CICATRIZ DA MEMÓRIA

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   Fiquei estatístico por um momento tentando processar o que ela tinha acabado de dizer.

   - Como? -

   - É. - Deu um sorriso de lado.

   - Não acredito em você. -

   - Por que? -

   - Ele me odeia. -

   - Vai por mim, eu sei do que eu tô falando. - Cruzou as patas e se virou na minha direção.

   - Por que ele gostaria de mim? -

   - Por que? Porque meu amor, você com essa carinha de menino que gosta de levar uma é irresistível para os homens aqui, principalmente os aqui em baixo. Nem preciso ver seu rosto de verdade para saber disso. -

   - Wow, alguém finalmente soltou a língua. -

   - Pra ser sincera, olhando bem pra você agora, dá pra notar que não é uma ameaça. -

   - Não sei porque isso não me faz sentir melhor. - Serrei os olhos.

   - Tá garoto, agora é sério, você precisa sair. -

   - Você acha que eu já não teria saído se soubesse como?! - Me exaltei.

   - Shiii! Fala baixo. Quer que nos matem? - Sussurrou pra mim.

   - Desculpa... - Abaixei o tom.

   Ela suspirou fechando os olhos e fez uma cara pensativa.

   - Tá bom, me decidi! - Se deita de costas pra mim me deixando confuso.

   - Decidiu o que? -

   - Para sua sorte, sei como sair dessa ravina. -

   - Se sabe sair daqui tão fácil por que ainda não saiu? - Ela levantou o rosto pra mim.

   - Pra onde você acha que eu estava correndo antes de nos encontramos? -

   Fiquei em silêncio. Ela deu uma risada soprada e disse:

   - Boa noite garoto, amanhã temos que caminhar muito. Ah, a propósito... -

   A encarei com um olhar curioso.
  
    - Meu nome é Angel. - Sorri gentilmente.

   - Eu sou o Moro. - Ela dá uma risada curta.

   - Sem nome de caçador? Nossa você realmente não é ameaçador. -

   - Você deve ter muitos amigos sabendo que é tão gentil. - Falei num tom sarcástico.

   - E acabei de fazer mais um. - Não pude deixar de sorrir com esse comentário.

   - Boa noite Angel. -

   - Boa noite Moro. -

[...]

   Acordei com uma patada certeira da Angel no rosto.

   - Aii! - Foi bem no olho.

   - Acorda bela adormecida, já tá bem tarde! - Ouvi ela gritar.

   - Parece que alguém já está bem melhor! -

   Me virei na direção dela e a vi de pé nas quatro patas.

   - É! Essa é uma das vantagens de ser uma animal que se cura do dia pra noite. - Ela se virou de lado para mim fazendo uma pose orgulhosa. Mas notei uma coisa estranha no corpo dela.

   - A marca na sua anca não sumiu... - Ela olhou em direção a parte de trás do seu corpo com uma cara de decepção.

   - Ah... Eu suspeitava que isso poderia acontecer. -

   - Achei que todos os ferimentos se curavam sozinhos. -

   - Se curam, mas não quando as cicatrizes também estão no coração... - Se aproximou de mim. - Isso é o que chamamos de Cicatriz da Memória, uma marca sentimental. É quando seu psicológico também foi marcado ou machucado. Foi um ferimento que marca uma lembrança de um jeito tão forte que não consegue se curar... - Suas orelhas se abaixaram junto com o seu olhar.

   - Angel... Quem arrancou sua tatuagem...? -

   Ela levantou a cabeça bem devagar, olhou para mim com lágrimas nós olhos e disse:

   - Minha mãe... -

   - Meu Deus... - Entrelacei nossos pescoços e a envolvi minhas patas nas costas dela puxando-a para um abraço.

   Pude sentir lágrimas quentes escorrendo no meu ombro.
   Ficamos mais um tempo abraçados quando repentinamente ela pulou dos meus braços e se afastou enxugando seus olhos.

   - Bom, é... Acho melhor nós... Né? - Disse meio atrapalhada.

   - É... Acho melhor também! - Minha dicção também nunca foi das melhores.

  
[...]

   Ficamos andando por horas e parecia que a cada minuto que andávamos parecia que a ravina ficava mais estreita. Até que chegamos em um ponto em que o caminho era tão fechado que não podíamos mais prosseguir.

   - É, parece que é o fim da linha. - Falei e ela deu um baixa risada.

   - Só para nossas quatro patas. - Vi a Angel se destransformar se tornando uma mulher branca, loira descabelada de olhos pretos.

   Também voltei a minha forma humana. Ela estava com um sorriso travesso no rosto.

   - Nem uma palavra! - Deu sua clássica risadinha.

   - Vem! Quando escalarmos esse paredão, você estará livre para ir pra casa. -

   - Angel... - Olhou para mim.

   - Obrigado... Por tudo. - Me deu um soco de brincadeira no ombro. 

   - Pra que servem os amigos. -

   Angel colocou as garras para fora e as cravou na parede subindo com destreza.
   Antes que eu pudesse fazer a mesma coisa, senti que estava sendo observado.
   De canto de olho, pude ver um vulto tentando se esconder nas sombras. Senti um arrepio percorrer pela minha espinha.
   Sabia que tinha alguma coisa alí só não sabia oque.

   - Ah... Angel! - Gritei para a hiena que já estava a muitos metros de mim.

   - Moro! Vem logo! Assim a gente não chega lá nunca! - Gritou de volta.

   - Angel! Eu acho melhor você descer! Eu.. -

   - O que?! Descer?! Mas já estou quase no topo! -

   Vi uma sombra se mexer para mais perto.

   - Moro! O que é que está acontecendo aí em baixo?! - Olhou para mim lá de cima parando de escalar.

   - Não tenho certeza... - Disse mais para mim do que para ela.

   De repente, a sombra se tornou duas e mais duas depois dessas duas. No fim, eram ao todo sete sombras se separando tomando distância uma da outra.
   Parecia que estavam querendo me encurralar.

   - Moro! Por que está demorando tanto?! -

   Ao se aproximarem mais pude notar suas longas caudas e seu corpo felino...
   Que estava coberto por pintas.

   - Angel..! -

   Naquele momento notei que eram leopardos e que estavam se aproximando rápido

   - O que foi?! - Gritou a mulher lá de cima.

   Um leopardo foi a frete para luz me sua identidade: Itiri...

   - Angel! Desce agora! -

   Itiri deu um passo a frete e disse:

   - Peguem ele. -

   Os seis leopardos na sua retaguarda avançaram com rapidez para cima de mim me puxando pelas pernas com brutalidade.
   Eles me arrastaram pelo chão para longe do paredão e da minha amiga.

   - ANGEL! -

   - MORO! -

A Minha BestaOnde histórias criam vida. Descubra agora