VI • Atrás de Ara

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Coreia do Sul
1912

Ara estava num canto espremida na tenda que ela e Jihoon construíram alguns anos atrás. Havia se tornado o refúgio deles. O lugar onde podiam ler os livros que seus pais traziam da cidade, e que em muitas das vezes eram deixados por comerciantes nas tendas na floresta. Ali eles poderiam se esquecer das tarefas, poderiam esquecer de quem eram. Porém com o passar do tempo aquele lugar começou a ficar pequeno demais para eles, e já não era hora de se esconderem.

"Vou sentir falta desse lugar caso deixe o vilarejo algum dia." Jihoon começou melancólico. "Perdemos tanto tempo aqui."

EunMi assentiu emotiva. Estava acariciando os cabelos de Hana, que estava com a cabeça deitada em seu colo.

"A vida na cidade vai ser mil vezes melhor, Hoon." Hana lhe disse piscando. "Não vai nem se lembrar que já morou num vilarejo algum dia."

"Pode apostar que vou me lembrar de cada rosto." Jihoon suspirou, fazendo as três fazerem o mesmo. "Vou sentir muita falta de vocês caso aconteça."

Eles ouviram passos em direção da tenda. De início acharam que poderia ser um animal, ou pior, um oficial japonês. Mas logo a face de Adam se mostrou na fresta da entrada. Ele afastou o pano e deu uma bela olhada nos quatro, parando em Ara.

"Eu poderia ter morrido de susto..." Jihoon deixou as palavras morrerem ao reparar na expressão do amigo. Então ele riu. "Mas que diabos?"

"Seu pai." Adam apontou para Ara, desacreditado. "Quer que eu me case com você."

Todos arregalaram os olhos. Hana se sentou rapidamente. Jihoon levou a mão á boca. EunMi deixou o queixo cair. E Ara o olhou com um olhar de cão sem dono; ela já previa que seu pai iria fazer algum coisa depois daquela noite. Isso poderia ter acontecido com qualquer garoto que tentasse se aproximar dela, além de Jihoon.

"Santo Deus..." Hana deixou escapar uma risada, que foi reprovada por Adam.

"Mas o que aconteceu pra ele querer isso?" EunMi se virou para perguntar para Ara.

"Minha mãe nos viu conversando ontem... sozinhos." Ara resumiu. Estava se sentindo inexoravelmente envergonhada.

Adam ficou de joelhos na tenda, já que de pé poderia atravessar o teto de palha.

"O que eu posso fazer para desfazer essa maldição?" Ele disse sério. Mas os três, tirando Ara, não conseguiram segurar a gargalhada.

"Você está no fundo do poço, meu caro. Não há saída." Jihoon disse em meio aos risos.

"Há de haver alguma saída."

"Olha. Os pais levam esse negócio de casamento muito a sério. Uma dama se vista com um homem pode haver muitos boatos. E pode comprometer a reputação da moça, Adam." Hana tentou explica-lo, já que sua garganta ainda coçava para rir da expressão dele.

Adam fechou os olhos, comprimindo-os. Se lembrou de como eram as coisas na sua terra. E em como funcionava o casamento nos clãs. E não era nada parecido com aquilo dos humanos. O jeito como o senhor Hyun bateu na mesa com as mãos dizia muito sobre como aquilo iria terminar caso Adam lhe dissesse um significativo não.

Mas ele poderia fugir. Não é mesmo?

"Vou tentar falar com o senhor Hyun mais tarde, vou ver se consigo te safar dessa." Jihoon disse colocando a mão no ombro de Adam, em companheirismo. "Mas não te prometo nada.

"Ara." Adam soltou um tortuoso suspiro, como se pudesse tirar tudo de si. "Precisamos conversar."

Ara arrebitou o nariz.

"Não. Não posso fazer nada quanto a isso. Já chorei. Já gritei. Papai é difícil de convencer de alguma coisa contrária aquilo que ele já decidiu."

Adam passou a mão pela nuca - era um gesto que Jihoon fazia muito, para checar se estava suando. Ele estava adquirindo muitos hábitos do amigo.

"Maldição." Ele soltou entre dentes.

"Bem, isso era de se esperar. Já que as pessoas já fofocavam sobre isso." EnMi deu de ombros.

"Seu pai quer te proteger dos boatos." Jihoon disse a Ara, com um olhar terno. "Ele realmente deve achar que Adam quer algo com você, e antes que as pessoas comecem com com os boatos maldosos, ele acha que se casarem é o certo a se fazer."

Adam tinha que pensar numa estratégia para que livrar dessa. E estando ali com eles era impossível.

"Não posso me casar com ela. Não quero. Não posso." Adam quis deixar bem claro. Até olhou nos olhos de cada um, profundamente.

"Eu sei." Ara revirou os olhos.

"Você não está pensando na Ara, Adam." Hana o olhou incrédula. "Está sendo insensível."

"Eu não a esperei ontem para pedir sua mão em casamento. Fui porque precisava conversar com ela sobre o que viu na floresta." Adam disse direto e firme. É claro que não queria pensar na maldida reputação da garota, oras, o que ele tinha a ver com isso?

"Mesmo assim. Está sendo frio."

"Mas vejam bem, ninguém os viu sozinhos ainda. Nós andamos todos juntos." EunMi tentou suavizar a situação. "O senhor e a senhora Hyun precisam entender que vocês são apenas amigos."

Jihoon bufou.

Ara se levantou, estava nervosa, precisava tomar um ar. E então saiu. Já não queria mais saber o que eles iriam continuar dizendo. O que ela poderia fazer?

Adam soltou outro suspiro. Também acabou saindo. Iria atrás de Ara.

...

A garota andava em passos rápidos e tão firmados no chão que poderia arrastar a areia. Seus pensamentos estavam a mil. O que seu pai pensa que está fazendo? Ele nem ao menos quis a ouvir mais cedo. Isso era injusto!

Ara sentiu quando Adam a pegou pelo braço, e a fez parar. O gesto não a machucou, era como se ele já tivesse calculado.

"Você está maluco? As pessoas estão nos vendo!" Ela disse entre dentes.

"Se eu me casar com você, ficará quieta sobre o que viu na floresta?" Ele a disse tão perto, mas tão perto, que seus lábios quase tocaram em sua bochecha.

Ara arregalou levemente os olhos. Mesmo que a tenha pegado de súbito, seu cérebro ainda a lembrava de ser discreta. Mas todos já estavam os olhando.

"Eu sei que ainda está assustada sobre o que viu." Adam era uma mistura peculiar de quente e frio. Ele só não era constante em ambas as partes.

Ele tocou em sua mão. Ela permaneceu imóvel.

"Mas não posso deixar que abra a boca para falar para mais ninguém."

Ara queria desesperadamente entender o que ele queria dizer. Sua respiração falhou. Ela pensou que iria desmaiar.

Adam só precisou de alguns minutos para pensar até chegar em Ara, depois que saiu da tenda. Se finalmente os vissem juntos em público então estaria consumado. Ele tinha que proteger os seus. Mesmo que ainda não soubesse quem eram.





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