Capítulo 18

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Fazenda Boa Fé, 26 de setembro de 1902.

O grande dia chegou e antes mesmo de o sol nascer, Gertrudes já estava de pé. Aquele dia marcaria o início de uma nova vida e poria fim a todo sofrimento vivido por ela até então.

Era de se esperar que Gertrudes estivesse eufórica, mas não estava. Ela só conseguia pensar que também aquele seria o dia em que Teodoro partiria, saindo definitivamente de sua vida. Ela foi tomada por um profundo sentimento de angústia, uma lágrima rolou em seu belo rosto. E bastou apenas que a primeira lágrima caísse para que Gertrudes se desmanchasse em choro.
"Sua boba, você não pode ser tão emotiva!"— Pensava.

No mesmo instante, a Baronesa entrou no quarto em que a italiana estava acomodada. Gertrudes tentou disfarçar o choro, mas não conseguiu.

— Meu Deus! Olha o seu estado! — Assustou-se a Baronesa ao ver os olhos de Gertrudes inchados.

Aquela cena precisava ser justificada:
— Estou um pouco nervosa.
— Um pouco? Eu diria bastante nervosa! Parece até que um desastre lhe aconteceu!
— Tudo que eu queria era a presença da minha mãe. — a jovem disfarçou.
— Ah, minha querida. Hoje é o dia mais importante de sua vida e é natural você desejar a presença das pessoas que ama. Mas sua mãe iria querer ver felicidade em seu rosto e não lágrimas. Tente controlar-se para não estragar a maquiagem durante a sua festa. — Passou a mão no delicado rosto da futura nora — Respire fundo. Ainda temos tempo até a cerimônia para você se recuperar. E tenho certeza de que você não irá querer apresentar-se com os olhos inchados!
— Com certeza não. — Gertrudes tentou dar um sorriso.
— Pois faça este esforço, sim? Quero que esteja perfeita em sua festa. Você é como uma filha para mim, querida. — Beijou-lhe a testa.
— Obrigada, Baronesa. Eu não mereço tanto.
— Claro que merece. Deus nos dá conforme merecemos. — Despediu-se com um sorriso carinhoso.

Aquela era hora de tomar posse do presente que a vida lhe oferecera. Para usar na cerimônia, Gertrudes escolheu um vestido longo de renda, com corpete, mangas cheias e de cor branca; uma réplica do vestido usado pela Rainha Vitória da Inglaterra em seu casamento com o príncipe Albert. Aliás, o uso da cor branca para os vestidos de noiva foi influência da Rainha Vitória, que escolheu esta cor para simbolizar a pureza do seu amor. A marcha nupcial escolhida por Gertrudes também foi a mesma usada pela rainha.

O relógio marcava 08:50h. A capela da Fazenda Boa Fé já estava lotada pelas pessoas mais importantes da região; estavam ali mais por curiosidade do que para celebrar a união, pois toda a cidade comentava sobre a boa sorte da moça que passara de lavradora à noiva do filho do Barão.

Enfim, o automóvel chegou trazendo Gertrudes. As portas da capela estavam fechadas,  à espera de sua entrada triunfal. E, quando ela se preparava para caminhar até Joel, que a esperava em frente à porta da capela, escutou seu nome ser pronunciado. Olhou para o lado. Era Teodoro.
— Você está incrivelmente linda. — Ele disse se aproximando.
Gertrudes o olhou surpresa.
— Você não deveria estar aqui. — Falou nervosa.
— Eu sei. Vim apenas dizer-te adeus. Precisava vê-la casando com outro homem para que meu coração entenda de vez que te devo esquecer.
Gertrudes suspirou longamente.
— Um dia você entenderá. — Ela falou.
— Talvez. E quero que saiba que, mesmo me causando todo o sofrimento que eu poderia suportar, desejo que seja muito feliz.
Os olhos da moça se encheram de lágrimas.
— Seu coração é lindo, Teodoro. Eu realmente não o mereço.

A banda começou a tocar a música de entrada da noiva.

— Você precisa ir. — Falou Gertrudes — Prometa que mandará notícias.
— Essa promessa não poderei fazer. Quero esquecer tudo o que aqui vivi, inclusive você.
— Eu amo você. — Gertrudes falou levando a mão à boca, tentando segurar o choro.

Emocionada, ela caminhou para a entrada da capela. Joel lhe deu o braço.
— Está tudo bem, minha filha?
— Ficará, papai.
— O tempo cura todas as coisas.
— Eu sei disso.
— Então podemos entrar?
— Sim, estou pronta. — Ela respondeu cheia de certeza.

Ao som da marcha nupcial de Mendelssohn, a italiana adentrou a capela de São Sebastião. Imperiosa, fingiu não perceber os cochichos entre os convidados. O que realmente importava era que Arutes estava bem à sua frente, no altar, à sua espera e que ela caminhava para uma nova vida.
Enquanto isso, Teodoro se afastava da capela emocionado. Gertrudes estava incrivelmente bela para ser entregue a outro homem. Por que tinha de ser assim? — Ele lamentava. Era o fim da história que começou a ser escrita ainda no início de sua adolescência e que agora ele estava sendo obrigado a esquecer. Seguiu para a casa de Olívia.
O rapaz havia escrito uma carta despedindo-se dela e queria deixá-la quando todos estivessem na capela e a casa vazia. Mas enquanto se dirigia para lá, acabou encontrado a moça no meio do caminho.

— Pensei que você estivesse na capela. — Teodoro falou surpreso.
— Acabei me atrasando. E você também não deveria estar lá? Para aonde está indo? — Olívia perguntou.
— Ia à sua casa.
— Estou tão atrasada assim, a ponto de precisar vir me buscar? — Ela brincou — E este envelope em sua mão?
— É uma carta que escrevi para você. Estava indo deixá-la. — Ele falou entregando-lhe.
— Uma carta para mim? Estou curiosa. — Disse rindo. Mas logo o sorriso se desfez:

Querida Olívia,

Os meus dias nesta fazenda tornaram-se mais felizes desde a sua chegada. Você me foi uma excelente amiga e namorada, com quem compartilhei minhas fraquezas e foi quem amenizou o meu sofrimento. Por estas razões torna-se tão difícil me despedir de você e como me faltou coragem de fazê-lo pessoalmente, resolvi escrever-lhe.
Desejo que sua vida seja tão alegre quanto o seu sorriso. Desejo que encontre alguém especial, pois você merece ser amada e cuidada como ninguém. Perdoe-me a falta de coragem.

Teodoro Veronesi.

— O que é isso?! É uma carta de despedida? — Olívia perguntou sem acreditar.
— Sim, é. — O italiano respondeu sem jeito.
— E você iria embora sem falar comigo?
— Eu não conseguiria...
— E por que ir embora tão repentinamente? Está fugindo de quê? Ele se manteve em silêncio, mas sua falta de palavras foi suficientemente esclarecedora para Olívia.
— É ela, não é? Ela é o verdadeiro motivo do seu sofrimento. E agora o motivo de você abandonar a fazenda, abandonando-me também!

Teodoro a encarou.
— Era ela, agora não mais. — Confessou.
— Você poderia ter me contado.
— Não havia necessidade, não adiantava mais. Gertrudes se tornou tudo o que desprezo em uma mulher.
— Eu não entendo! Se ela se tornou irrelevante, por que ir embora agora?
— Porque preciso procurar uma vida melhor. Juntei um dinheiro que será suficiente para me manter até encontrar um bom emprego.
— Como você teria coragem de não me dar o direito de me despedir?! — Olívia questionou decepcionada.
— Eu não saberia como fazer, perdoe-me. Você é uma mulher tão especial... mostrou-me que a docilidade e a braveza podem estar jun- tas numa mesma pessoa. Encorajou-me, foi uma boa ouvinte, uma ótima conselheira. É difícil dizer-te adeus.
— Pois não me deixe. Leve-me com você.
— Eu não poderia fazer isso.
— Por que não? — Olívia insistiu.
— Porque nem ao menos sei para aonde vou nem o que farei.
— Decidiremos juntos, então.
— E como ficará sua família?
— Mandaremos notícias depois. Mas esta é minha chance de viver o amor, como também de sair da fazenda. Por favor, você não pode deixar-me aqui. — Suplicou.

Teodoro, pensativo, olhou a mata à sua frente. Depois, direcionou o olhar para o chão de terra batida e declarou:

— Você é uma mulher virtuosa, digna da admiração de qualquer homem. Juro, de todo o meu coração, que você tem todo o meu respeito e lealdade.
— Com o tempo também terei o seu amor. — Respondeu a moça.
— Não duvido disso. Agora devemos nos apressar, pois tomaremos o trem das 10 horas.

Então, foram os dois à casa de Olívia para que ela pudesse apanhar algumas roupas e seus documentos. Em seguida, se dirigiram ao estábulo para Teodoro pegar o burro que os levaria à estação de trem. Ao passar pelo portal da fazenda, Teodoro fez o burro parar. E olhando para a propriedade, falou para Olívia:
— Nossos pés pisarão em solos mais férteis.

Não tardou para que toda a fazenda sentisse falta do casal, que teve sua ausência justificada pela fuga para estarem juntos. Gertrudes não esperava que Olívia partisse com Teodoro, mas pediu a Arutes que im- pedisse o Barão de procurar por eles. E foi assim que o jovem italiano conseguiu sua liberdade.

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