Capítulo 32-Tempestade

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__ Amei o seu discurso, Alexis. Talvez você possa usar seu talento como professor para ensiná-los que comer pessoas é errado ou pode usar sua experiência de paraquedista para escapar saltando para longe__ disse Marcelo, sarcástico.
__ Não seja tão duro com ele__ disse Micaelle.
__ Você está sempre defendendo ele. Que tal parar de bancar a advogada e arrumar um jeito de sairmos daqui?
__ Por que não tenta fazer o mesmo ao invés de só tagarelar?
__ Foi você que trouxe esses bichos pra início de conversa, era esse seu plano para sairmos daqui? Eu confiei em você porque esperava que soubesse como sairmos vivos daqui, não mortos.
__ E-eu... eu... eu...__ disse Micaelle, com raiva, mas procurando por uma resposta.
__ Eu o quê? Um zumbi comeu sua língua?
__ Ela não sabia de nada__ disse Alexis__ ela só fez esse plano, só invocou eles porque eu disse a ela que sabia que essas velas tinham algo fora do normal.
__ Então foi por isso que quase arrancou meu braço me impedindo de tocar naquela vela?__ indagou Tony.
__ Foi. Se forem culpar alguém, culpem a mim, não a ela.
__ Ótimo. Se morrermos aqui, nosso sangue estará nas suas mãos__ disse Marcelo, em um semblante sério e frio.
__ Por que não contou isso pra gente?__ perguntou Tony.
__ Porque não iam acreditar em mim__ disse Alexis__ eu vi fantasmas quando cheguei aqui, fantasmas dessas pessoas, todos eles estavam vagando pela cidade dizendo "Iutitia". Mas quando você ia tocar nas velas, percebi que todos eles pararam e ficaram te observando, eu não fazia a mínima ideia do que aconteceria se acabasse tocando, mas senti que não seria coisa boa. Como reagiriam se eu contasse isso pra vocês?
Todos ficaram silenciosos e pensativos por um tempo, até enfim Tony o cortar dizendo:
__ Bom, eu ia zombar de você se dissesse isso pra mim naquela hora e teria tocado na vela pra provar que estava errado.
__ E eu ia zombar junto só pra me vingar por ter me chutado para fora daquele avião__ disse Marcelo, com rancor na voz.
__ Bom, agora sabem porque não contei__ disse Alexis melancólico, e sentou-se na beira do precipício.
__ Então você é mesmo um claro evidente?__ disse Tony, surpreso.
__ É clarividente e sim, eu sou. Infelizmente__ e suspirou de tristeza.
Tony então sentou-se ao lado de Alexis, tocou em seu ombro e disse:
__ Obrigado por ter salvo minha vida naquele momento. Mas a culpa de tudo isso não é só sua, fui eu que toquei na vela.
__ E fui eu que o convenci a fazer isso__ disse Micaelle, também sentando-se ao lado dele__ além do mais, eu também distraí os bárbaros pra que ele fizesse isso, todos tem sua parcela de culpa__ depois fitou Marcelo profundamente, e disse:
__ Todos.
Marcelo devolveu o olhar com desdém, e disse:
__ Certo, ele sabe a origem disso tudo, mas não sabe como reverter? Qual o sentido?
__ Bom, você sabe o que causa uma tempestade, mas não sabe como impedi-la, qual o sentido?__ disse Micaelle.
Marcelo ficou sem palavras, tentou exprimir algum argumento a seu favor, mas não era capaz de pensar em nenhum.
__ Nenhuma resposta? Um zumbi comeu sua língua?__ disse ela, divertindo-se com aquela situação. Alexis sorriu em face daquela situação e disse:
__ Vocês são bons amigos, foi bom conhecer vocês.
Marcelo ficou em pé, inclinado na parede da muralha, observando os três sentados juntos, uma parte de si sentiu vontade de sentar-se junto com eles, mas seu orgulho falava mais alto. Dessa vontade reprimida veio uma profunda tristeza e frustração pelo medo de morrer sozinho, mas ao mesmo tempo diferente dos outros ele não queria se dar por vencido.
__ Não vamos morrer aqui,__ disse firmemente__ não vou deixar essas criaturas imundas e sujas me comerem. Tempestades podem até não ser impedidas, mas é possível sobreviver a elas.
__ Belo discurso, melhor que o meu até, tem algum plano?__ disse Alexis.
__ Não, mas 4 cabeças pensam melhor do que uma. Nós conseguimos superar todos os obstáculos juntos e se trabalharmos juntos vamos superar mais esse. Por mais que eu deteste admitir eu preciso de vocês, mas depois que sair daqui... vou embora pra casa. Aquela notícia fez os três se levantarem rapidamente.
__ Como?__ perguntou Alexis, surpreso com o que ouviu.
__ Foi o que ouviu, depois que formos embora dessa cidade, eu vou embora definitivamente.
__ Mas por quê? E todo aquele lance de provar pra mim que esse tesouro não é real?
__ Pois é, não quero mais. Não posso continuar arriscando minha vida por alguém que esconde coisas, que não confio__ disse Marcelo, fitando Alexis profundamente.
__ É por causa dos meus pais, não é?
__ Não, é porque sabe mais do que diz. Posso não saber como parar uma tempestade, mas nesse tempo que passei como inspetor de corredor aprendi a reconhecer muito bem um mentiroso quando vejo um.
Alexis demorou para responder, disse:
__ Olha só, eu...
__ Que tal começarmos pelo mapa?__ interrompeu-o Micaelle, em seguida tocou no ombro dele e sussurrou: "não é hora de discutir sobre isso, a prioridade é sair vivo".
A hesitação de Alexis deixou Tony intrigado.
Enquanto isso, Juníper, Solaria e Belanoite observavam de longe, sentadas em uma árvore frondosa e grande o suficiente para que tivessem ampla visão do reino; que estava ocupado como nunca havia estado há muito tempo. Milhares de mortos-vivos em todas as direções, (tantos que as fadas mal eram capazes de ver o chão) e vagavam sem uma direção definida, uns iam para a esquerda, outros para a direita, ou para lá e para cá, porém havia um espaço onde concentravam-se mais, que era próximo ao castelo, nesta parte uma boa parcela destes seres avançavam lá para dentro, era ali que a desordem desaparecia, pois ambos tinham um objetivo em comum para alcançarem.
__ De onde veio todos esse mar de mortos?__ disse Belanoite, perplexa. __ Sabes bem a resposta, Helheim. A questão não é onde, mas como__ constatou Juníper.
__ Se eles saírem de lá, os estragos vão ser enormes e este mundo vai estar ameaçado__ disse Solaria, com preocupação na voz.
__ Mas se entrarmos no reino perderemos os nossos poderes, e se não formos essa praga vai se espalhar e provocar uma destruição catastrófica__ disse Juníper, em seguida disse apreensiva__ Estamos de mãos atadas.
__ Mãos atadas? Tem de haver algum jeito!__ exclamou Belanoite.
__ Parece que só podemos contar com ajuda humana... de novo__ disse Solaria com desanimo, em seguida ficou pensativa e disse:__ é isso! Foram os humanos que trouxeram este problema através das velas!
__ Isto é dedo dos sacerdotes, isso deve fazer parte do mesmo feitiço que nos repele__ disse Belanoite__ que tal irmos até aqueles sacerdotes e tortura-los até dizerem como resolver esta calamidade?
__ Sabe que nós não podemos...__ disse Solaria.
__ Interferir diretamente, eu sei. Mas esta é uma emergência, que se danem as consequências, nem eles ligam para isso. Nos importamos mais com este mundo do que estes humanos malditos!
__ Mesmo se fôssemos voar até lá, por mais velozes que fôssemos, nada garante que as coisas não venham a piorar ainda mais na nossa ausência__ disse Juníper.
__ Por falar em pior, onde está Rhodes e seu grupinho?__ indagou Belanoite.
__ Eles eu já não sei, mas nosso "querido" quarteto eu já encontrei__ disse Solaria os avistando com sua visão de águia.
__ Onde?__ perguntou Belanoite.
__ Na muralha próxima da ponte.
Foi quando as outras os encontraram também.
__Então eles ainda estão vivos?! Miseráveis sortudos!__ disse Belanoite, indignada.
__ E com o mapa__ disse Juníper com desprezo.
__Mas não por muito tempo. Parece que há um lado bom no meio desse problema, os mortos vão cuidar direitinho deles, estão encurralados, daqui eles não saem__ disse Solaria com malícia na voz.
Os quatro estavam ajoelhados em volta do mapa, procurando alguma saída.
__ Da última vez que saímos daqui foi tão mais simples...__ lamentou Tony.
__ Da última vez tava tudo menos, digamos assim, movimentado__ respondeu Alexis.
__ Vocês se lembram da última vez que viemos aqui?__ disse Marcelo.
__ Sim, mas... parece que foram semanas__ disse Micaelle.
Foi quando Marcelo teve um insight, disse:
__ Ergam-se de Helheim, escravos da própria aflição, a luz é a própria servidão e lealdade. Eram essas palavras que estava em um dos santuários. Lembram?
__ Lembro, eu até falei Helralo e você me corrigiu__ disse Tony.
Marcelo deu um pequeno sorriso ao se lembrar, e depois disse:
__ Foi. Talvez é de lá que eles tenham vindo, Helheim.
__ Acredita mesmo nisso?__ indagou Alexis.
__ Não, eu nem sei porque eu relembrei isso, mas isso me fez pensar que precisaremos refazer nossos passos. Como nós saímos daqui? Qual direção seguimos?
__ Leste__ disseram os outros três em coro uníssono.
__ E como chegamos a essa conclusão?
__ Bom, eu disse que... que...__ disse Tony, esforçando-se para relembrar. __ Vamos Tony, você consegue__ disse Alexis.
__ Eu... eu... disse que o castelo era o marco zero, como na matemática que para se descobrir a raiz de uma função tem que primeiro encontrar o zero dela. Mas... mas... eu lembro que foi você chegou na solução, Alexis.
__ Eu?
__ Não, o vento, claro que é você!
__ Mas eu... não lembro.
__ Qual é, lembra sim, olha o mapa e se esforça pra se lembrar, eu sei que consegue.
Alexis ficou pensativo, fitou o mapa profundamente e enfim a lembrança veio-lhe a mente como um clarão: "Se observarmos um pouco mais... a trilha começou a partir do castelo de Nicolau praticamente e não pela cidade... se percebermos a trilha depois do castelo ela vai para leste significando que..."
__ A trilha começa pelo castelo, para sairmos daqui precisamos saber onde fica o leste. Eu lembro que... encontramos o leste pelas bússolas, começando pelo castelo.
__ O zero da função__ disse Tony.
__ Pois é__ disse Alexis, com um sorriso esperançoso.
Depois disso eles traçaram o trajeto para fora da cidade, a direção leste era a mesma direção da ponte do castelo conforme eles viram em suas bússolas. Optaram por irem em linha reta, na mesma direção que a ponte apontava.
__ Ótimo, sabemos pra onde ir, agora faltar saber como__ disse Alexis.
__ Não dá mais pra brincarmos de cabra-cega dessa vez, não é? Eles estão em uma quantidade absurda__ disse Marcelo.
__ Quanto maior a quantidade, maior o estrago__ disse Tony com um sorriso travesso.
__ Acertar os olhos não é lá a tarefa mais fácil de todas, eu acertei por um golpe de sorte__ disse Micaelle.
__ É, nós só acertamos alguns e olhe lá__ disse Marcelo.
__ Mas eu acertei bem mais__ disse Alexis.
__ Deixa de ser convencido__ disse Marcelo.
__ Não é ser convencido, não quando é verdade. Eu tenho o poder de prever o ataque adversário e isso facilitou pra mim.
__ Mesmo assim não foi o que mais acertou,__ disse Tony__ mas foi o que teve mais facilidade e deve ter sido por conta desse... poder__ ele teve uma ideia__ é! Pode funcionar, você teve sim mais facilidade e só não matou muitos porque lidava com inimigos novos, porque não é um espadachim e é o mais pior entre nós quatro porque não tem muita experiência com luta. Que tal se eu e Micaelle abríssemos um caminho e você nos protege como a gente fazia antes? Só que dessa vez você cega eles!
__ Ué, eu não sou o pior lutador entre vocês?__ disse Alexis com uma pitada de ironia.
__ Aaah, não se ofenda, você aprende rápido, até foi bem da última vez.
__ Ok, pode ser__ disse Alexis, um pouco mais conformado.
__Mas e eu?__ disse Marcelo.
__ Bom, você... você...
__ Pode mata-los, é capaz de acabar com vários de uma vez__ disse Micaelle__ vai arrasar esses sujos e imundos__ disse em um tom determinado.
__ Gostei...__ disse Marcelo com um sorriso de empolgação.
Depois disto eles partiram para a ação. Tony e Micaelle tomaram a dianteira, a arqueira alternava entre flechas comuns e flechas incendiárias, o samurai expelia suas esferas de fogo. Alexis e Marcelo tomaram a retaguarda, o paladino cegava os mortos-vivos, transformando-os em cabras-cegas que chifravam quem estivesse pela frente enquanto o cavaleiro liquidava vários de uma só vez com sua Excalibur.
E assim o quarteto abriu caminho, aquele mar de mortos foi dividido e secava-se por onde eles passavam. As fadas os avistaram impressionadas, pois quatro estavam fazendo diferença entre milhares, tão espetacular que apenas valquírias, deuses e heróis nórdicos eram capazes de repetir este feito, pelo menos até aquele momento.
__ Eles derrotaram um berserker, bárbaros, os melhores guerreiros de Rhodes e agora estão arrasando milhares de mortos-vivos como se fossem insetos! Enquanto isso nós em todo o nosso poder estamos impossibilitadas de mudar o rumo da situação, meros infantes estão fazendo mais diferença do que nós três, que temos o poder para proteger a natureza! Que vergonhoso!__ disse Juníper com frustração.
__ Acalme-se, minha irmã. Este não é o fim, fomos incumbidas de dedicar nossas vidas pelo bem de Midgard. E assim o faremos, nós iremos nestas ruínas e arrasaremos com eles, poderemos até perder o nosso poder, mas pelo menos iremos fazer a diferença e iremos morrer cientes de que lutamos até o fim!__ disse Belanoite.
__ Chega de regras, que se danem as consequências__ disse Solaria.
__ Ouviu ela, se até a nossa irmã mais certinha diz isso, sinal de que as coisas realmente devem ser assim__ disse Belanoite a Juníper.
As três ficaram de mãos dadas e suas mãos flamejaram. As três desceram da árvore.
Tudo estava indo bem para o quarteto, até que uma corrente enroscou-se no pé de Alexis e puxou para trás como se fosse um tentáculo, afastando o garoto do grupo. Tudo ocorreu de maneira tão imediata que o paladino só se deu conta da sua situação quando estava bem longe, seus gritos já não faziam mais efeito, ele já não era mais ouvido enquanto era arrastado velozmente.
Micaelle e Tony avançaram sem ele e Marcelo... onde estava Marcelo?
Por fim o paladino chegou a algum destino e surpreendeu-se com a visão de um já conhecido inimigo: Rhodes Astrid.
Enfurecidamente Alexis levantou-se e desferiu-se uma ataque com sua espada mirando na cabeça, Rhodes defendeu-se agarrando a lâmina com a mão que portava a manopla dele, depois fez o garoto ajoelhar-se ao puxar sua corrente, em seguida disse: __ Cumpra com sua palavra, onde está o mapa?__ ele estava sujo, fedia a cadáver, seus cabelos louros estavam sem brilho, escurecidos de terra, pareciam palha enlameada e estavam desgrenhados, dando-lhe um aspecto de louco.
__ Como conseguiu sobreviver? Você tá fedendo!__ disse Alexis.
__ Foi simples, me misturei entre esses carrapatos. Agora diga-me cadê o mapa, você perdeu o duelo.
__ Está bem longe de você, satisfeito?
__ Seja mais específico__ disse com os olhos arregalados e as narinas dilatadas.
__ Eu não sei. Não tá mais comigo, a pessoa que está com o mapa não sou eu. E a verdade é que eu venci esse duelo. Você perdeu todos os seus homens, não conseguiu o mapa e está bem longe de conseguir. Você tentou nos sacrificar por esse mapa e não conseguiu ele, depois sacrificou seu pai e seu grupo por esse objeto, mesmo assim não conseguiu. Você diz que é abençoado pelos deuses, mas se é mesmo tão abençoado por que até agora eles não realizaram seu desejo?
Rhodes ficou silencioso por um tempo, depois disse:
__ Eu lhes ofereci uma escolha: ou a vida ou o mapa.
__ E estamos vivos e você tá sem o mapa.
__ Mas não por muito tempo, vou matar um por um até conseguir o...__ interrompeu-se com um grito estridente, soltou a espada de Alexis e recuou.
