Capítulo 20

3 1 0
                                    

Enfim os donos da fazenda partiram, para a plena realização de Gertrudes. Ela não mais precisava gastar horas do seu dia com bordados e pinturas, como a sogra queria que ela fizesse. Como era tedioso se adequar àquela realidade! Mas agora que estava sozinha com o marido, Gertrudes se sentia mais à vontade para fazer o que realmente lhe interessava: inteirar-se dos negócios da família.

Logo Arutes percebeu a habilidade da esposa com as finanças, que superavam em muito os seus dons domésticos. Livre da presença inibitória do Barão, Gertrudes estava pronta para atuar nos negócios da família. Estava presente em todas as reuniões, participava das negociações e das decisões. E assim ela foi se tornando o braço direito do marido.

Três meses após a partida dos senhores da casa, uma carta destinada à Gertrudes foi recebida no casarão. Tinha como remetente a Baronesa Eleonora.

Estimada nora,

Espero que todos estejam bem. A saudade é grande, mas a felicidade de estar aqui faz com que a suportemos.
Escrevo-lhe para comunicar que Loreta deu à luz a um menino. É uma criança linda, cheia de saúde, que me faz lembrar de Arutes quando pequeno. Ele se chama Jonas, nome escolhido pelo Barão, que se encontra encantado com o neto.
Também tenho outro comunicado importante a fazer: meu marido e eu ficaremos nestas terras por mais tempo. Não queremos ficar longe do nosso netinho agora. Além do mais, Porto é uma cidade encantadora e me alegraria muito em aqui permanecer.
Peça a Arutes que continue enviando-nos a quantia combinada. O Barão pede para lembrá-lo sobre as negociações com a Companhia Café Brasilis.
Não temos previsão para retorno, portanto, cuidem-se. Com os melhores cumprimentos,

Sua sogra, Eleonora.

— Não pode ser! Ganhamos a nossa independência! — Gargalhou Gertrudes ao finalizar a leitura.
— Qual o motivo de tanta felicidade? Perguntou Arutes, que havia entrado na sala sem ser notado.
— Ah, meu marido, você não vai acreditar! Acabo de receber uma carta de sua mãe informando-nos que estão encantados com o neto e com a cidade e que lá ficarão por tempo indeterminado!
— Será que vão morar em Portugal? — Indagou com espanto.
— Parece que sim! Não é maravilhoso? Estou tão feliz por minha sogra, que desejava tanto aproveitar mais da companhia do Barão!
— Difícil de acreditar que meu pai está deixando tudo para trás.
— Ele sabe que pode contar com a sua competência e que agora a fazenda está em melhores mãos. — Falou abraçando-o — Desculpe-me, mas tenho que falar que você é melhor gestor que seu pai; é mais estudado, mais sensato e ainda pode contar com minha ajuda. — Sorriu — A Baronesa apenas pediu que a quantia acordada fosse enviada todos os meses. Ah! E o Barão pediu para lembrá-lo sobre o compromisso com a Companhia Café Brasilis.
— Sim, estou lembrando do compromisso. E se a Fazenda Boa Fé está em nossas mãos, significa que teremos muito trabalho pela frente; a fazenda passará por importantes alterações. Sempre foi um desejo meu comprar um maquinário mais moderno para o beneficiamento do café.
— Concordo com você! E podemos ainda ampliar a área de plantação.
—Também quero criar algumas cabeças de gado leiteiro.
—Tornaremos a fazenda muito mais produtiva! — O entusiasmo de Gertrudes fazia seus olhos brilharem.
— Sim, querida! — Arutes foi contagiado com o entusiasmo da esposa.
— Então vamos comemorar! — Falou Gertrudes, pegando uma garrafa de vinho no armário. — Brindemos à nova fase que se inicia!
E depois que encheu as taças, acrescentou:
— Ah, meu esposo, já que agora o casarão nos pertence, gostaria de poder viver a meu gosto. Essa casa também precisa de alterações para estar mais confortável para nós.
— Para mim ela está ótima, mas confesso que não entendo nada sobre arquitetura de interiores.
— Dê uma olhada nessas cortinas! Além de velhas, são de muito mau gosto. E a lareira mais parece um fogão no meio da sala! — Gertrudes resmungou.
— Bem, faça o que achar que deve. Só peço que nada seja retirado, apenas acrescentado. Toda a mobília está na fazenda desde a sua construção; é uma verdadeira relíquia de família.

Neste ponto Gertrudes discordava do marido. Para ela, tudo aquilo não passava de velharia.

Assim, a vida no casarão mudou consideravelmente. Uma fortuna foi gasta em cortinas de algodão egípcio e fios de ouro, porcelanas com o brasão da família, vitrais ingleses, lareira em mármore, enormes lus- tres de cristal. Tudo decorado com o que existia de melhor no mundo.
A fazenda passava por um período de grandes mudanças e Gertrudes buscou o auxílio de artistas estrangeiros para transformá-la. Novos ambientes foram acrescentados a casa: sala de visitas, sala de chá e biblioteca. Escultores fizeram lindas estátuas, que foram espalhadas por todo o jardim perfeitamente elaborado por um paisagista inglês. O pintor francês Jean Lott fez das paredes do casarão umas das mais lindas telas já pintadas. Gertrudes também contratou um arquiteto talentoso para decorar a casa, que perdia completamente sua antiga característica rural. E toda aquela riqueza não poderia ficar oculta; a partir daquele momento, grandes festas foram dadas, muitos jantares servidos.
As festas da Fazenda Boa Fé passaram a ser as mais esperadas pela elite do Vale do Paraíba, onde os mais nobres aperitivos eram servidos, acompanhados de boa bebida importada e jantar de fazer repetir. E, para encerrar a festa, uma apresentação da anfitriã não podia faltar. Gertrudes aprendeu a tocar piano ainda criança e tocava com perfeição; tinha um gosto realmente apurado e deleitava-se nas melodias de Mozart. O instrumento tinha lugar especial no salão de visitas e todos admiravam o dedilhar de Gertrudes quando tocava suavemente suas canções. Seu ego era, assim, alimentado pela nobre plateia.

Encantos do Café Onde histórias criam vida. Descubra agora