Romance XXXVII ou de Maio de 1789

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Maio das frias neblinas,
maio das grandes canseiras.
Os coronéis suspirando
à vaga luz das candeias;
os poetas mirando versos
e hipotéticas idéias;
Joaquim Silvério sonhando
dinheiro, mercês, comendas...
Vão cavalos, vêm cavalos,
por cima da Mantiqueira.
Donas espreitando as ruas,
pelas grades de urupema.
Padres escrevendo cartas,
doutores lendo Gazetas...
Uns querendo ouro e diamantes,
outros, liberdade, apenas..
Ó maio dos grandes sustos
por barrancos e ladeiras!
Avisos a toda a pressa!
Dissimulações e senhas.
Soldados, pelos caminhos.
Caras e cartas suspeitas.
Os oratórios dos santos
com altas velas acesas.
Primeiro de Maio
Passou por aqui o Alferes?
Sim, passou, mas já vai longe.
Quem vem agora atrás dele?
Quem voa pelo horizonte?
Dizem que é Joaquim Silvério!
(Maldito seja tal homem:
tem vilania de Judas
com arrogância de Conde.)
Mesmo na Semana Santa,
esteve escolhendo os nomes
dos que vão ser perseguidos.
E venceu vales e montes
no encalço de um condenado,
para que de perto o aponte
(e o Tempo, que é só memória,
com sua sombra se assombre).
Nove de Maio
Toda a cidade já sabe
que o Alferes anda fugido.
- No sótão de que sobrado?
Em que fazenda? Em que sítio?
Embarcado em que canoa?
Atravessando que rio?
Por detrás de que montanha?
Por cima de que perigo?
Quebrados anjos de prata
miraram seu rosto aflito:
entre espadins e fivelas,
castiçais e crucifixos,
parou - tristemente humano,
tristemente perseguido.
Tinha o mundo todo na alma
- e mendigava um abrigo!
Dez de Maio
Noite escura. Duros passos.
Já se sabe quem foi preso.
Ninguém dorme. Todos falam,
todos se benzem de medo.
Passos da escolta nas ruas
- que grandes passos, no Tempo!
Mas o homem que vão levando
é quase só pensamento:
- Minas da minha esperança,
Minas do meu desespero!
Agarraram-me os soldados,
como qualquer bandoleiro.
Vim trabalhar para todos,
e abandonado me vejo.
Todos tremem. Todos fogem.
A quem dediquei meu zelo?
Meados de Maio
Furriel, ordenança, alferes,
soldado, porta-estandarte,
quem vai por léguas e léguas
propagando a novidade?
Por onde passa a notícia,
com guardas por toda a parte,
com sentinelas severas
nas saídas da cidade?
Se é fogueira, quem a acende
com tanta fidelidade?
Se é mensageiro, com que ordem,
com que propósito parte?
Por que as Minas estremecem
com dolorosa ansiedade'?
- Foi preso um simples Alferes,
que só tinha um bacamarte.
Fim de Maio
Andam as quatro comarcas
em grande desassossego:
vão soldados, vêm soldados;
tremem os brancos e os negros.
Se já levaram Gonzaga
e Alvarenga, mais Toledo!
Se a Cláudio mandam recados
para que se esconda a tempo!
Sentam-se na cama, os doentes.
Choram de susto, os meninos.
Mil portadores galopam.
Há mil corações aflitos.
Por aqui brilhava a Arcádia,
com flores, versos, idílios...
(Que querem dizer amores,
aos ouvidos dos meirinhos?)

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