Capítulo 31- Cabra-cega

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__ Então é isso que acontece?__ disse Tony pensando em voz alta.
O homem que estava com Tony recuou, o levando para próximo de Marcelo e Micaelle, em seguida se afastou para observar as criaturas mais de perto.
__ Que diabo são essas coisas?__ indagou Marcelo.
__ Eu sei lá, só sei que não tô gostando nem um pouco de como eles estão olhando, sabia que isso ia acontecer?__ perguntou Tony a Micaelle.
__ Não, eu... eu... não sabia__ respondeu Micaelle, em seguida olhou para Alexis, estava confusa, além de receosa, por não saber as intenções por detrás daquelas criaturas.
Alexis também olhou para ela, estava deitado, ainda não tinha chegado a ver os seres, só sabia que não estavam sozinhos.
__ Você fica aqui__ ordenou Rhodes a ele e foi para o lado esquerdo do círculo se aproximar afim de saber melhor o que estava acontecendo, obviamente Alexis não lhe obedeceu, ele ficou de pé e observou melhor a ameaça que os cercava.
Alexis percebeu que eram muito parecidos com os espíritos que havia visto na primeira vez que pisou naquela cidade, dessa vez as coisas haviam mudado, estavam em carne e osso e todos estavam vendo o que ele via, as criaturas eram reais para todos e não apenas para ele.
Quando as criaturas foram vistas por Rhodes, ele sentiu um calafrio, a palavra que elas balbuciavam era a mesma que seu pai havia dito quando havia ressuscitado, "eles gritam também por justiça, mas que justiça eles querem?"; pensou, em seguida indagou a um de seus homens:
__ De onde veio toda essa gente?
O homem disse com os olhos arregalados e com as voz embargada de nervosismo:
__ De-debaixo da terra.
__ O quê?__ observou o ambiente e percebeu algo fora de ordem, o altar desmanchado__ quem tocou nas velas?
O homem apontou para Tony e Rhodes foi até ele dizendo:
__ Você!
__ Eu?__ indagou Tony.
__ Você mesmo. Como sabia que ia acontecer isso?
__ Eu... eu... eu...
__ É melhor soltar a língua antes que eu a jogue pra eles comerem.
__ Eu disse pra ele fazer__ disse Micaelle.
__ E como sabia que isso ia acontecer?
__ Ela não sabia__ disse Alexis__ Ela só sabia que alguma coisa ia acontecer porque eu disse, eu sabia.
__ E como sabia? Foram os sacerdotes que te falaram alguma coisa?
__ Se soltar eles, conto como reverter isso.
__ Sem chances.
__ Então vai ficar sem saber.
__ Iu.. titia!!__ gritaram os mortos antes de partirem velozmente para cima do grupo de Rhodes.
__ Pensando bem, se vocês morrerem eu saio ganhando, vocês morrem levando o mapa junto. Acaba de assinar sua sentença de morte__ disse ele, obstinado.
__ Você vai fazer seus homens morrerem pelo mapa?
__ Eles não vão morrer pelo mapa, vão morrer por mim, sou eu que morreria pelo mapa.
__ Então eles não fazem ideia da existência do mapa?
__ Não, e vão morrer ou viver sem saber, se não quer contar como vamos nos livrar disso por mim tudo bem, perde a chance de sair vivo daqui e logo de encontrar o tesouro, sinceramente, achei que fosse mais inteligente. Vocês tem mais a perder do que eu. Se contasse, eu e meu grupo poderíamos proteger vocês.
__ Por que está nos contando todas essas coisas?
__ É como eu já disse, vocês assinaram sua sentença de morte. Se vão morrer agora, então pra quê mais segredos? Vão os levar para o túmulo mesmo!
__ Certo, então me diz uma coisa: "quem são elas?".
__ Elas quem?__ Rhodes franziu as sobrancelhas.
__ Você disse que mesmo que deixasse a gente caçar o tesouro, Elas não deixariam, quem são Elas?
Ele não respondeu, foi ajudar seu grupo, mas dirigiu a Alexis um olhar de desconfiança, pegou sua corrente, prendeu-a a espada, pegou o escudo e partiu para a batalha.
Marcelo indagou:
__ Sabe mesmo como reverter isso?
__ Não, eu tava blefando. Só falei pra ele soltar vocês.
__ E agora?!__ disse Tony, aflito.
__ Vou soltar vocês do mesmo jeito.
__ Mas como? Rhodes vai matar você__ disse Micaelle.
__ Ouviu o que ele disse, ele vai lutar pelo grupo dele e pelo visto vai ser uma luta nem um pouco curta__ disse Alexis, com olhar fito na batalha que passou a começar, de 12 contra uma horda de 20, 30 ou mais.
Os mortos demonstraram ser adversários mais fortes do que se pensava, eram vigorosos e resistentes, não usavam armadura, nem armas e mesmo assim estavam dando um imenso trabalho aos bárbaros.
Um dos mortos veio até um lanceiro, o lanceiro perfurou seu tórax, no lado esquerdo do peito, onde ficava o coração, foi um corte profundo, rápido e fatal, o esperado era que naturalmente a luta acabasse ali. Mas não foi o que aconteceu, quando o bárbaro retirou a lança de seu corpo, ele continuou andando até ele como se nada estivesse acontecido, o que impressionou o guerreiro.
Golpeou barriga, ombro, costelas, braços, mas nenhum daqueles golpes o abalou e impediu que a criatura viesse até ele o agarrando e penetrando os dentes em seu pescoço. A dor foi profunda, a criatura era podre feito madeira velha roída por cupins, mas seus dentes eram afiados feito aço. O guerreiro gritou alto, buscou reagir fincando a arma no corpo do morto, pressionando-a contra ele, depois tentou afastar a criatura com um dos braços, mas o ser havia se impregnado nele feito carrapato.
Infelizmente ninguém ajudou o lanceiro, pois estavam todos travando as próprias batalhas, passando pelo mesmo problema de não conseguirem lidar com os novos inimigos, que estavam cada vez mais numerosos. Aos poucos perdeu o fôlego de vida, já não conseguia mais lutar contra aquela criatura morta que estava viva, enquanto quem havia o matado permaneceu vivo desafiando a lei natural da vida.
Os mortos, apesar da aparência humana, não agiam como humanos. Eram movidos pelos instintos e tinham apetite voraz por carne humana, comportavam-se como animais, mas ainda assim havia uma gota de consciência naquele oceano de selvageria, a palavra "iutitia" dita por eles significava "justiça", aos poucos Rhodes foi capaz de compreender qual era a justiça que procuravam. A justiça pela destruição sofrida que os dizimou, ele não foi o único a entender isso, Alexis também entendeu.
A invasão feita pelos bárbaros foi a parte que Alexis achou mais triste da história de Nicolau e ver o que todos aqueles inocentes haviam se tornado o deixou mais triste ainda, "é assim que um ser humano se torna quando perde de vez tudo o que tem? Alguém que anda, respira, mas tá morto?"; pensou consigo mesmo, aquilo também o fez pensar na sua própria vida, no seu tio que havia o criado a vida toda, de uma certa forma ele havia sido seu pai e o ajudou a seguir com a vida depois da perda dos seus pais biológicos, agora que estava prestes a morrer passou a sentir uma intensa vontade de estar com ele para lhe dar um abraço forte e agradecer por tudo o que havia feito. É quando você está mais próximo da morte que você passa a pensar mais na própria vida e era o que Alexis estava sentindo na pele, não fazia a menor ideia de como sairiam de lá vivo.
Já havia conseguido desamarrar seus companheiros, que já estavam armados e com as mochilas prontas, não foi tão difícil encontrar seus pertences, todos os objetos estavam jogados pelo chão. Os bárbaros não tinham interesse algum em cuidar da bagagem dos "hereges" enquanto suas vidas estavam em risco.
__ O que são essas coisas?__ indagou Marcelo.
__ Zumbis__ disse Tony.
__ O quê? Isso não existe.
­__ Então vai lá e avisa pra eles.
Marcelo engoliu a saliva e disse:
__ Eu passo.
__ A fraqueza deles é na cabeça__ disse Tony.
__ Como sabe? Nem o necromante do Alexis sabia disso.
__ Eu não sou um necromante__ disse Alexis.
__ Então como sabia que algo assim ia acontecer se não tá envolvido em bruxaria ou algo do tipo?!
__ É... complicado.
__ Seus pais além de assassinos, são bruxos?
__ Como é que é?__ disse Alexis, enraivecido.
__ Eu comi uma semente!__ disse Tony.
__ O quê?!__ disse Marcelo e Alexis juntos, sem entender.
__ Uma semente da fraqueza, eu comi depois que me libertou.
__ Que parte da cabeça?__ perguntou Micaelle.
__ Qualquer uma.
__ Certo, então, temos uma vantagem que eles não tem__ disse Micaelle.
__ Certo, mesmo que isso seja a verdade, qual o plano?__ disse Marcelo.
__ Fazer... cabeças rolarem?__ disse Tony com um sorriso desajeitado.
__ É um bom plano__ disse Alexis.
__ Concordo__ disse Micaelle.
__ É sério? Vamos atacar essas aberrações sem plano nenhum?__ questionou Marcelo.
­­__ O plano é matar até encontrar a saída, como a gente já sabe como mata-los, tem como a gente virar o jogo e sair daqui. Eles são numerosos, mas são lentos, eles estão vencendo por causa da quantidade e porque, por enquanto, ninguém sabe como fazer eles voltarem pra onde vieram. A gente não tem tempo pra planejar, é só questão de tempo até Rhodes descobrir a fraqueza deles e assim voltar a ferrar com a nossa vida, inclusive nesse exato momento ele até já descobriu uma forma temporária de detê-los__ disse Alexis.
Quando foram ajudar o lanceiro, seu pescoço jorrava sangue e seus olhos estavam arregalados. Enquanto o morto-vivo sugava-lhe o sangue, arrancava pedaços de sua pele o bárbaro já não reagia. Rhodes ao ver aquilo sentiu o estômago revirar, depois foi tomado pela raiva, agarrou a criatura pela cabeça com os braços e quebrou-lhe o pescoço.
A morte foi instantânea, Rhodes então jogou-o para o lado, abaixou-se lentamente até o guerreiro, fechou seus olhos, pegou as mãos dele e as juntou as pondo na barriga.
_ Descanse em Valhalla, amigo__ Quando o Herzog levantou-se, já não era mais o mesmo, partiu para cima das criaturas, mirando a espada direto nas pernas, a corrente permitia que tivesse um alcance maior e desta maneira passou a combater os mortos com maior eficiência, os fazendo ficarem aleijados.
Muitas pernas foram mutiladas, os seus guerreiros seguiram seu exemplo e foi dessa maneira que passaram a virar o jogo, mas era uma solução temporária, como Alexis havia dito.
Apesar de a princípio não terem coordenado plano algum para escaparem de lá, houve uma organização na hora de atacarem as criaturas. Micaelle e Tony tomaram a dianteira por terem armas que atiravam, Tony com sua vela atiradora de bolas de fogo, Micaelle com as flechas que se multiplicavam, Marcelo e Alexis ficaram na retaguarda os protegendo, cada dupla protegendo o lado em que a outra estava mais fraca.
Alexis com o poder de prever o ataque inimigo conseguia além de ajudar a si próprio, também ajudar o seu companheiro, enquanto Marcelo matava vários com sua espada com corrente, eliminando a longa distância com uma velocidade absurda. Os tiros de Micaelle e Tony eram certeiros e conseguiram abrir caminho com sucesso, pois vários mortos-vivos eram eliminados ao mesmo tempo e em grande número, quando a munição da arqueira acabava, o samurai de fogo dava-lhe cobertura para que recarregasse. O samurai e a caçadora conseguiram depois de um tempo arranjar um jeito ainda melhor de unir forças, em meio ao ar a flecha de Micaelle penetrava as esferas de fogo e ao sair, consumida pelas chamas, multiplicava-se em várias partes em meio ao ar, assim mais inimigos eram atacados de uma só vez e de maneira mais avassaladora.
Desta maneira facilmente conseguiram abrir caminho, optaram a princípio por trilharem um rota contrária ao grupo de Rhodes e quando perceberam que já estavam distantes o suficiente deram uma grande meia-volta rumo a entrada do pátio do castelo.
