Romance XXIII ou das exéquias do príncipe

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Já plangem todos os sinos,
pelo Príncipe, que é morto.
Como um filho de Rainha
pode assim morrer tão moço?
Dizem que foi de bexigas;
de veneno - dizem outros -
que lhe deram os ministros
para o não verem no trono.
Triste ano para a esperança,
este ano de 88!
Triste ano por estas Minas,
onde existem vários loucos
que do Príncipe esperavam
governo mais a seu gosto:
mações de França e Inglaterra,
libertinos sem decoro,
homens de idéias modernas,
coronéis, vigários doutos,
finos ministros e poetas
que fazem versos e roubos.
Já plangem todos os sinos!
Já repercutem os morros.
(Deus sabe por que se chora,
por que há vestidos de nojo!
O padre que lê Voltério
é que vem pregar ao povo!
Estas Minas enganosas
andam cheias de maus sonhos.
Já ninguém quer ser vassalo.
Todos se sentem seus donos!)
Correm avisos nos ares.
Há mistério, em cada encontro.
O Visconde, em seu palácio,
a fazer ouvidos moucos.
Quem sabe o que andam planeando,
pelas Minas, os mazombos?
A palavra Liberdade
vive na boca de todos:
quem não a proclama aos gritos,
murmura-a em tímido sopro.
Já plangem todos os sinos,
pelo Príncipe, que é morto.
Ó grande melancolia!
Ó profundíssimo assombro!
- Perdida a oportunidade
para qualquer alvoroço.
Lá se foi quem poderia
governar o tempo novo!
Lá se foi com seus poderes,
para mundo sem retorno.
Ai, terras de Vila Rica,
os tempos andam revoltos!
Neste levante das almas,
trabalham sábios e tolos.
Uns, avançam com prudência,
outros partem, com denodo.
E alguns, de esguelha, calculam,
com finos olhares torvos:
da sorte dos companheiros
fazem seu negócio e jogo.
Já plangem todos os sinos!
Cobri-vos, montes, de roxo!
Calai, mulheres e crianças,
que o vosso é mal sem socorro!
Exéquias hoje rezadas
serão vossas, dentro em pouco.
Morto o Príncipe, já tudo
é loucura e desacordo...
(Perdeu-se a oportunidade,
neste ano de 88!)

Romance da inconfidência (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora