ACONTECEU DE NOVO

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   Não sei muito bem o que aconteceu ontem a noite, mal consegui dormir tentando entender. No dia seguinte, voltei para a árvore do Sombra para ajuda-lo, afinal, tinha prometido para a Mama Ayue que iria cuidar dele.

    Ele foi ficando tão sujo ao longo do tempo em que o Jardim o acolheu aqui, que a elefanta ficou preocupada de que isso piorasse a situação dos ferimentos dele. Então lá estava eu, limpando as costas daquele leão velho e rabugento. Comecei por baixo tentando limpar seus machucados da forma mais delicada possível. Estava um clima muito estranho pairando no ar, nenhum de nós falava nada, o que só deixava o som da água escorrendo pelas suas costas.

   - Como você faz?... - Perguntei quebrado o silêncio.

   - Eu já te falei como. -

   - E eu ainda não consigo diferenciar as plantas. - Disse continuando a higienização.

   - É porque você é teimoso demais. Não escuta o que eu digo, só ouve o que quer ouvir. - Fiquei com um pouco de raiva pelo seu comentário, mas deixei passar dessa vez.

   - Porque suas explicações não fazem sentido para mim. -

   - Talvez fizessem se não tivesse decidido virar um línio antes de terminar o ensino médio. - Agora extrapolou.

   Aproveitei que as minhas garras estavam de fora enquanto limpava ele, e passei elas de uma forma ágil um pouco abaixo da sua tatuagem coberta pelo cabelo fazendo dois pequenos cortes.

   - Ai, ai! Tá tentando arrancar minha tatuagem fora, moleque?! - Reclamou zangado virando seu corpo para mim.

   - Desculpa bebezão, minhas mãos escorregaram. - Disse com um sorrisinho.

   - Nossa, você é... - Sussurrou voltando a se sentar de costas para mim. - Inacreditável. -

   Terminei de lavar em baixo, agora precisava limpar o resto, o problema era que o cabelo do Sombra estava no caminho.

   - Ah... Sombra? - 

   - O que que é agora, moleque? - Falou com uma voz cansada.

   - Você pode amarrar o seu cabelo para mim? Preciso limpar mais para cima. - O ouvi balbuciar alguma coisa em francês, mas não entendi o que era. Ele entrelaçou os dedos entre suas mechas negras e as puxou fazendo um rabo de cavalo alto que deixou alguns fios soltos.

   - Tá bom agora? - Perguntou impaciente.

   - T-Tá, está perfeito. - 

   Comecei a esfregar bem entre os ombros, exatamente onde ficava a tatuagem do bando da Queen. Essa é a primeira vez que o vejo de cabelo preso, agora consigo ver o quanto ele é forte. Suas costas eram muito bem desenhadas apesar dos ferimentos aparentes, as linhas dos músculos são bem visíveis, e se destacam ainda mais quando ele respira. O rosto do felino quebrado desenhado atrás dele pareciam respirar junto ao seu dono. 
   Por algum milagre, consegui recuperar o meu foco, voltando a limpar o leão ranzinza. Preciso de algo para me distrair, acho que conversar é a única saída que eu tenho.

   - Você faz parecer tão fácil... Os cheiros se misturam na minha cabeça, sempre acabo confundo tudo. - Disse triste. - Não quero depender de ninguém para sobreviver... Quero ser forte... - Segurei o seu braço fazendo com que ele soubesse o quanto queria isso. - Me ensina a ser um leão de verdade. -

   - O que aconteceu com o meu gatinho de pelúcia? - Perguntou virando o rosto com um sorriso sarcástico no rosto.

   - ...Ele quer rugir... - Disse entrando na brincadeira dele.

   - Tá bom, então... se transforma. - Falou se sentando e fazendo exatamente o que acabou de me ordenar. Fiz o mesmo e ficamos frente a frente na forma de feras.

   - O que vamos fazer? - Perguntei.

   - Vamos deixar as plantas um pouco de lado. Os cheiros de animais são bem mais parecido do que os das ervas, sendo assim, também precisa prestar atenção nos detalhes que dizem de onde esse animal veio. Se veio do campo, do matagal ou até mesmo do rio. Isso ajuda muito, principalmente, para os iniciantes. Quando menos esperar, não vai mais precisar prestar atenção nessas coisas. -

   - Acho que estou entendendo. - Disse balançando a cabeça.

   - Ótimo! Nosso cheiro conta a história de por onde passamos e, às vezes, de para onde estamos indo. Por exemplo... posso usar você para te mostrar? - Aquela pergunta me pegou de surpresa.

   - A-Aah, claro! Acho que não vai ter problema... - Gaguejei meio nervoso. Fechei meus olhos e esperei até sentir alguma coisa.

   Passou alguns segundos e não senti nada se aproximar, estranhei e fiquei um pouco confuso com a espera. De repente, o escuto dando dois passos na minha direção, então, ele passa o focinho delicadamente sobre o meu pescoço. Sinto sua respiração forte sobre o meu pelo brincando com os meus fios dourados.

   - Sinto cheiro de... terra... água do rio e... pasto fresco... - O Sombra mexia o seu focinho de um canto para o outro no meu pescoço. Com isso, os seus bigodes acabam se esfregando atrás das minhas orelhas provocando cócegas. Isso fez com que eu soltasse uma risada involuntária. Do nada, ele parou e se afastou de mim hesitante.

   - Acho melhor pararmos por hoje. Não estou me sentindo muito bem, e você precisa descansar... Tchau, Moro. - Se despediu de mim de forma apressada e foi em direção a sua cama de folhas que ficava ao lado da flor de fogo, me deixando sozinho e olhando para ele com uma cara de bobo.

   - Ah, é... Acho que melhor pararmos mesmo, hehe. Tchau, Sombra. - Disse nervoso passando pela passagem de raízes. Ao sair, me sentei devagar ainda processando o que acabou de acontecer.

   De repente, escuto uma voz me chamar pelo meu outro nome.

   - Vaga-lume! - Era o Couraça correndo em forma humana na minha direção. Ele parecia desesperado. 

   - Couraça? O que foi? - Perguntei assustado.

   - É a Angel! Ela está em perigo! - Meu coração gelou.

   - O que?! O que aconteceu? -

   - Trouxemos uma cobra gravemente ferida pra cá. Ela estava desacordada, a Angel e a Lola estavam do lado dela aplicando as ervas medicinais. A Lola deve  ter acordado a serpente sem querer, daí ela avançou na menina, mas a Angel entrou na frente e foi picada no pulso! - Ficava cada vez mais angustiado a cada palavra dessa história.

   - Como ela está?! E o bebê?! -

   - Eu não sei. A Mama Ayue me mandou te buscar, elas estão do outro lado do rio, vamos! - Ele completou a última frase com muita rapidez já se virando e me guiando para onde a minha amiga e seu bebê estavam correndo um grande risco.

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   Olá leitores!

   Eu voltei... 😎

A Minha BestaOnde histórias criam vida. Descubra agora