você terá história para contar aos seus filhos, cujo pai, não será Noah Urrea. — A adolescente levantou o copo indicando um brinde. — Saúde!
— Sua tentativa é me agradar? Pois não está funcionando...
— Não, minha função aqui é embebedá-la e ser boa ouvinte. Não prometi falar nada que você fosse gostar de escutar.
No instante seguinte, o telefone tocou obstinadamente. Como se a sensação de urgência pudesse ser captada pelo aparelho que tremelicava sobre a mesa. A combinação das letras no visor causou infinitas sensações no peito de Sina. Heyoon foi mais rápida e o pegou num sobressalto. Antes que a professora pudesse impedi-la, ou terminar de ameaçá-la com uma dúzia de palavrões, Heyoon já havia dito:
— Alô?
A garota não era tão boa com números, mas nas aulas de inglês era uma das primeiras da sala.
— Não, é a amiga dela quem está falando. Meu nome é Heyoon. E sou uma grande fã sua.
— Heyoon... desliga isso! — Sina balbuciou e fez uma sequência mímica cômica que sugeriam a morte da amiga.
Heyoon ignorou.
— Ah, e eu realmente adoro a música Burning House. — Pausa seguida de um sorriso brilhante de Yoon. — Puxa, sério que esta é composição sua? Ela é demais. — A adolescente parou novamente para escutar o que quer que Noah estivesse dizendo, olhos direcionados para Sina. — Oh, sim ela está com muita raiva. Na verdade, está ao meu lado neste exato instante, ameaçando-me por ter atendido a sua ligação. — Mais um silêncio e um sorrisinho bobo nos lábios da menina. — Ok, verei o que posso fazer.
Heyoon colocou o telefone contra o peito enquanto Sina a encarava descrente.
— Como pôde? — A professora inquiriu — Você é minha amiga! Deveríamos ser um time contra o filho da mãe!
— Sim, eu sou sua amiga, por isso acho que o certo que você tem a fazer... — Heyoob estendeu-lhe o telefone — é conversar com ele.
Ela ficou encarando o objeto na mão de Heyoon.
— Ao menos escute o que ele tem para dizer.
A professora suspirou. Talvez sua amiga estivesse certa, de qualquer forma, só havia um jeito de descobrir.
— Ora, ora, se não é o cantor mais canalha de todos os tempos. — Sina surpreendeu-se com a audácia das palavras. Sóbria e na presença dele, provavelmente não teria sido tão corajosa assim. — Será que o Grammy tem uma categoria para isso, hein?
— Sina? — Por um instante a voz dele quase fez com que ela se esquecesse do motivo pelo qual estava com raiva.
— Sou eu.
— Que bom que me atendeu. — O rapaz parecia aliviado.
— Aham. E onde está a Sabina Hidalgo, neste momento? Filmando o remake de Bonequinha de Luxo? — Sina disse e Heyoob apenas balançou a cabeça para a amiga em recriminação.
Genial, Sina. Genial.
— Andou bebendo? — Ele perguntou.
— Não responda à minha pergunta com outra pergunta. — Sina disse na defensiva.
Ela o escutou suspirar antes de dizer:
— Eu não sei o que a Sabina está fazendo, porque não estamos mais juntos.
Sina demorou alguns instantes processando a informação.
— Está dizendo...
— Estou dizendo que eu terminei com ela. Oficialmente. — A voz de Noah foi firme.
— E... todos os contratos milionários?
— Fodam-se os contratos.
— Hum.
— O que foi?
— Não sei se acredito em você. Já mentiu para mim uma vez.
— Eu não menti, Sina.
— Você omitiu. É praticamente a mesma coisa, Noah. Mas e então? O que você quer?
O rapaz atrapalhou-se do outro lado da linha antes de dizer:
— Primeiramente, te pedir desculpas.
Sina riu dramática. Uma pena que Noah não estava ali para ver a cara que ela fez.
— É muito fácil falar isso por telefone.
— Claro. — O músico concordou de pronto. — Ajudaria se eu fizesse um pedido pessoalmente?
