Capítulo 08

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O Barão da Boa Fé esteve insone durante toda a noite. Estava preocupado; no jantar com o prefeito de Vassouras, seu nome fora indicado para sucedê-lo. Ele era o homem mais influente economicamente da região e pela proximidade que havia tido com a monarquia brasileira, entendia bem de política, pois participara ativamente da política do Império. Mas agora o tempo era outro e, por incrível que pareça, o Barão estava incerto acerca do que queria.
Dirigiu-se ao jardim, onde encontrou Arutes observando o acordar da fazenda.
— Bom dia. — Cumprimentou o Barão, aproximando-se.
— Muito bom dia, meu pai! — Respondeu o jovem com vigor.
— Bom encontrá-lo aqui. Preciso ter uma conversa importante contigo.
— Tem minha atenção. — O filho assentiu com a cabeça.
— Estive ontem com o Prefeito e ele deseja indicar-me para sucedê-lo.
— O que já era esperado, meu pai. O Prefeito quer colocar em seu lugar o homem mais influente de toda a região e, sobretudo, um bom entendedor de política!
— Sim, sim. A indicação já me era esperada, mas é algo que não cobiço no momento. Todavia, não posso negar que seria importante para nossa família; maiores facilidades para os negócios e, principalmente, maior poder.
— Realmente é algo tentador. — Concordou o filho.
— Porém, os negócios consomem muito meu tempo, como também minha energia. Não posso me dividir entre a fazenda e a admi- nistração da cidade. Por isso estou pensando em lançar o seu nome em meu lugar.
— O meu nome indicado para prefeito de Vassouras?! — Assustou-se Arutes.
— Exatamente!
— Mas eu não tenho nenhuma experiência em política!
— Ah, Arutes! Você participa de todas as nossas reuniões; alguma coisa deve ter aprendido!

Arutes ficou pensativo. O Barão continuou:

— Ninguém sabe lidar tão bem com números quanto você! Deixe de medo, rapaz! — Bateu-lhe no ombro — Tenho certeza de que será um bom gestor da nossa cidade. Temos de fazer alguma coisa para que Vassouras volte a ter o prestígio de antigamente.
— Prefiro me responsabilizar apenas pelo o que é de nossa família.
— Você terá total apoio e auxílio do Prefeito. Ele tem interesse em manter-se vivo na política e, além do mais, já considera você o seu genro.
— Eis outro assunto que não estou certo.
— Como não? Alicinha é uma linda mulher. Tem todos os predicados que um homem é capaz de sonhar para si. A união de nossas famílias nos tornará ainda mais fortes.
— Há outras maneiras de nos tornarmos mais fortes. — Retrucou Arutes.
— Ah, você mais parece uma criança que não sabe o que quer! — Exclamou o Barão irritado — Pois deixe que seu pai te aponte o que é melhor! Escute a voz da sabedoria, meu filho! Você tem de saber aproveitar as oportunidades que a vida te presenteia. — Falou, batendo-lhe novamente no ombro e, em seguida, entrou no casarão.

Arutes, então, caminhou pensativo até o estábulo. Estava confuso, pois sabia que, pelo menos em parte, o pai tinha razão. Tornar-se prefeito poderia dar-lhe algumas vantagens e casar-se com a filha do prefeito em exercício, um dos homens mais poderosos do estado, complementaria seu poder. Pensar sobre isso o deixou atordoado. Montou, então, seu pujante cavalo marrom-avermelhado.

Quando passava pelo portal de saída da fazenda, avistou Gertrudes caminhando em direção ao casarão. O encontro não foi premeditado, mas uma coisa é certa: Arutes alegrou-se em vê-la.

— Aceita uma carona? — Ele convidou.
— Mas estamos caminhando em direções opostas; não quero incomodá-lo.
— Que mania a sua de achar que está sempre incomodando! — Disse ele sorrindo.

Ela retribui o sorriso. Arutes continuou:
— Não deve ser fácil caminhar por estas estradas calçando estes sapatos!

Gertrudes olhou para seus pés.
— Confesso que não é nada confortável. Os romanos, ainda antes de Cristo, faziam estradas melhores que esta! — Ela reclamou.
— Então aceite a minha carona. — O filho do Barão fez uma breve pausa — Na verdade, eu gostaria de levá-la para dar uma volta. Se não tiver problemas em montar um cavalo, é claro.
— O único problema é que a Baronesa me espera.
— Prometo que será um passeio rápido. Acho até que hoje é um ótimo dia para você perder a hora de se levantar. — Ele falou em tom de brincadeira.
— Estou convencida que sim.

Arutes lhe ofereceu a mão para que ela pudesse subir. Gertrudes timidamente apoiou-se em sua cintura.
— Segure-se bem, pois esse rapazinho é veloz.