Não demorou muito para Alexis saber o motivo do grito. Rhodes sangrava fortemente nas costas e Marcelo estava atrás dele com a espada pintada de rubro.
Um grande e profundo ferimento de espada ficou marcado nas costas, uma cicatriz profunda e aberta que percorria toda a sua costa em uma linha diagonal, tamanha era a dor que parecia que brasas estavam consumindo seu corpo.
Tirando proveito daquele estado vulnerável, Alexis o empurrou fortemente contra uma parede de pedra que, por sua vez, desmoronou em cima dele.
Alexis e Marcelo entreolharam-se, em seguida observaram o lugar que seu inimigo estava, como se estivessem aguardando que se reerguesse.
__ Acha que ele volta dessa vez?__ indagou Marcelo.
__ Vai. Ele sempre arruma um jeito de voltar.
__ Acho difícil, mas se estiver certo eu quero estar bem longe quando acontecer.
__ Eu também,__ olhou ao redor__ cadê os outros?
__ Não sei, quando você foi puxado eu tentei avisá-los, mas eles não me deram atenção. Então eu tive de pensar rápido, se eu fosse com eles você morria, mas se eu não fosse...__ interrompeu-se para atenciosamente olhar em volta__ como sairemos daqui? Aliás, como Rhodes conseguiu nos alcançar?
__ Ele estava fedendo, sujo como se estivesse há semanas sem tomar banho. Ele disse que se misturou com os carrapatos.
__ Como assim?
__ Ele fingiu que era um zumbi e funcionou já que o safado conseguiu me capturar, ou seja...__ interrompeu-se pois teve uma ideia.
Marcelo compreendeu o que Alexis planejava, observou-o com asco e disse:
__ Ah, não, não, não e não.
__ Pode funcionar. Se funcionou com o Rhodes, pode muito bem funcionar com a gente.
__ Que parte do: "ficar longe desses sujos e imundos" você não entendeu? __ Bom, tem duas escolhas: ficar com fedor de cadáver por um tempo ou morrer com eles enfiando os dentes e a língua em você.
Marcelo ficou pensativo, com uma careta de nojo pensando naquela forma tenebrosa de morrer ao mesmo tempo que tentava decidir. Por fim, chegou a uma decisão, foi no menos pior:
__ Certo, sabemos como sair daqui, agora resta saber onde. Olhe em volta, tudo é igual, só gente morta e destroços por toda a parte. Estamos perdidos.
Micaelle e Tony só se deram conta do sumiço de seus companheiros quando o vento passou a soprar novamente contra eles, pois estavam consumidos pelo calor da batalha. Atiravam incessantemente e agiam no automático, se um humano estivesse na frente deles atirariam nele sem pensar duas vezes, porque a esperança de encontrar uma saída os deixaram entusiasmados e estavam dispostos a destruir tudo o que os impedisse pela frente movidos pelo desespero.
Até que os mortos-vivos começaram a atacar por trás, o que os fez ficarem apreensivos e perceberem o sumiço de seus amigos.
__ Cadê o Alexis e o Marcelo?__ disse Tony ao empunhar a espada de ossos e a coloca-la em ação.
__ Eu não sei...__ disse Micaelle.
Ambos começaram a gritar pelos seus nomes várias vezes, mas não tiveram retorno algum.
__ Onde eles se meteram?__ indagou ela.
__ Eu não sei, será que eles...?__ interrompeu-se como se a próxima palavra fosse proibida, mas ele não precisou terminar a frase para que Micaelle entendesse.
__ Não, eles já passaram por coisas piores. Alexis derrotou um berserker e Marcelo, o Rhodes. Deve ter... acontecido outra coisa pra eles se separarem da gente.
__ O quê?
O número de zumbis só aumentava, a garota não sabia como responder, empunhou a espada e começou a ataca-la para todos os lados. Nunca havia lutado com tantos inimigos de uma vez, nem quando ela enfrentou uma alcateia inteira com seu pai. Se eles continuassem ali, morreram e o cansaço estava os consumindo, caso vacilassem a qualquer momento para descansarem seria fatal.
__ Precisamos sair daqui__ disse Micaelle.
__ Sem eles?__ disse Tony.
__ Sim__ respondeu com dor no coração e disse:__ Para ajudarmos eles, precisamos nos ajudar primeiro, não dá pra pensar direito numa solução com esse bando de carne podre nos cercando.
Para compensar a ausência de seus amigos eles tiveram de mudar a formação de batalha: desta vez Micaelle iria abrir caminho por ter flechas que se multiplicavam e Tony a protegeria por ser mais rápido e ágil com a espada. Foi desta maneira que finalmente a dupla conseguiu sair sã e salva.
__ E agora?__ disse Tony, profundamente cansado.
Estavam fora dos limites da cidade, entre a floresta e o reino em ruínas. Micaelle não respondeu a sua pergunta, não sabia o que responder até que...
__ Câmbio, câmbio__ disse uma voz familiar no walkie-talkie.
A fonte do som era a mochila de Tony, que apressadamente a abriu com tamanha força que quase a rasgou no meio, depois pegou o objeto e respondeu em um tom alegre:
__ Nicolau balofo. Onde estão?
__ Bom, é difícil descrever, é tudo igual por aqui: gente morta faminta e ruínas__ disse Alexis.
__ Tá tudo bem com vocês?__ perguntou Micaelle.
__ Na medida do possível sim. Estamos inteiros, mas o Marcelo vomitou um pouco.
__ Por quê?__ indagou Tony.
__ Bom, a gente teve que... fazer uns sacrifícios pra não ser comido vivo.
__ Tem sangue de zumbi impregnado na minha pele, na minha roupa e esse cheiro... você me paga, Alexis__ disse Marcelo entre os dentes.
__ O que aconteceu?__ indagou Micaelle.
__ O Rhodes aconteceu__ respondeu Marcelo.
__ Ué, pensei que tínhamos nos livrado dele__ disse Tony.
__ Bom, ele arranjou um modo de voltar. Ele camuflou-se entre os mortos, depois disso ele nos seguiu e me puxou pra longe de vocês. Ele estava fedendo a cadáver, sujo e de um vermelho bem escuro, quase preto, devia ser sangue e não era o dele__ disse Alexis.
__ Daí eu voltei para salvar a vida de nossa donzela indefesa e dei um jeito no Rhodes__ disse Marcelo. __ Minha nossa, como a gente não percebeu isso?__ questionou Micaelle intrigada.
__ Nos perguntamos a mesma coisa__ disse Marcelo.
__ E agora tem sangue de zumbi no corpo de vocês e é assim que estão se disfarçando?__ indagou Tony.
__ Infelizmente__ comentou Marcelo em um tom melancólico.
__ Que nojo! E pensar que ontem você estava removendo um corpo__ disse Tony de forma jocosa.
__ Nem me fale.
__ E vocês, onde estão?__ indagou Alexis.
__ Bom... a gente já tá fora da cidade, basicamente perto da fronteira__ respondeu Micaelle, depois dirigiu-se a Tony__ como a gente vai ajuda-los? __ Eu sei lá__ depois deu uma olhada em volta, pensativo, procurando uma solução, viu a direita deles, também próximas a fronteira, três mulheres com asas semelhantes a de libélulas no dorso, soltando fogos pelas mãos, boca e olhos para acertarem os mortos-vivos__ olha ali, Micaelle__ disse Tony apontando para elas__ elas não te soam familiar?__ questionou impressionado.
Micaelle olhou para onde ele observava e ficou admirada.
__ O que é aquilo? São mulheres com asas de inseto?! Não, nunca vi na vida, e ainda soltam fogo!
__ Pois é, pelas mãos, olhos, boca, só falta soltar pelo...
__ O que estão vendo?__ perguntou Alexis, curioso.
__ Lembra daqueles mulheres com asas de libélula que você viu na Cabana?
__ Que mulheres? Não lembro.
__ Na Cabana dos Enfermiços, quando a Gwenda enfeitiçou sua espada e viu as "mulheres libélula" naquela visão! __ As... "mulheres libélula" que estavam ajudando o Rhodes a reviver o pai?!
__ Sim, elas estão aqui por perto. Estão matando zumbis aqui perto da fronteira, soltando um tipo de fogo azul neles.
__ Então elas estão do nosso lado?!__ indagou Alexis.
__ Se elas ajudaram o Rhodes a criar o berserker então com certeza não, acho que o certo é dizer que nós e elas temos um inimigo em comum__ disse Tony.