Sina olhou para Heyoon, ela roía as unhas de ansiedade, a expressão do tipo "que raios de amiga é você? Ponha logo a conversa no viva-voz!".
— Eu não vou até Los Angeles, Noah. Não mesmo. — A professora revirou os olhos e bufou. — Se quiser me pedir desculpas, você que supere seu pânico de voar da mesma forma que faz para os shows e venha até Berlim.
— Isso significa que você está disposta a me perdoar? — Noah perguntou e Sina sentiu a esperança incutida nas palavras dele.
— Isso significa que estou disposta ao diálogo.
— Ótimo. Então autorize minha entrada. Estou aqui embaixo.
Adrenalina correu nas veias da garota. Aquilo só poderia ser brincadeira ou então o inglês dela não era tão bom como imaginava.
— O que você disse? — Ela perguntou só para ter certeza, mas talvez não acreditasse ainda que ele repetisse mil vezes.
— Eu disse que estou na porta do seu prédio. E o seu porteiro não entende uma palavra do que estou dizendo. — Noah falou tranquilo. Sina escutou o som da própria pulsação dentro dos ouvidos.
— Impossível. Você não tem meu endereço.
— Um edifício amarelo. Ou bege. Ou marrom. Bem... não dá para definir que cor é essa. Mas acredita em mim agora?
Sina ficou muda.
— O que ele está dizendo? — Heyoon perguntou com olhos castanhos esbaforidos. Sina fez um sinal com a mão para que a amiga esperasse.
— Como... você descobriu?
— Vantagens por ter investido num certo projeto da Universidade do Colorado: acesso a informações pessoais dos congressistas. — Noah Urrea disse. — Estou esperando.
O telefone foi desligado em seguida.
Heyoon balançou a amiga que havia entrado numa espécie de estado cataléptico. Sina piscou e colocou o aparelho na mesa. Ela inspirou e expirou, repetidas vezes, como se estivesse entrando em trabalho de parto. Deu uma olhada por toda a extensão do apartamento, depois para a blusa velha no corpo.
— Sina, o que aconteceu? Por que está pálida?
— Meu Deus, Heyoon... me ajude a arrumar o apartamento.
Yoon fez uma expressão surpresa para valer. Os olhos brilharam:
— O vocalista da Chump Change está em Berlim?
— Ele está aqui embaixo, Yoon. Anda rápido!
Heyoon ajeitou a bagunça na pia e Sina correu para o quarto. Juntou todas as roupas jogadas no chão e as socou dentro do guarda roupa. Trocou a blusa esfarrapada, colocou um pouco de gloss nos lábios. Bendita hora em que a amiga surgiu e a obrigou a tomar um banho. Abriu a janela do quarto. Cheiro de brisa marítima seria melhor do que o odor morno do cômodo fechado há dias. Então correu até o interfone na cozinha. O porteiro atendeu de primeira.
— Boa tarde, senhor Louis. — Ela pigarreou e tentou soar tranquila mesmo com os nervos à flor da pele. — Tem... um rapaz tatuado aí embaixo? — Facilitou as coisas para o funcionário. Tatuagens eram ótimos pontos de referência.
— Ah, oi Sina. Tem sim. Ele é conhecido seu? — O porteiro disse desconfiado e provavelmente não tinha nada a ver com as tatuagens, mas com o fato de duvidar que uma professorinha medíocre era conhecida de um cara daqueles. Oh. Maldita falta de amor próprio. Tinha que se dar um pouco de crédito. Afinal, o homem veio de Los Angeles só para vê-la. Sina pôs a mão no coração. As coisas estavam um caos dentro do peito. Ótimo. Trabalho de parto e agora um infarto. Tudo no mesmo dia. — Pode liberar a entrada dele, por favor.
Quando colocou o interfone no gancho, olhou estarrecida para sua aluna.
— Nossa. — Foi só o que Sina falou, demais palavras mostrando-se desnecessárias.
— Tá. Vamos fazer assim: ele entra, eu tieto ele um pouco, claro. — Yoon disse com um sorrisinho de lado. — Depois vou embora para vocês conversarem.
A professora sorriu de volta. Acordo justo.
— Combinado.
E mesmo que já fosse esperado, o som da campainha fez o corpo de Sina dar um leve solavanco. Ela olhou para Yoon pedindo uma aprovação implícita. A amiga fez um gesto afirmativo de indicador. Mas a professora conferiu o rosto no espelho novamente e ajeitou o cabelo, só por precaução.
Então abriu a porta.
Noah parecia ainda mais bonito do que da última vez, como se ter passado por um voo exaustivo não tivesse o efeito de macular nenhum um pouco o viço do seu semblante. Talvez fosse assim com todas as celebridades. Ele retirou os óculos de sol, como se já soubesse que aqueles olhos verdes vinham acompanhados de um solvente de mágoas femininas. Ponto para ele. Puta merda. Era muito difícil continuar forte diante daquela imagem. E o homem nem havia aberto a boca ainda.
— Olá. — Noah disse. Ah, uma palavrinha tão curta. Mas garotas deviam derreter-se por muito menos, uma mísera letra do alfabeto saindo daqueles lábios tão perfeitos e sacanas já cumpriria bem o papel.
— Oi.
Noah fez um aceno de queixo rápido para dentro do apartamento.
— Posso entrar?
A professora deu-lhe passagem.
— Pode.
Sina duvidou que desde os anos 70, época em que o prédio foi construído, um espécime tão perfeito quanto Noah Urrea já havia caminhado por aquelas estruturas. Talvez sugerisse à síndica colocar uma plaquinha como marco da passagem ilustre depois que ele fosse embora. Heyoon estava com um sorriso idiota nos lábios. Sina agiu rápido, antes que baba escorresse da boca da sua aluna.
— Ah, Noah. Esta é a minha amiga, Heyoon.
Ele sorriu para a adolescente e estendeu-lhe a mão.
— Ei. Prazer. E obrigado pela ajuda.
— O prazer é meu... Imagina. — Yoon suspirou e ficou sem piscar por mais de seis segundos. De acordo com a ciência, quando alguém age assim, de duas uma: ou ela está alimentando desejos sexuais por esta pessoa ou deseja matá-la. E Yoon não era nenhuma psicopata. — Bem, eu vou deixar vocês dois conversarem... parece que... já nem estão me vendo aqui. Tudo bem. Vou embora. Sina, me ligue depois, ok?
Nem escutaram quando a porta se fechou.
— E então? — Sina disse. Algum dos dois tinha que começar aquilo. Só ficar olhando para ele era ótimo, mas não chegaria a lugar nenhum. — Por que está aqui?
— Porque precisávamos conversar, não podíamos deixar as coisas daquele jeito. — As mãos de Noah estavam bem comportadas dentro do bolso da calça. Sina notou o projeto de barba em seu queixo, ressaltando ainda mais o maxilar perfeito. Que beleza. Enquanto os últimos dias fizeram a garota ganhar olheiras, o desleixo do rapaz só o deixou ainda mais bonito.
— Podíamos sim. E deixamos. — Ela foi incrivelmente categórica. Ah, tola orgulhosa.
— Não, Sina, não deixamos. E você acabou de me dizer que estava disposta a conversar, já esqueceu? Ou estava me testando? — Noah disse, sua mandíbula levemente tensa.
— Droga, Noah. Você não pode fazer isso. Não pode aparecer aqui, assim do nada, e achar que tudo vai ficar bem. — Sina cerrou os punhos na defensiva. Deu-se conta de que, de tão nervosa, nem ofereceu para que ele se sentasse.
O abraço de Noah a pegou de surpresa. Foi forte o suficiente para deixar claro que, da parte dele, não havia nenhum pouco de orgulho. Desde a última vez, não se importava mais em ser sincero quanto ao que sentia. Na verdade, não tinha muito controle sobre isso. A garota tinha o dom de desarmá-lo de todas as formas.
No começo Sina não queria ser tão fácil, mas era difícil resistir. Inspirou o perfume que recendia da pele do músico. Seu cérebro já entendia aquele aroma familiar como cheiro de segurança. Agora como se sentir segura ao lado de alguém que tinha "desordem" como lema de vida era uma total falta de bom senso. Maldição. Seu coração estava fazendo o cérebro funcionar às avessas.
