Gyeongju - Janeiro 2009

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Abri os olhos e vi Ophelia.

– Você voltou bem mais rápido que eu. – disse ela.

– Você é muito jovem, quanto mais jovem mais você demora. – eu disse me sentando. – Eu olhei em volta e reconheci a mansão de meu progenitor que veio em seguida acompanhado de uma pessoa.

– Querida, trouxe minha colega, Hyeongsun. – uma humana. – Ela se voluntariou para sua recuperação.

Eu odeio falar sobre isso, mas nossa alimentação faz parte do que somos, eu sinto respeito pela raça humana, pois respeito minha comida assim como você deveria fazer com a sua, mas provavelmente não faz. Ter que depender de fazer isso e ainda seu corpo lhe dar prazer é ridículo e eu sinto vergonha, especialmente quando é voluntário. Eu sei, eu sei, ser voluntário é melhor pois blablabla, mas nada se equipara a perseguir alguém e fazer isso da forma antiga, a pessoa acorda no dia seguinte. Talvez não acorda e tem pesadelos pelo resto da vida com você, você toca a alma de alguém assim tão profundamente. Eu consigo me nutrir na jumenta da...qual o nome dela? "Colega" do Taemin, mas sinto zero prazer nisso e sinto vergonha, isso só não é pior do que beber de um saco de sangue, que ainda bem, eu não consigo. Então vamos pular pra parte que eu já me recuperei.

– Preciso voltar para Seoul. Reunir quem sobrou do conselho.

– Pra que?

– Eu sei quem está por trás disso tudo.

– Sofia e Pagura, eles já saíram do país. Conseguiram se livrar mesmo comigo em seu encalço. Ophelia está traqueando eles e ao que tudo indica voltaram pro Brasil.

– Eu vou pro brasil de qualquer forma – disse Ophelia – Eu vou comer a carne da família da sentinela. Perseguirei ela pela resto de sua vida e vou destruir tudo que ela tocar e gostar ou amar.

– Você vai full frankenstein nela então?

– Frankenstein? – questionou Ophelia

– Você acha que é a primeira que faz isso com alguém? – eu disse – A gente chama isso de Frankenstein. Assim como o monstro fez no livro da Mary Shelley.

– De qualquer forma... – disse Taemin – O que você precisa é seguir em frente. Ainda mais pois a sentinela acha que você se foi.

– Meu familiar, ele...

– Seu familiar?

– Sim, meu familiar Samuel, que mora aqui na Coréia. Jogador de futebol...

– Não temos notícia dele. – disse Taemin.

– Augusto se foi. – disse Ophelia olhando de banda pra Taemin, obviamente Taemin foi quem arquitetou isso. – Talvez você queira localizá-lo...explicar o que aconteceu.

– Que Augusto vá a merda. – disse Taemin – Ele está em Copenhagen certamente, pois sabe que é pra lá que você quer ir depois do seu ciclo completado em São Paulo.

– Faz um tempo que eu quero passar um ciclo em Copenhagen, espero que consiga dessa vez. – sempre quis morar em Copenhagen, mas nunca tive a chance. – Preciso reunir o conselho que ainda se encontra aqui na Ásia e preciso que os familiares estejam presentes, notícia de minha recuperação não deve ser dada a ninguém até o momento do julgamento.

Fomos para Seoul e no hotel estava Farouff, Batardene, Obatala, Taemin e Ishtar que assumo veio depois de ser chamada por Farouff.

– No dia de minha destruição, fui sabotada e encurralada, pela sentinela, pelo indígena e por uma terceira pessoa.

– Quem? – perguntou Farouff entediado.

– Meu próprio familiar, Samuel Anyengo. – Eles pareciam menos entediados agora – Tive Ophelia e outros associados, investigarem os familiares presentes em Seoul e alguns outros na América Latina e na Europa e isso tem sido uma ocorrência mais comum do que deveria. Revenants na França, no Rio de Janeiro, Santiago e Berlin. Destruídos metodicamente sob circunstâncias estranhas. Tropeçar e cair em uma banheira de ácido, dormir do lado de fora e sofrer combustão espontânea...avalanche...

– Esse eu acho que não foi destruído, só não está sendo encontrado. – disse um dos associados.