Alexis ficou em silêncio por um bom tempo, o que os preocupou.
__ Alexis? Tá tudo bem?__ perguntou Micaelle.
__ Tô, eu só... me lembrei de algo.
__ Do quê?
__ Esquece, não é importante no momento.
__ Vocês tem alguma ideia de como sairemos daqui?__ perguntou Marcelo.
__ Bom, eu sou o Samurai de fogo, mas diferente das nossas inimigas com asas eu não posso soltar... soltar...__ Tony interrompeu-se, pois teve uma ideia__ espera, eu posso soltar fogo.
__ Você enlouqueceu?__ indagou Marcelo.
__ Acho que o cansaço tá afetando a mente dele__ comentou Micaelle.
__ É sério, eu tenho uma vela que lança fogo! Eu posso usar isso a nosso favor.
__ Você não pretende voltar lá, pretende?__ questionou ela.
__ Não, eu vou ser o farol deles__ disse com um sorriso otimista.
__ O que vai aprontar?
Do outro lado, Alexis e Marcelo ficaram intrigados com os cochichos ininteligíveis, até esqueceram-se um pouco da tensão que sentiam de estar entre os predadores, que podiam atacar a qualquer momento.
__ Oi?! Tem alguém aí do outro lado?! Se a conversa está boa, a gente pode participar?__ disse Marcelo preocupado.
__ Olhem para o céu__ disse Micaelle.
__ Por quê?__ questionou Alexis.
__ Porque o Tony vai mandar um sinal da nossa localização nele.
__ Que sinal?__ indagou Marcelo.
__ Vão saber quando aparecer__ disse ela misteriosamente__ câmbio, desligo.
Marcelo e Alexis entreolharam-se confusos, mas acataram o pedido. Atenciosamente olharam para o céu.
Uma esfera brilhante apareceu, vindo de um lugar desconhecido, mas que vinha da terra firme, subia para o alto, o brilho era de cor amarelada, vibrante e quase ofuscante apesar de estarem em plena luz do dia.
__ Parece um vaga-lume__ comentou Marcelo.
__ Vaga-lumes não brilham tanto assim, parecem estrelas.
__ Mas estrelas não sobem da terra para o céu,__ começou a perceber que a estrela parecia ser feita de fogo e estava deixando rastro de fumaça__ porém parece mesmo uma miniatura do sol.
__ Estão vendo?__ perguntou Micaelle. __ Estamos__ responderam eles. Foi quando as coisas ficaram mais claras, o brilho no céu era uma bola de fogo que foi atirada através da vela de Tony, basicamente um sinalizador improvisado.
__ Tony vai atirar mais dessas bolas de fogo, sigam elas.
__ Certo__ disse Alexis.
Tony atirava os fogos para cima, posicionando de uma maneira que parecia que estava segurando um rojão. Micaelle o protegia, estava posicionada na sua frente, atirava nos predadores humanos que vinham os atacar, era como se Tony fosse um farol e ela a guardiã do farol.
Várias bolas de fogo eram atiradas, elas tinham o tamanho de balas de canhão. Alexis e Marcelo seguiram o caminho até lá à risca, porém nem tudo era flores. Aquela luminosidade chamava atenção até demais, o que atraiu muitos mortos para lá assim como mosquitos são atraídos pela luz. Aquele "sinalizador" deixava seus amigos expostos aos inimigos, desde os mais distantes até os mais próximos.
Entrementes, as fadas transformavam os zumbis em cinzas com suas rajadas de fogo fátuo. Suas mãos ao atirar pareciam lança-chamas, aquele grupo também chamava atenção.
As chamas azuladas eram atraentes e fatais, se por um lado Tony atirava fogos para orientar, elas atiravam fogos para exterminar. Elas eram os maiores predadores que Micaelle e Tony temiam, pois poderiam virar o alvo da vez sob uma simples virada de olhar daqueles misteriosos seres alados.
As luzes da vela de Tony eram atiradas de 12 em 12 segundos, Alexis e Marcelo atentavam-se bastante para o céu ao mesmo tempo que cautelosamente buscavam manter seus respectivos disfarces. Não foi tão difícil lidar com aquela multidão de início, pois muitos iam em direção a luz, até que a medida que a dupla aproximava-se mais de seu destino o aglomerado começou a ficar mais concentrado, tornando o caminho mais estreito e apertado.
__ Tá tudo bem, gente?__ indagou Micaelle.
Como Alexis e Marcelo estavam próximos demais das criaturas aquele som passou a despertar desconfianças, grunhidos e rosnados foram ouvidos.
__ Micaelle, é melhor nos falarmos depois__ sussurrou Alexis.
__ Por quê?__ disse ela.
__ Esse walkie-talkie tá atraindo atenção demais.
__ Ok, desculpa. Câmbio, desligo.
Por fim, passado algum tempo desse caminho estreito eles enfim puderam ver os rostos de seus amigos. Micaelle atirava freneticamente e quase atira neles por não os reconhecer.
__ Calma, somos nós__ disse Marcelo que levantava os braços junto com Alexis. Eles se abraçaram, alegres e cansados.
Enquanto isso, as fadas perceberam algo.
__ Nossas bolas de fogo não perdem efeito dentro da cidade, será que...?__indagou Solaria.
__ Podemos arriscar em entrar nela, por que não?__ comentou Belanoite.
__ Humanos!__ avisou Juníper.
__ Onde?__ comentou Solaria.
__ Ali!__ apontou para o quarteto.
Quando todas puderam avistá-los, sem pensar duas vezes, atiraram uma longa rajada de chamas pelas mãos.
Alexis e Marcelo tiveram seu primeiro encontro com aqueles seres através do medo, as fadas hostis os fizeram saltar para a floresta adentro junto com seus amigos.
Caíram rolando, pois saltaram em uma região declinada. Percebendo a fuga de seus inimigos, elas ficaram ainda mais enfurecidas. Juníper tomou uma decisão.
__ Eu cuido deles, vocês lidam com os mortos.
__ Não, eu quero ir. Matar gente morta está me deixando entediada__ disse Belanoite.
__ Não, você vai mata-los instantaneamente do jeito que és impulsiva. Eu preciso conversar com eles, arrancar informações antes da parte divertida. Fique descarregando a sua fúria aqui, é o lugar perfeito, aproveite e quem saiba encontre algum humano por aí.
__ Mas...
__ Já decidi, basta de discussões, ao trabalho__ e voou floresta adentro. Belanoite ficou enfurecida com a irmã.
__ Nós ficamos com a parte mais arriscada, viu só? Ela confia em nós__ tranquilizou-a Solaria.
__ Eu queria a parte mais divertida.
__ A Juníper disse que tinha algumas perguntas, decerto que resistirão bastante em responder e ela ficará um longo tempo os convencendo a cooperar. Você sabe como os humanos são teimosos, se terminarmos rápido eu tenho certeza que poderemos acompanhar nossa irmã e ela nos receberá com prazer.
Belanoite ficou pensativa por um tempo, por fim disse:
__ Tendes razão. Vamos deixar Solaria arrependida de não participar da parte mais fácil__ e esboçou um sorriso, fechou os punhos que, por sua vez, passaram a flamejar.
__ É assim que se fala.
As duas voaram para dentro da cidade, a uma altitude bastante elevada, tão alto que quem estava na terra firme lhes parecia pequenos insetos.
Grandes jatos de fogo saíram de suas mãos enquanto percorriam juntas o país de Nicolau, bolas de fogo também foram expelidas e milhares de zumbis morriam, agonizavam e viravam cinzas de uma maneira quase instantânea. Mas havia os que conseguiam fugir da cidade, as fadas lidaram com eles fazendo cipós germinarem no solo que, por sua vez, enroscavam-se em seus corpos, os aprisionando, quebrando seus ossos e os esmigalhando no chão.
Depois expeliram um gás tóxico, que junto as chamas provocavam um imenso estrago, uma nuvem de gás verde que incendiava quem estivesse dentro.
Também abriram grandes fendas no chão que fazia os mortos caírem aos montes, depois fechassem para que nunca mais saíssem de onde vieram. Da aldeia era possível ver aqueles seres alados em ação, mas de longe parecia mais uma chuva de fogo.

A trilha- O tesouro de Nicolau VIIOnde histórias criam vida. Descubra agora