Cárter.

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Eu a vi da janela.
Dançando, embalada por aquela música suave, se movimentando como se a gravidade não fosse capaz de segura-la.
De olhos fechados, mas sem barruar em nada, com aquela feição serena, um misto com os movimentos firmes e precisos.
Eu a olhei por exatas uma hora e meia, encantado com a visão do seu corpo se movendo com tanta graça, numa habilidade que faz parecer fácil.
Eu a observei por meses, vez ou outra ela sorria com vontade, e além de prender a respiração em deleite eu tinha de me esconder, me espremer por trás das cortinas e orar aos deuses para que ela continuasse dançando naquela varanda.
Ela era tão graciosa, como alguém podia soar tão elegante apenas com uma calça justa e uma camisa larga?
Os seus cabelos presos em um coque alto me faziam imaginar qual seria o cumprimento, o movimento leve que a franja fazia quando ela girava ou se movia mais rápido, dependendo da batida, me fazia pensar qual seria a textura ou o cheiro, como seria tocar suas madeixas castanhas?!
Faz quatro meses que ela bateu na minha porta, dizendo que amava o meu olhar para ela, fiquei constragido por ela ter notado minha vigília sobre sua dança, ela disse que queria que eu assistisse a uma de suas apresentações, eu fiquei feliz e aceitei o convite prontamente.
A apresentação foi perfeita, de molhar os olhos e agitar o coração, após a apresentação fui até seu camarim, com flores e uma caixinha de música com uma bailarina.
Cheguei a tempo de ver ela aos amassos com a namorada, que segundos depois se apresentou como noiva, dei os presentes e me retirei em seguida.
Chorei o caminho todo até em casa, algumas pessoas do ônibus tentaram me consolar, mas quando falei que minha dor tinha nome amor eles me olharam estranho.
E daí que sou um homem de trinta e poucos anos, com um penteado bonito, um cavanhaque charmoso, um terno bem passado e sapatos devidamente engraxados?!
Eu não estou imune à paixões!
Cheguei em casa e notifiquei ao porteiro que queria que fechassem a minha janela, ele falou sobre o verão escaldante e eu disse que estava disposto a comprar um ar condicionado.
Mas que droga! Eu fiquei arrasado, o que faço com todos os planos que fiz? E os jantares, os passeios, as viagens e a nossa música preferida?
Ah por que eu crio tanta expectativa?!
O pior disso tudo é que não puder ve-la dançar outra vez.
Já que ela se mudou na mesma noite, acredita que ela estava em turnê pelos teatros do país?!
Porque eu sempre desconfiei, o talento dela não cabia na varanda de um apartamento.
Ao final isso tudo não passou de um grande prejuízo, gastei com flores, com uma caixinha de música, com o ar condicionado, com o pedreiro para fechar a janela, e os restaurantes não me reembolsaram, então tive de ir a todos os jantares que levaria ela, só que sozinho.
Me senti mil vezes mais infeliz, quando me vi sozinho, rodeado de casais, no restaurante mais romântico da cidade.
Porque eu insisti em me apaixonar pela arte, me prender naquilo que há de melhor nas pessoas, depois acabo me esquecendo que o amor não pode ser planejado em uma agenda de trabalho, por que eu sou tão certinho?
É isso, estou te enviando essa carta, para relatar o meu amor mais recente, não me critique, dessa vez eu estava disposto a tentar mas, nada saiu como o planejado.
Me deseje sorte da proxima vez, porque não quero chorar denovo, você mora longe demais para me consolar, mas saiba que já estou bem e recuperado da síndrome do coração partido.
Me mande um postal, preciso saber sua opinião.

De Cárter, para mamãe.

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