Entrementes, em meio a aquela luta de sobrevivência, aquele lanceiro demonstrou sinais de vida, ele abriu seus olhos e levantou-se, mas apesar de vivo já não era mais o mesmo. Estava em um semblante sério, sombrio, em um aspecto frio feito gelo, houve surpresa de seus companheiros, o esperado era que estivesse morto, dado a altíssima perda de sangue somado a profundidade dos ferimentos.
__ Você está bem?__ perguntou um dos guerreiros e tocou em seu ombro, um erro fatal.
O lanceiro o agarrou pelo braço depois abocanhou seu pescoço, o homem gritou alto enquanto tentava se libertar do homem que o mordia feito um leão, os guerreiros em volta ficaram chocados, mas sem ação porque aquele era um ato inesperado, foi Rhodes que tomou as rédeas e deu fim ao agressor golpeando a sua espada no crânio.
O que foi mordido ficou inconsciente por pouco tempo, levantou-se com o mesmo aspecto do lanceiro e partiu contra o Herzog, que reagiu trespassando a espada novamente na cabeça.
Após aquela morte, Rhodes disse bem alto a todos:
__ Se morrerem depois de serem mordidos, se tornarão como eles, evitem serem mordidos, mas se não conseguirem evitar e a morte vier, que os outros não hesitem em matar como hesitaram agora. Não estamos mais lidando com humanos e sim com animais irracionais com sede de sangue, caso eu morra e me torne como eles não hesitem em ceifar minha vida também, entendido?
Não houve resposta, um silêncio sombrio pairou pelo ambiente.
__ Entendido?__ repetiu ele.
__ Sim, senhor!__ responderam todos, em um tom melancólico.
"Nós não estamos lidando com humanos e sim com animais irracionais"; aquelas palavras passaram a pesar em sua mente, os mortos-vivos gostavam de carne humana assim como seu próprio povo, aquele detalhe macabro o fez sentir frio na espinha.
A situação do quarteto passou a melhorar, estavam lidando com a situação com os zumbis muito bem, estavam passos á frente do grupo de Rhodes, apesar da situação deste grupo também ter passado a melhorar após a descoberta do líder.
Na tentativa de sobreviverem a aquele momento crítico de suas vidas, Rhodes passou a destacar-se no seu grupo, os mortos pareciam frágeis feito papel quando caíam sob a lâmina de sua arma branca, aos poucos era o Herzog que passou a oferecer mais perigo, pois atacava em todas as direções feito um tornado.
Após aquele ponto de virada para os bárbaros, a mudança presente em Rhodes após a primeira morte do seu grupo passou a atenuar-se ainda mais no calor da batalha, seus olhos ficaram em um aspecto bestial e enraivecido, a pele avermelhou-se, as veias saltaram e certas vezes começou a rosnar feito cachorro, seu sangue fervia e passou a tomar gosto por aqueles combates chegando a esquecer-se do verdadeiro motivo de estar ali, mas foi um curto período de esquecimento, pois logo conseguiu avisar as crianças ao longe, contrariando suas expectativas de que não iriam sobreviver.
__ Eles vão morrer de qualquer jeito__ disse o homem mais próximo a ele, como se estivesse lido seus pensamentos__ Fique aqui, precisamos do senhor.
__ Fiquem tranquilos, eu vou lá e volto__ e começou a andar.
__ Senhor, por favor__ e o parou, tocando no ombro.
A reação foi imediata, Rhodes o puxou pelo braço para bem perto de si e pôs a espada bem próxima de sua garganta.
__ Se me tocar assim outra vez, arranco sua cabeça pra essas criaturas se banquetearem com ela. Eu disse que é pra ficar aqui, já volto__ e o largou bruscamente fazendo-o cair no chão, com o semblante em choque.
O quarteto já estava a uma boa distância do grupo de Rhodes, que passou a andar lentamente até eles. Estava em uma postura ereta, em um ar confiante, seus passos eram lentos, pois após tomar controle da situação chegou a conclusão de que facilmente poderia os capturar sozinho, sem ajuda de seu grupo, apenas ele era necessário.
"Vocês unidos são muito melhores que o meu grupo, que bela formação, é brilhante e adequada pra vocês, um grupo pequeno. Hora de desestruturá-los"; pensou ele, estava com uma ideia na mente pensando justamente na facilidade com que tinha os mortos na palma da sua mão, intentava fazer algo que nenhum do seu grupo era capaz de fazer, apenas ele, pois ele tinha algo que eles não tinham: poder.
Em um de seus braços ele vestia a manopla forjada na noite passada pelas fadas, já havia testado sua força no dia anterior e posteriormente ele conseguiu partir o escudo de Alexis em pedaços, aquele artefato demonstrou ser bastante eficaz para destruir objetos, mas Rhodes ainda não havia testado sua força em humanos.
Rhodes pegou um dos cadáveres que caminhavam até ele, o segurou pelo calcanhar e o suspendeu para cima com um único braço, que era justamente o que portava a manopla, depois disso o arremessou para longe mirando no quarteto, foi como se Rhodes fosse uma catapulta e o morto fosse a munição a ser atirada.
O morto-vivo foi atirado em alta velocidade e caiu em cima de Alexis, em meio a queda o garoto acabou perdendo a posse da espada.
Como se não bastasse o impacto da dor causado pela queda, ele ainda teve de lidar com a desagradável surpresa de estar face a face com um defunto, além do odor natural, também tinha de lidar com a náusea desencadeada pelo hálito quente e podre da criatura e somando o fato de que aquele ser o encarava como se fosse um mero pedaço de carne, havia um misto de desconforto, choque e medo em Alexis.
Tentou sair, debateu-se, mas a criatura percebeu isto e pegou seus dois braços, mostrou os dentes para que pudesse dar a primeira mordida em sua presa e salivava para o profundo desprazer de Alexis, que tinha que aguentar as gotas de saliva caindo em sua cara, debateu-se cada vez mais, porém seus esforços eram em vão, parecia que sua morte era iminente.
Foi quando uma lâmina partiu o cérebro do cadáver em dois e imediatamente ele ficou imóvel e seus olhos esbugalharam-se, Alexis não pensou duas vezes para empurrá-lo para longe. Quando o fez a identidade de seu herói foi revelada, era Marcelo que, por sua vez, também o ajudou a se levantar.
__ Obrigado, acho que agora estamos quites.
__ Não se empolgue muito, ainda não esqueci o que fez.
­­__ E o que fiz?
__ O certo é: o que você não fez? Escondeu sobre seus pais.
__ Marcelo, eu...
__ Depois falamos disso, precisamos saber de onde essa coisa veio, parece que simplesmente caiu do céu.
Mal tinha terminado de falar quando mais um corpo foi arremessado por Rhodes mirando em Marcelo, Alexis percebeu instantaneamente a criatura indo em direção a ele e o afastou com um empurrão e por pouco os dois não foram atingidos.
Marcelo disse, surpreso:
__ Parece que alguns deles sabem voar.
Mais dois cadáveres "voaram" até eles e a formação bem alinhada do pequeno grupo se desalinhou completamente, a quantidade de zumbis se multiplicou contra eles e os dois cadáveres caíram direto em Tony e Micaelle.
Alexis e Marcelo tentaram salvá-los, mas foram impedidos por mais de uma dúzia de mortos que avançaram enfurecidamente contra eles que, por sua vez, defendiam-se desajeitadamente, Marcelo teve de segurar o cabo da espada, ao invés da corrente para atacar, pois naquele momento crítico precisaria atacar com a maior rapidez possível e recordar-se de tudo o que aprendeu nas aulas de esgrima, tudo.
Entrementes, havia um cadáver vivo em cima de Micaelle. Apesar de Rhodes conseguir carregar e jogar corpos humanos com facilidade usando apenas um braço, desta vez ele não havia atingido seus últimos dois alvos com tanta precisão, o que era uma vantagem para eles, uma vez que havia acertado em cheio Alexis, que quase havia morrido.
O corpo da caçadora doía, principalmente nas pernas, que era onde estava a tenebrosa criatura. Micaelle lutaria com um novo predador, o confronto se iniciaria quando ambos recuperassem suas mentes após a queda, foi neste ponto que o defunto ganhou vantagem, já fixando o olhar bestial nas coxas, em seguida abriu a boca e deslizou a língua entre os dentes assim como os lobos fazem quando estão cobiçando a presa com os olhos.
Micaelle percebendo isto preparou o arco para atirar, porém subestimou a inteligência do inimigo, que já tinha o conhecimento de que suas presas não eram indefesas, por isso planejava desarmá-la. Tomou posse do arco e a flecha se perdeu, depois de ter a arma nas mãos, o predador usou a arma para atordoar sua presa com uma forte pancada na cabeça, o que funcionou.
Depois jogou o arco para longe, subiu até Micaelle para agarrar seu pescoço, depois que estava com as mãos postas onde queria, afastou a cabeça dela do chão, planejava fazer isso para bater sua cabeça no solo várias vezes até que perdesse a consciência de vez.
Mas o diabo está nos detalhes e havia um que impediu o defunto de conseguir subjugar a caçadora perante ele: a espada embainhada dela. Ele só percebeu quando a lâmina já estava fincada no seu tórax, Micaelle queria acertar na cabeça para pôr fim naquilo de vez, porém teve de agir rápido.
Tirou proveito da espada cravada no corpo do ser para afastar ele o empurrando para trás, assim conseguiu se livrar das mãos que a asfixiavam, ainda que houvesse as marcas de dedo em sua pele, depois avançou ainda mais fazendo com que o morto saísse de cima dela.
Mas o predador respondeu ao ataque tentando agarrar sua espada, Micaelle respondeu ao contra-ataque retirando a arma de dentro dele.
Feito uma fera o cadáver veio até ela velozmente, saltando para agarrá-la de vez, um ataque surpresa que teve como resposta um contra-ataque surpresa, a caçadora defendeu-se furando seus olhos com a espada em um único golpe.
O defunto recuou para trás, gritou de dor, pôs as suas mãos sobre os olhos como se aquilo fosse amenizar sua dor e disse alto várias vezes:
__ Iutitia!
Em seguida passou a gesticular golpes de luta no ar, estava na defensiva porque estava ciente de que estava em profunda desvantagem e que poderia sucumbir a morte a qualquer momento, sua vida estava além de seu controle, nas mãos de sua presa.
Enquanto isto, Tony lutava contra um zumbi que tentava tirar a vela de suas mãos á força. Em meio àquele embate Tony atirou fogo, no entanto errou pois não conseguia manter os braços parados, o morto o chacoalhava e parecia que este confronto de forças só teria fim quando um se cansasse primeiro.
Infelizmente Tony começou nesta desvantagem e a criatura conseguiu o desarmar, em seguida jogou a vela para frente.
O samurai esticou um dos braços para pegar, porém seus esforços foram em vão, pois o objeto estava além de seu alcance, precisaria aproximar-se melhor. Foi quando foi asfixiado pelo ser que enfrentava, porém foi um curto período de agonia porque Tony desembainhou a espada e rapidamente trespassou o seu corpo.
Havia planejado aquele ataque, enquanto um de seus braços tentava alcançar a vela, o outro estava desembainhando a espada e quando foi enforcado bastou apenas um leve esforço usando os dois braços para que empunhasse a sua arma.
Tamanha foi a força e velocidade que o atravessou que quase instantaneamente o seu inimigo saiu de cima dele.
Tony estava ciente que a batalha não estava vencida e de que seu adversário tinha resposta rápida para atacar, então tirou a espada de dentro dele e a passos desajeitados correu até a vela.
E novamente a cena que provocou o renascimento daquelas criaturas se repetiu, Tony corria atrás de uma vela, mas desta vez não havia amarras nele.
E quando estava mais próximo de alcançar seu objetivo, a mão daquele mesmo defunto segurou a sua perna fazendo com que tropeçasse e caísse.
Persistentemente o garoto tentou firmar-se no chão enquanto era arrastado velozmente para trás, mas ao perceber que não tinha como competir perante a força de seu adversário tentou virar-se para frente, no entanto o cadáver o impediu se jogando em cima dele, depois disso o ser o agarrou com seus braços frios e desta maneira o samurai ficou imobilizado.
Quando Tony já era capaz de sentir o hálito quente do defunto algo estranho acontece, imediatamente o morto saiu de cima dele fazendo com que o garoto pudesse novamente respirar aliviado.
Apesar de ter estranhado ele não ficou parado por muito tempo, porque naquela multidão de predadores estar parado seria praticamente suicídio, finalmente conseguiu pegar sua vela e virou-se para trás em posição de atirar, até que algo surpreendente o impediu de disparar: dois zumbis brigando entre si.
Uma luta feroz, com socos, chutes, mordidas e puxões de cabelos que eram executados de forma desajeitada, como se fossem dois bêbados no auge da embriaguez.
O samurai não sabia se deveria atirar ou deixar que se matassem.
O tempo passou e ele passou a entender melhor sobre quem ou o quê havia o salvado: um morto-vivo.
Um daqueles finados lutadores havia salvado sua vida, tirando o zumbi de cima dele e agora estava lutando por ele, "Que cidade maluca!"; pensou.
Alguns instantes depois passou a perceber algo peculiar: um deles estava cego. A cegueira explicaria o repentino ato de heroísmo e a revolta. E a cegueira não vinha de alguma doença, havia sido provocado pelo corte recente de algum instrumento cortante. Não havia humanidade no seu "defunto herói", algum vislumbre de consciência, no fim era só um cego confuso e desesperado.
Depois disso alguns mortos vieram intervir na briga, porém não para interrompê-la, mas sim para espancarem o zumbi cego, "então se um zumbi fica cego, ele vira saco de pancadas..."; Tony não pôde evitar umas risadinhas.
__ Do que está rindo?__ perguntou Micaelle aproximando-se dele.
__ Daquilo__ disse Tony apontando para a luta.
__ Mas... o que... eles estão brigando? Por quê?__ disse ela, perplexa.
__ Sei lá, só sei que um deles tá cego.
__ Cego?
__ É, sabe de alguma coisa?
__ Sei__ disse, reflexiva:__ eu ceguei um deles.
__ Interessante, foi justamente esse que salvou minha vida.
__ Como?
__ Um dos zumbis que o Rhodes jogou estava prestes a me devorar, ele estava em cima de mim e o ceguinho tirou ele de cima de mim, brigou com ele, até que veio esses outros pra se intrometer na briga.
__ Que pelo visto não estão do lado do seu herói.
__ Pois é. Eu sinceramente nem sei pra quem torcer.
__ Vocês estão bem?__ disse Alexis vindo até eles junto com Marcelo.
__ Estamos vivos, né? Bem é só quando a gente sair desse cemitério__ disse Micaelle.
__ Aqueles mortos estão brigando entre eles?__ indagou Marcelo.
__ É sim__ respondeu Tony.
__ Por quê?
__ Porque eles não gostam de deficientes visuais, o próximo pode ser você, quatro-olhos.
__ Do que está falando?__ disse Marcelo, ainda mais confuso.
__ Eu ceguei um desses zumbis enquanto estava lutando com ele e esse mesmo zumbi salvou a vida do Tony porque não consegue mais distinguir quem é amigo ou inimigo, daí ele está lutando contra um zumbi para defender o Tony sem saber disso__ disse Micaelle.
__ E o que os outros zumbis tem a ver com isso?__ indagou Alexis.
__ Bom, eles estão do lado do zumbi que enxerga.
__ Por quê?__ disse Alexis
__ Boa pergunta...__ disse Tony, pensativo__ boa pergunta...
Depois disso a briga finalmente se encerrou, o cego morreu, mas ainda conseguindo provocar muitos danos a todos os seus agressores. Depois disso, todos os mortos viraram-se para o quarteto e andaram até eles com o olhar sanguinário.
__ Eita, a briga acabou rápido, hein?__ disse Tony
__ Iutitia!__ disseram todos eles, juntos.
__ Rhodes já disse a nós o que essa palavra significava, é "justiça"__ disse Alexis.
__ Então até eles tem valores morais?__ disse Marcelo.
__ Acho que é, sociedade diferente, época diferente, apetite diferente, acho que eles não são só um bando de loucos com fome__ comentou Alexis.
