Jasmine
Assim que desço as ladeiras do Vidigal em direção a pista para embarcar em meu ônibus para o trabalho, cumprimento alguns vizinhos, os meninos do moto táxi dançam passos de funk animados, hoje é sexta feira e a comunidade inteira fica animada, afinal em cada viela se ouve um ritmo diferente tocar, predominando o funk e o pagode, porém, confesso que o sertanejo e o forró também possuem o seu espaço.
Quando estou quase chegando no ponto de ônibus sou interceptada por Camila, minha amiga de infância, ela que é garota de programa, está chegando do trabalho, usa uma calça preta justa com brilho e um top que aumentam seus seios e expõem sua barriga lisa, contrastando com meu vestido floral larguinho e rasteirinha, o cabelo liso preso em um rabo de cavalo difere dos meus cachos soltos e revoltos, somos completos opostos, em comum só temos a pele negra, ambas em tons mais claros deixando nítido que houve uma miscigenação, nos amamos como irmãs.
— Bom dia. — cumprimento assistindo o seu revirar de olhos.
— Boa noite, Jas, ainda não dormi então ainda é boa noite. — reclama já colocando um cigarro na boca, o tiro de sua mão e o amasso no chão.
— Nada de cigarro antes do meio dia. — recrimino fazendo-a pegar os restos mortais do cigarro e jogá-lo a lixeira do outro lado da rua. Uma moto passa buzinando por ela que realmente desperta a atenção do público masculino. Retorna a minha frente sorrindo cínica. Camila sabe o que esperar dos homens, não há qualquer ilusão de sua parte.
— Você é tão careta.
— Como foi a noite? — pergunto preocupada, odeio o quanto se arrisca, odeio que a vida a tenha levado para esse caminho.
— O de sempre, gringos, verão sempre lota de estrangeiros pela zona sul.
— Estou indo para o trabalho, vá dormir, não esqueça de se hidratar. — ela faz um biquinho de insatisfação, mas sei que ama os cuidados que tenho, minha amiga é carente de família e amigos, só tem a mim e a minha mãe, então esse carinho a afaga por dentro, eu sei, eu sinto.
— Se cuida. — diz segurando minha mão. — Jas, Vamos a Lapa, hoje a noite? Vou tirar uma folga para tomarmos um chopp juntas.
— Sei não Camila, estou cansada. — repenso, qualquer segundo que ela passe fora dos perigos da prostituição me são de grande felicidade. — pensando bem, vamos sim.
— Isso aí garota. — choca seu quadril na lateral do meu forjando uma dancinha, e gargalho, dou-lhe um abraço cheio de afeto e a vejo caminhar rebolando subindo a ladeira do morro, sorrio de seus trejeitos e bufo pensando o quanto já estou cansada da semana inteira.
Sigo meu caminho e fico aguardando uns dez minutos o meu ônibus passar, porém, preciso correr já que o ônibus parou bem a frente de onde eu o aguardava no ponto, subo esbaforida e olho feio para o motorista, passo o meu cartão de passagem na máquina e passo na roleta e a mesma ainda não me dá acesso ao inteirior, aí faço o famoso pedido carioca: — Libera aí, piloto.
Sento no banco mais alto do ônibus, é uma mania de infância que eu carrego e venero a paisagem, a orla cheia, a praia com ondas revoltas, como é linda a zona sul do Rio de Janeiro, cada pessoa que vejo parada do lado de fora do ônibus tento imaginar como são suas vidas, seus planos, seus sonhos, sou curiosa por natureza.
Ir para o trabalho vendo a praia ao fundo e ouvindo bossa nova em meus fones de ouvido é uma dádiva, amo minha cidade, tudo bem que o automóvel tem as janelas sujas, o banco que estou sentada está solto, o mesmo está mal conservado, mas em nada tira a beleza da vida.
Assim que desço próximo ao meu trabalho, avisto o enorme prédio preto espelhado, a Guedes Engenharia, uma grande empresa nacional na qual tenho orgulho em fazer parte.