A professora fechou os olhos, tentando em vão conter as lágrimas. Mas as desgraçadas estavam realmente empenhadas em fazer um estrago. Sentiu quando uma acertou o tecido da camiseta. Pronto. Urrea teria um belo vislumbre dela vulnerável e descobriria que toda aquela firmeza que ela tentava vender era fachada.
O sistema nervoso de Sina concentrou-se no toque de Noah, dedos que percorreram os lugares exatos do rosto dela.
— Ei. Agora que eu estou aqui... eu posso te olhar nos olhos... — ele estabeleceu contato com aquelas íris verdes que levavam vantagem de longe. Não era justo. — E dizer, que eu sinto muito. Eu realmente sinto muito.
Ela mordeu o interior da boca.
— Eu gostaria que essas palavras pudessem resolver as coisas, mas ainda estou bem magoada, Noah. — Sina replicou, mas desejou que sua voz não saísse tão distraída e pastosa. — E não foi só quanto a Sabina, realmente fiquei ofendida com o fato de você pensar que eu ficaria com o Ryan.
— Claro, e com razão. Eu assumo a totalidade da culpa em ser um idiota.
Ele a soltou. Na verdade foi Sina quem deu um passo para trás. Conversas sérias não precisavam de tantos dedos e braços entrelaçados. Noah respeitou os limites dela. Deu uma olhada na sala pela primeira vez e então viu o toca discos no canto. O vocalista sorriu. Que tipo de menina de vinte e um anos colecionava vinis antigos?
Só a melhor delas, ele supôs.
— O que você estava ouvindo? — Perguntou e foi até o aparelho. Era uma relíquia.
Sina ficou vermelha, se Noah tivesse chegado algumas horas antes, teria ouvido a garota esgoelando totalmente desafinada um dueto para Dan McCafferty.
— Nazareth. — Ela respondeu poupando-o dos demais detalhes.
— Ah, é bom. — Noah estudou o aparelho antigo. — Então você também tem vinis de rock aqui, hum?
— Esse é novo. — Sina sacudiu a cabeça. — Quero dizer, comprei recentemente num sebo. Claro que não é novo. Eu meio que estou aumentando meu repertório.
O rapaz a olhou de soslaio. Tinha aquele esboço de sorriso que formava covinhas no rosto.
— E eu tenho alguma influência nisso?
Malditas covinhas.
— O que você acha? — Ela disse, o cenho ainda franzido.
Noah recolocou a agulha no vinil. E "Love Hurts" retumbou imponente pela sala. De repente, a música ouvida à exaustão nos últimos dias, soou demasiadamente surreal agora que o objeto da sua fixação estava ali, em carne e osso (e muitos músculos) parado à sua frente.
— A melodia é boa, mas a letra é depressiva demais. — Ele falou.
— Mas é verdade, não? O amor realmente pode machucar.
— É, pode... mas ainda assim, não quero desistir dele. — Noah aproximou-se, o solado do Converse preto repercutindo contra o assoalho antigo quase faziam páreo com as batidas do coração de Sina. — Você quer?
Ela não conseguiu responder.
— Sina... — Ele já estava parado a sua frente.
— Deus. Isto é uma merda. —Ela disse e enxugou mais lágrimas. — Eu sou sempre tão racional, mas acabo sendo uma estúpida quando o assunto é você. Por quê?
Noah sorriu soturno.
— Então acho que temos um impasse. Porque eu sou um inconsequente e parece que você é a única capaz de trazer um pouco de equilíbrio para minha vida.
— Noah...
Ela não impediu quando as mãos dele envolveram a sua cintura. De repente seu corpo oscilou em um balanço ritmado. Estava sendo guiada pelos passos de um dançarino que surpreendentemente sabia o que estava fazendo. Uma valsa improvisada na sala. Uau. Será que havia algo em que o homem não era bom?

Don't Talk To Paparazzi - noart adaptation Onde histórias criam vida. Descubra agora