Adorável menina.

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Em minhas lembranças ela ainda soa adorável. 

Mesmo quando estava na quinta série, com tranças no cabelo, aquele vestido florido que não combinava em nada com as meias coloridas, junto ao tênis velho e as unhas pintadas em um laranja apagado.

É assustador que eu consiga lembra-la nesta riqueza de detalhes.

Com o rosto infantil e as bochechas fartas, que ficavam rosadas após correr na quadra do Colégio, durante as brincadeiras nas aulas de educação física.

Ou o sorriso sincero que lançava ao velho barrigudo, dentro do carro vermelho antigo; o pai dela sempre ía buscá-la depois da aula, arruinando qualquer oportunidade que eu vinhesse a ter de acompanha-la até sua casa.

Vi sua entrada na adolescência. O rosto afinou, já não usava mais franja emagreceu e criou curvas; depois de um tempo já não conseguia passar pelos corredores sem ouvir os assobios dos moleques emocionados do oitavo ano.

Ficava vermelha e emburrada, diferente de suas amigas, estas que pareciam apreciar felizes o momento de glória.

Ela era a mais bonita, mesmo trajada com o uniforme antigo da irmã mais velha, mesmo sem maquiagem ou assessórios, mesmo com toda a dedicação aos estudos, mesmo sem o porte de patricinha e com todo o excesso de educação.

Depois das férias, no último ano do ensino médio, cortou o cabelo e tingiu de rosa, encurtou o uniforme e se encheu de piercings; lembro do batom vermelho, da sombra pesada nos olhos, que sentava no fundo da sala e passava as aulas ouvindo música e mascando chiclete e que as suas notas cairam.

No intervalo, ficava com uma turma de delinquentes, falavam alto, riam das pessoas e fumavam.

Então eu parei de observa-la, porque ela já não era a garota por quem me apaixonei.

Nunca soube o porquê de sua mudança, até semana passsada, cinco anos depois; fui num encontro de antigos colegas de classe, todos do último ano estavam lá.

Em algum momento sentiram a falta dela, sua amiga da época nos contou que ela havia perdido a família em um a acidente de carro, por isso a extrema mudança.

Ela disse:
- Quando sua familia morreu, a boa garota que ela era morreu junto deles, então ela criou um personagem, alguém rebelde, intocável e intimidador.

Eu queria ter lutado pela garota que eu amei, acredito que ela também se amava.

Ela continuou:

- Três meses depois de concluir o ensino médio, ela foi encontrada na antiga casa de praia dos pais, estava boiando na banheira a semanas, o cheiro forte denunciou o cadáver podre, a empregada achou o corpo e ligou para polícia em pânico.
O laudo da perícia apontou como causa da morte overdose, por uso excessivo de substâncias químicas.
No velório só tinham os empregados e o caixão fechado.
No dia do interro só foram duas pessoas, eu e uma governanta que á acompanhou desde o berço, chorando sem cessar, tentando vez ou outra vocalizar entre soluços a frase,
" Minha adorável menina", debruçada sobre o túmulo.

Não sei o que pensar, ainda me sinto anestesiado mas, vou mante-la em minhas lembranças, onde ela ainda soa adorável.

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