Naquele mês, trinta famílias italianas chegaram à Fazenda Boa Fé em busca de uma vida mais próspera. Lá encontraram moradias simples, pequenos cômodos preenchidos por móveis básicos e precárias condições de higiene, além de muito trabalho. Aliás, trabalho era o que não faltava para manter a autossuficiência da fazenda, que também cultivava cereais, mandioca, frutas e hortaliças, além de criar animais.
Os imigrantes logo perceberam que a vida na terra nova não seria tão fácil como imaginavam; passaram a viver de maneira que de forma alguma se assemelhava à vida na Itália. Não tardou para perceberem que todas as promessas jamais seriam cumpridas e que dificilmente ali teriam uma vida mais próspera.
Todos trabalhavam duro por quase nada no final do mês. Do salário, eram descontados os gastos com a viagem até o Brasil e as com- pras feitas na mercearia da fazenda. Estavam presos ali, isolados do restante do mundo. Mas Joel não reclamava, pelo menos havia dado um novo sentido à sua vida. Teodoro se esforçava para manter viva a esperança de dias melhores. E Gertrudes pensava num jeito de mudar aquela realidade.— Mais um dia que se inicia... — Comentou Joel ao entrar na pequena cozinha, onde Gertrudes e Teodoro tomavam o desjejum.
— Infelizmente! Triste é ter a certeza de como ele terminará. Essa rotina está me deixando louca! — Resmungou a filha.
— Quanto desânimo! — Repreendeu Teodoro — Melhor do que ficar reclamando, é pensar na melhor maneira de aproveitar o dia!
— Não podemos aproveitar a vida presos a essa fazenda! Como me arrependo de ter deixado minha querida Itália! — Retrucou Gertrudes.Joel sentiu a lamentação da filha.
— Sinto muito por ter cometido mais esse erro. — Ele respondeu cabisbaixo.
— Chegamos há tão pouco tempo... ainda é cedo para julgar a nos- sa escolha como errada. — Teodoro fixou o olhar em Gertrudes — O importante é que estamos juntos e assim enfrentaremos toda e qual- quer dificuldade.
— Como você é otimista! — Gertrudes ironicamente respondeu.
— Claro que sou! Afinal, qual o motivo de estarmos aqui? — Perguntou Teodoro.
— Pensávamos em encontrar uma vida melhor, mas quebramos a cara!
— Lutemos por isso, então! Gertrudes, toda vitória exige esforço.
— Passamos 40 dias cruzando o oceano Atlântico. Exaustos, tive- mos que viajar por 14 horas montados em lombo de burro para chegar à fazenda. E, quando aqui chegamos, o que encontramos? Trabalho pesado!
— Pois façamos valer a pena todo o sacrifício! — Teodoro tentou motivar a namorada.
— Quero saber como podemos conseguir mais da fazenda do que já temos! Este lugar não tem nada a nos oferecer. Vocês não conseguem enxergar a realidade?
— Se deu certo para tantos, também dará para nós! — O jovem disse confiante.
— Concordo, Teodoro. Maldizer-se não mudará nossa situação aqui. Dias melhores hão de chegar. — Falou Joel se levantando da ca- deira. E, antes de se retirar, pôde escutar a filha murmurar:
— Espero mesmo! Não estou disposta a perder minha vida nesse lugar!Joel saiu de casa sem dar a Gertrudes a resposta que merecia.
— Isso é jeito de falar com seu pai? — Repreendeu-a Teodoro.
— Falei apenas verdades. — Ela replicou.
— Você não percebe o quão pesado é o fardo que Joel carrega? É claro que ele se sente culpado pelo rumo que as coisas tomaram, pela mudança causada em suas vidas e por estarmos aqui agora. Não o faça sofrer mais!Gertrudes se sentia frustrada. Desde que nasceu, recebeu dos seus pais o melhor. Joel se dedicava ao trabalho para proporcionar à família tudo que desejasse. Maristela foi uma mãe afetuosa, protetora e, sobretudo, gostava de realizar os desejos da filha. Gertrudes cresceu num ambiente de muito amor, mas também sem a mínima noção de limite. Foi ensinada pelos pais, mesmo que inconscientemente, que tudo lhe era permitido. Ela era o centro da família; pai e mãe estavam preocupados sempre em satisfazê-la. Porém, a não imposição de limites pode causar graves danos à personalidade. Gertrudes formou sua personalidade de maneira egocêntrica, importava-lhe apenas o que sentia. Se ela estava triste, o mundo todo também deveria assim estar; era totalmente alheia ao sentimento do outro. Quando Maristela faleceu e Joel ficou deprimido, Gertrudes, na verdade, não estava preocupada com o estado emocional do pai, mas sim com os resultados das atitudes dele, que destruíam os bens da família. E, com a realidade atual, ela não tentava esconder sua frustração em ali estar, mesmo que isso causasse constrangimento ao pai.
Desde a sua chegada na fazenda, a moça italiana estava chateada com a nova rotina e estava cada vez mais certa de que não era destinada àquilo. Acordava cedo para fazer o café, em seguida arrumava a casa e fazia o almoço. Depois de cumprir as obrigações domésticas, corria para a tulha para ensacar os grãos. Voltava para sua moradia no final da tarde, ainda antes dos homens da casa e, mesmo cansada, tinha de preparar o jantar. Estava sendo mesmo difícil para a mulher que fora criada para ser servida, agora ter que servir.
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Encantos do Café
RomanceUma família italiana decidiu mudar-se para o Brasil, após a perda de todos os seus bens e para fugir da crise que a Itália se encontrava. Seu destino era a Fazenda Boa Fé; propriedade da família Arutes e uma das maiores produtoras de café do início...