Romance XXV ou do aviso anônimo

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Veio uma carta de longe,
não se sabe de que mão.
Atravessou esses campos,
caiu como flor ao vento
sobre a Vila de São João.
Correi, senhores da terra,
Ouvidor e Coronéis,
enterrai vossas riquezas,
mandai para longe os trastes,
escondei vossos papéis.
Veio uma carta de longe.
Aproximai-vos e ouvi:
fala de rios propínquos,
rios de lágrima e sangue
que vão correr por aqui.
Parte, cabra, vai-te embora,
vai levar a teu patrão
as notícias que chegaram
sobre a desgraça que cerca
este povo de São João.
Veio uma carta de longe.
O que dizia, não sei.
há calúnias, há suspeitas..
(Vede as janelas fechadas!.
Confabulam! Querem Rei!)
Escondei jóias e alfaias!
(Que tropa é que vai chegar?)
Parece que vão ser presos
os grandes, os poderosos,
os donos deste lugar.
Veio uma carta de longe.
Abriu-se muito colchão,
queimou-se o que estava escrito,
escreveu-se o que era falso,
nesta Vila de São João.
E o Lenheiro vai correndo
como fita de cristal
sobre as pedras, sob as pontes,
entre o rumor e o silêncio
do sobressalto geral.
Veio uma carta de longe.
- Fortes ecos tem a dor!
que os escravos já souberam,
no fundo de suas brenhas
desse aviso de terror...
Mas os meninos risonhos
pelas varandas estão
- quase órfãos! - mirando as nuvens,
como os belos anjos de ouro
das igrejas de São João.

Romance da inconfidência (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora