A mim, o que mais me doera,
se eu fora o tal Tiradentes,
era sentir-me mordido
por esse em quem pôs os dentes.
Mal empregado trabalho,
na boca dos maldizentes!
Assim se forjam palavras,
assim se engendram culpados;
assim se traça o roteiro
de exilados e enforcados:
a língua a bater nos dentes...
Grandes medos mastigados...
O medo nos incisivos,
nos caninos, nos molares;
o medo a tremer nos queixos,
a descer aos calcanhares;
o medo a abalar a terra,
o medo a toldar os ares;
o medo a entregar amigos
à sanha dos potentados;
a fazer das testemunhas
algozes dos acusados;
a comprar ou ouvidores,
os escrivães e os soldados...
Vicente Vieira da Mota,
muitos são teus descendentes!
com o rico patrão salvo,
acusas o Tiradentes.
Mordem a carne do fraco
teus rijos, certeiros dentes!
Dentes de marfim talhado,
que tão bem feitos fazia,
dentes de víbora foram,
pela tua covardia.
Que poderosa peçonha
por dentro deles subia!
Entre os dentes o tomaste,
como animal carniceiro,
nome e fama lhe mordeste,
- tu, cúmplice e companheiro,
sabendo que não se salva
quem não dispõe de dinheiro!
E os dentes com que o ferias
eram, afinal, os dentes
que na boca te puseram
as suas mãos diligentes.
(Isso é o que a mim mais me doera
se eu fora o tal Tiradentes!)
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Romance da inconfidência (Completo)
RomanceRomanceiro da Inconfidência é uma coletânea de poemas da escritora brasileira Cecília Meireles, publicada em 1953, que conta a História de Minas dos inícios da colonização no século XVII até a Inconfidência Mineira, revolta ocorrida em fins do sécul...