A advertência de Arutes fez com que a moça se agarrasse bem à cintura dele, deixando os corpos bem colados.
Tomaram, em seguida, a estreita estrada que levava ao rio e, quando lá chegaram, caminharam até a sua margem.

— Que belo lugar! — Encantou-se a moça, observando cada detalhe da paisagem.
— Imaginei que não o conhecesse. — Arutes respondeu com o olhar fixo na água corrente.
— Como eu poderia? Estou sempre ocupada! Ora no casarão, ora em minha casa. Não tenho tido tempo nem para as minhas necessidades. — Gertrudes resmungou.
— Você costuma sempre reclamar das coisas? — Ele olhou para a moça.
— Ah, perdão. Você não tem nada a ver com os meus problemas. — Desculpou-se envergonhada.
— Estava apenas brincando. — E ao perceber o constrangimento de Gertrudes, Arutes sugeriu — Seria melhor se sentássemos, não?

A italiana concordou e os dois se sentaram de frente para o rio.

— Sempre te vejo trancado no escritório, nunca imaginei que você apreciasse a liberdade da natureza. — Comentou Gertrudes.
— Muito pelo contrário, gosto de cavalgar e desbravar essas terras quando preciso alinhar meus pensamentos ou quando me sinto sufo- cado pelas pressões da vida.
— Você quis cavalgar hoje... está tudo bem? — Ela perguntou preocupada.
— Preocupa-me uma decisão importante que tenho de tomar. — Ele passou a mão na cabeça — Porém, por mais que eu pense o tempo todo no assunto, não consigo chegar a nenhuma conclusão.
— Será que posso ajudá-lo? Minha mãe dizia que os conselhos devem ser sempre bem-vindos.
— Estou sendo persuadido por meu pai a ser prefeito de Vassouras, mas ocorre que não tenho nenhuma vocação nem entusiasmo para a política. — Desabafou. — Tenho outros projetos para a minha vida.
— Mas você não quer decepcionar o Barão...
— Boa conclusão.
— Arutes, sei que deve total respeito a seu pai, mas penso que você já é um homem feito e que deve tomar as rédeas da própria vida. Cabe apenas a você decidir o melhor caminho a trilhar.
— Isso é verdade. — Concordou pensativo.
— Você não pode sacrificar os seus sonhos por planos de terceiros, ainda que seja seu pai esse terceiro. E se isto que está passando é capaz de te tirar a paz, talvez não seja o melhor.
— Faz sentido. — O Jovem desviou o olhar para a água por alguns segundos — Mas chega de assunto desagradável, agora quero saber um pouco sobre você.
— Sobre mim? — Gertrudes perguntou surpresa — Não há nada de interessante na minha vida.
— Aposto que há. Mamãe falou que sua família gozava de boa vida na Itália, mas que o falecimento de sua mãe fez com que a situação mudasse.
— Sim, minha vida mudou radicalmente, de maneira tão rápida que meu pensamento seria incapaz de alcançar sua velocidade. Jamais imaginei que passaria por tanta coisa ruim. — Lamentou — Tínhamos tudo e tudo perdemos: casa, loja, automóvel. Sem falar na perda da minha mãe, que era quem cuidava de nós. Então papai achou que aqui no Brasil teríamos mais oportunidades, mas na verdade nossa situação em nada melhorou. — Silenciou — Mas não quero atormentá-lo com meus problemas. Tenho fé de que as coisas irão melhorar.
— Você estava errada.

Gertrudes lhe lançou um olhar curioso.

— Esta é uma história de vida interessante, embora triste. — Explicou Arutes.
— Mas, ao contrário de você, não tenho escolhas a fazer. A vida me impôs circunstâncias ruins.

O filho do Barão ficou pensativo.
— Você mencionou que sua família tinha uma loja? — Ele perguntou.
— Sim, meu pai comercializava vinhos.
— Presumo que ele saiba negociar bem.
— Como ninguém! Ele é um excelente comerciante.
— Muito bom saber. Estamos procurando alguém para ser comissário no Rio de Janeiro e para cuidar do armazém que abriremos em breve. Seu pai pode ser a pessoa que precisamos.
— Ah, Arutes, seria maravilhoso! — Gertrudes exclamou com brilho no olhar — Ficarei eternamente grata se meu pai puder ocupar tal função. O trabalho dele é tão pesado e o pobrezinho não está acostumado com o serviço que faz na fazenda.
— Imagino, Gertrudes. Falarei com meu pai sobre o assunto e não vejo motivo para ele não concordar. Estivemos sondando alguns nomes para o emprego, mas negociar é realmente um dom que poucos têm, dom este que não herdei de meu pai.

Sem conseguir conter sua felicidade, a italiana abraçou Arutes, que não esperava por esta reação da moça.
Mais uma conquista: Gertrudes ganhara também a confiança do herdeiro. Ela entendeu que, finalmente, sua sorte estava mudando.

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