__ Eles já foram humanos, e se eles agora estão procurando vingança por tudo o que perderam? Aconteceu com Jotun quando reviveu, ele queria matar você­­__ disse Micaelle.
__ É verdade... pelo visto quem volta dos mortos, ainda volta se lembrando de alguma coisa. Se Nicolau voltasse talvez ele fosse agir desse jeito também__ respondeu Alexis.
__ Pessoal, o papo tá bom, mas eles ainda estão vindo pra cá__ disse Tony.
Foi quando um zumbi foi lançando novamente e pousou em cima deles, desfazendo aquela formação.
__ Ótimo, ganhamos tempo, o que faremos?__ indagou Marcelo
__ Tem uma saída ali mais próxima__ disse Alexis, apontando para um enorme buraco mais á frente na muralha do castelo__ aquela abertura, nenhum zumbi vai pra lá, aliás, parece que eles nem saem daqui e é mais perto da gente.
__ Certo, mas e o nosso probleminha com o lançador de zumbis? Isso não o impede de continuar nos atrapalhando__ questionou Marcelo.
__ Ele só vai pode fazer isso se nos enxergar, eu tenho um plano__ disse Tony.
__ Quer ir lá cegar o Rhodes? Isso não é lá muito prático...__ questionou Micaelle.
__ Não, algum de vocês já brincou de cabra-cega?
Rhodes já não estava vendo mais o quarteto, parecia que ele havia vencido, pois um aglomerado de defuntos se formou, mas só queria acreditar quando visse os seus corpos, afinal aquela não era a primeira vez que parecia que os tinha na palma de sua mão, mas eles escapavam novamente. Não houve cordas, caldeirões, flechas, berserkers que os parassem, eles já provaram que não deveriam ser subestimados.
O bárbaro se aproximou e percebeu que havia uma agitação incomum naquela multidão, eles não estavam reunidos para banquetearem-se e sim porque estavam guerreando uns contra os outros.
Qual era a causa de tudo aquilo? Era o que queria saber, não se surpreenderia se descobrisse que a culpa era daquelas 4 crianças, afinal se sabiam como invocar também deviam saber como controlar, "parece que os sacerdotes lhes deram umas aulinhas".
Procurou encontrar o quarteto, porém não conseguiu os achar, "onde estão, seus pirralhos? Cadê vocês"; e em seguida notou algo novo no meio daquela multidão, alguns daqueles mortos estavam cegos, e estes cegos estavam lutando contra os não-cegos.
Quando encontrou os quatro, eles já estavam distantes, tão distantes que pareciam pequenas formiguinhas. Saíram por um buraco na muralha e logo as coisas ficaram mais claras para Rhodes.
Foram eles os provocadores daquele conflito selvagem entre aquelas criaturas, mas não foi por meio de feitiço que fizeram isso, foi por meio da inteligência. Eles cegaram alguns, empurraram uns contra os outros, assim criaram uma distração e uma forma de bloquearem a sua visão. Enquanto o grupo de Rhodes estava perdendo a força por conta da quantidade esmagadora daqueles inimigos, o quarteto de formigas usou essa desvantagem a favor deles.
Enquanto isso, o quarteto já estava fora do castelo e em frente ao fosso, no entanto se enganaram ao pensar que nada mais os impedia de sair daquela cidade.
Para além daquele fosso o reino estava infestado de mortos-vivos por toda a parte, milhares deles por todos lados vagando pelas ruínas e gritando a única palavra que pronunciavam, em um coro desarmonioso.
__ Estamos ferrados__ disse Tony.
__ Não, e-eu sou muito jovem para mor-morrer__ disse Marcelo, nervoso.
__ Todos nós somos__ disse Micaelle.
__ Também somos jovens para sermos professores e nós damos aula__ disse Alexis.
__ Eu não sou professor__ disse Marcelo.
__ Também somos jovens para saltar de paraquedas e saltamos, a gente ainda pode sair daqui__ disse Alexis.
__ Como?__ indagou Micaelle.
__ Não sei, tem algum plano, Tony?
__ Não__ disse Tony, engolindo a saliva.

A trilha- O tesouro de Nicolau VIIOnde histórias criam vida. Descubra agora