– O que importa, é o que todos esses têm em comum. O familiar sobrevive. O familiar sempre sobrevive. O revenant não deixa pupilos e o familiar se livra de sua promessa vitalícia. Quebra o contrato feito conosco.

– Mentores estão sendo aposentados pelos seus próprios familiares? – disse Ishta.

– O meu próprio familiar fez isso comigo. Ele confessou para Ophelia.

– Mas isso é um ofensa terrível, é heresia. Isso meche com a ordem natural...

– Ele não se arrepende. – disse Ophelia

Trouxeram Samuel, e mais três familiares até o salão.

– Creio que o que descobrimos aqui foi mais do que um assassinato e sim uma conspiração que pode afetar a forma que vemos o relacionamento entre familiar e mestre.

– Absurdo! – disse Obatala se levantando, olhando para Samuel. Ele estava drenado, machucado, suas pernas balançavam, quebradas. Pensei por um breve momento, com pena, que ele não jogaria futebol por um bom tempo, mas ao mesmo tempo eu sabia que mesmo com as pernas saudáveis ele não sairia dessa sala, não vivo.

No salão do Hotel, no palco que parecia mais um podium. Não houve cerimônia, não houve nada.

– O que você tem a dizer? – perguntou Taemin a Samuel.

– Nada que vocês já não tiraram de mim, ou de minha família. – ele disse e me olhou nos olhos – Incontáveis gerações minha família está presa a Caius e a você, depois de mim seriam meus sobrinhos, meus filhos. Uma vida de servidão que meus antepassados lutaram e morreram tanto para terminar.

– Eu sempre te dei tudo que você quis Samuel, sempre! – ele cospiu no chão.

– Você não me deu merda nenhuma, tudo que eu consegui eu conquistei sozinho e minha família e eu teria ido mais longe sem vampiros parasitas que nem você grudados na gente!

Farouff passou a faca no pescoço do Samuel que pulou de seu corpo, rolando para o chão e quase atingindo meu pé como se o Samuel quisesse me pedir ajuda no final. Farouff me olhou nos olhos,a sombra de uma empatia inesperada no olhar, como alguém, o único ali, que entende como eu me sinto. E eu fiquei feliz que eu não tive que brandir a espada, não que eu não o faria, eu faria, eu deceparia o Samuel, eu faria pior, eu faria ele pagar. Eu sempre fui do tipo que faz o que é necessário, o que é correto. Mas fiquei feliz de não ter que fazer dessa vez, eu fiquei feliz de não ter que tirar a vida do meu familiar com minhas próprias mãos como é costume. Porque a verdade é que eu não sei, eu estudei bastante sobre moralidade, vivi diversos dilemas morais, caralho! Eu até conversei com os filósofos que escreveram sobre o assunto. A verdade é que eu não sei de nada. A gente passa a vida achando que está fazendo o que é certo, eu sempre busquei o melhor para todos ao meu redor e eu acredito piamente que a maldade vem da burrice, quando que da inteligência e iluminação saem apenas atitudes positivas. Alguém que viveu o que eu vivi, passou por tudo que passei. Eu realmente fui uma pessoa cruel? Eu realmente infringi crueldade na família Anyengo? O que me deu o direito de possuir a lealdade de gerações? O que nos dá o direito de condená-los agora? Mercy, suas duas filhinhas, seu marido...vão todos levar o mesmo fim. Eu não vou impedir, eu não vou tentar mudar, eu sei disso. Mas eu fiquei feliz que não tive que brandir a espada dessa vez, pois todas as vezes que fiz algo assim, por mais necessário e justo que foi. Eu apaguei uma parte de mim, eu ignorei algum tipo de voz interna. Cada vez que silenciei uma voz, outras vozes se calaram junto, a gente vai tirando, silenciando pedaços de nós e chega a um ponto que não temos mais pedaço de nada para oferecer. Não tem maldade, não tem bondade, você apenas está lá e pra que serve isso? O que o mundo tem a oferecer para olhos e sentidos incapazes de apreciar as coisas boas por ter calado tudo aquilo que experienciou de ruim. Sempre que calejamos para algo ruim, perdemos a sensibilidade para apreciar o que ainda resta de bom nesse mundo.

A BaronesaOnde histórias criam vida. Descubra agora