Romance VI ou da transmutação dos metais

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Já se preparam as festas
para os famosos noivados
que entre Portugal e Espanha
breve serão celebrados.
Ai, quantas cartas e acordos
redigidas e assinados!
Ai, que confusos assuntos
são, para os Reis, seus reinados...
Ai, quantos embaixadores
para tamanhos recados!
Dom João Quinto, rei faustoso,
entre fidalgos e criados,
calcula as grandes despesas
para os festins projetados.
Ai, quanto veludo e seda,
e quantos finos brocados!
Ai, quantos rubis do Oriente
e diamantes lapidados!
Ai, quantos vasos e jóias,
cinzelados, marchetados...
E, embora tenha o seu reino
limites tão dilatados
e seja Rei tão faustoso,
entre os demais potentados
ai, como está com seus cofres
completamente arrasados!
Ai, quantos ricos presentes
para outros reinos enviados!
Ai, que mosteiro, ai que torres,
ai, que sinos afinados!
Eis que recebe a notícia
de que ao porto são chegados
os quintos de ouro das minas
que do Brasil são mandados.
Ai, que alegria ressumam
seus olhos aveludados...
Ai, que pressa, que alvoroço,
por catorze mil cruzados!
Ai, que ventura tão grande,
depois de tantos cuidados!
Mas, quando, em sua presença,
os caixões são despregados,
apesar de lacre e selos,
os fidalgos assombrados,
ai! só vêem de grãos de chumbo
cunhetes acogulados...
Ai, que os monarcas traídos
não soltam pragas nem brados.
Ai, que as forcas e os degredos
são feitos para os culpados.
Cuiabanos e paulistas,
nobres, escravos, soldados,
discutem pelos caminhos
os quintos falsificados.
- Ai, que é Dom Rodrigo César
(fidalgo dos mais honrados)...
- Ai, que é Sebastião Fernandes
(com muitos crimes passados!)
Ai, que o Monarca procura
os que vão ser castigados.
(E diz um homem que a troca,
dentro dos caixões fechados,
obra foi da Providência
contra o Rei, mais seus pecados...
Ai, que tanta arroba de ouro
deixa os sertões extenuados...
Ai, que tudo é muito longe,
e os reis têm olhos fechados...
Ai, que a Providência fala
pelos homens desgraçados...)
Sebastião Fernandes Rego
andara pelos povoados
com grandes olhos severos,
sempre a perseguir malvados.
Ai, porém só perseguia
bandidos endinheirados...
Ai, conhecia os segredos
dos cofres aferrolhados..
E ai! trocara em grãos de chumbo
o ouro, nos caixões selados...

Romance da inconfidência (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora