Romance LXXXII ou dos passeios da Rainha Louca

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Entre vassalos de joelhos,
lá vai a Rainha louca,
por uma cidade triste
que já viu morrer na forca
ai, um homem sem fortuna
que falara em Liberdade..
Batedores e lacaios,
camaristas, cavaleiros,
segue toda a comitiva,
nesses estranhos passeios
que oxalá fossem felizes
para Sua Majestade.
Colinas de esquecimento,
praias de ridentes águas,
palmas, flores, nada esconde
aquelas visões amargas
que noite e dia a Rainha
cercam de horror e ansiedade.
Ai, parentes, ai, ministros,
ai, perseguidos fidalgos...
Ai, pobres Inconfidentes,
duramente condenados
por que sombria sentença,
alheia à sua vontade!
“Vou para o Inferno!” - murmura.
“Já estou no Inferno!” “Não quero
que o Diabo me veja!”. - clama
(É sobre chamas do Inferno
que rola a dourada sege,
com grande celeridade...)
Do cetro já não se lembra,
nem de mantos nem coroas,
nem de serenins do Paço,
nem de enterros nem de bodas:
só tem medo do Demônio,
de seu fogo sem piedade.
Toda vestida de preto,
solto o grisalho cabelo,
escondida atrás do leque,
velhinha, a chorar de medo,
Dona Maria Primeira
passeia pela cidade.

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