Romance XXIX ou das velhas piedosas

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Dizem que atrás dele
ia um cavaleiro
muito bem montado,
levando consigo
um papel escrito
com o maior cuidado.
Na Semana Santa,
enquanto as imagens
estavam cobertas,
traçara altas letras,
encaracoladas,
mas não muito certas.
(Ai de quem na sua casa
se deixa estar, sem supor
o que em Sexta-feira Santa
escreve a mão de um traidor!)
O papel aceita
o que os homens traçam...
E a mão inimiga
como aranha estende
com fios de tinta
as teias da intriga.
E lá ficam presos,
na viscosa trama,
os padres, os poetas,
os sábios, os ricos,
e outros, invejados
por causas secretas.

(Ai de quem, na sua casa
se deixa estar, sem supor
que já vai por serra acima
tão bem montado, o traidor!)
Dizem que cavalga
ostensivamente
e também proclama
que por sua causa
já não há levante,
pois não há Derrama.
Diz que leva cartas
que o senhor Visconde
lhe terá confiado.
Que, com seus haveres,
se fosse na Europa,
teria um ducado!
(Ai de quem na sua casa
se deixa estar, sem supor
que já partiu desta terra
tão bem montado, o traidor!)
(Acorrei, vizinhos,
com toda a prudência,
com o maior mistério:
notai a passagem,
muito suspeitosa,
de Joaquim Silvério!
E ouvi, pelos sítios,
por lavras e igrejas,
varandas e muros,
- que já se apropinquam,
de choro e de sangue,
os dias escuros!)
(Ai de quem na sua casa
se deixa estar, sem supor
que, no Rio de Janeiro,
saltou da sela, o traidor.)

Romance da inconfidência (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora