Geneva - 2016

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Fui até a Matriz onde Solfieri estava para encontrá-lo se preparando para sair. [parecia totalmente recuperado, de frente ao espero ajeitando a gravata de um tom meio amarronzado que até hoje não sei descrever e o terno azul, azul profundo como o azul do meu vestido na gala no Museu Del Prado semanas antes, brogen marrom e o lenço no bolso, prateado. Ele estava lindo como era de se esperar. Ele me observava pelo espelho, entrando no quarto.

– Ocasião especial? – ele perguntou?

– Porque?

– Está bonita, raramente lhe vejo de vestido, ainda mais um assim. – Eu estava com um vestido branco, drapeado até a cintura, a parte do busto lembrava a costura de roupas de baixo, porém moderno e elegante, por cima, meu famoso casaco de chuva. Mãos nos bolsos.

– Não posso me arrumar para lhe ver? – eu disse como ele costumava fazer. Ele sorriu.

– Não vou devolver os anéis. – ele disse. – Eu sei que você não desistiu de recuperar, perguntando pra todo mundo se encontrou os anéis junto dos meus pedaços naquele lugar medonho que quase fui destruído para sempre.

– Você levou o outro também, quer montar uma coleção?

– O outro eu levei para te irritar, não me importo com ele.

– Porque fez isso?

– Eu sei o que sou. – disse Solfieri – Eu desperto algo primal nas pessoas.

– Incubus? – eu disse.

– Sim. – ele afirmou – Posso não ser um completamente, mas eu exerço esse poder mesmo sem ser de propósito. É algo que tenho que lidar.

Um Incubus geralmente se alimenta sempre das mesmas pessoas. Ele tem uma rotação de vítimas das quais ele escraviza, visita a noite, se alimenta deles. Nunca há final feliz pra quem é vítima do Incubus, no entanto nenhuma vítima jamais tentou sair do ciclo, muito pelo contrário, assim que abandonadas, elas morrem.

– Você, no entanto, era imune e isso me perturbou profundamente. – ele disse. – E me deixou feliz também... de saber que talvez você gostasse de mim genuinamente.

– Qual o ponto dessa conversa, Solfieri?

– Quando você me pediu os anéis antes... na maca.

– Qual o problema?

– Você fez sexo comigo na Ilha de Verão, eu não imaginei nada daquilo.

– Sim.

– Você se rendeu a mim, porque? Por pena? Se sentiu mal porque quase me matou? Perdeu o controle por que de alguma forma eu consegui perfurar sua armadura com essa maldição que renasceu comigo? – eu não acreditava no que estava ouvindo e não soube responder. – Se você quer apenas os anéis vai ter que me matar pra pegá-los de volta. – ele disse irritado. Terminou de se olhar no espelho, pegou sua weekender, igual a de antes, porém nova e foi até a porta, mas eu o impedi de sair.

– Eu não...– exitei em terminar – Eu não minto, Solfieri.

– É possível mentir mesmo sem saber que está mentindo, M- – Quando ele dizia meu nome em voz alta pra mim, sempre tinha um efeito, meu coração pulava diferente.

– Eu jamais sacrificaria quem sou só para provar que posso. – eu disse – Eu acordei e você tinha fugido, até eu sei que tem lugares que sua manipulação não chega, como posso acreditar que você se importa...

Ele forçou a porta aberta.

– Eu dei os anéis para Ophélia. – ele confessou – Ela está no Brasil, foi matar seu queridinho.

– Você fez oque? – Solfieri riu e continuou andando e eu tentei não causar uma cena.

– Você gosta tanto do Pagura, não é mesmo? – ele disse – Fez uma bela amizade com o homem que me desmembrou, arrancou meu braço, minha perna...e eu sabia que não ia parar por ali e ao mesmo tempo ansiei por perder a consciência logo, porque era humilhante e doloroso demais. Sabe em quem eu pensei? – eu não tentei adivinhar – Em você, em como uma semana antes eu quase morri pelas suas mãos e me arrependi de-

Ele não continuou decidiu seguir andando e tentar manter a compostura, eu andei junto e ele entrou em seu conversível, eu entrei também e ele começou a dirigir. De repente ele brecou o carro que parou cantando pneu, colocou uma de suas mãos na minha cabeça e eu me virei pra ele, ele encostou sua testa na minha. Ele se afastou.

– Eu não posso deixar que Ophélia cause mais dor aquelas crianças, ela já quebrou uma regra cardinal quando transcendeu o herdeiro dos Casablancas. – eu confessei.

– A Ophélia tem o direito de vingança sobre a sentinela, ela sabe que não consegue matar a sentinela, que seria muito difícil pra ela, mas ela transcendeu o Casablancas e a amante do Pagura, justamente para exercer seu direito de vingança sobre outro revenant.

– Ela está abusando do espírito das regras. – eu disse.

– Porque você se importa? Porque se importa com eles? – disse Solfieri – Tudo que eles tomaram parte, tudo que fizeram. Destruíram seu mentor, me atacou, causou a morte de toda linhagem dos familiares...

– Porque nós já fizemos pior! – eu gritei – Nós fizemos pior... – repeti em um tom mais brando.

– Ah é? – ele disse irritado e pegou sua bolsa do banco de traz, de dentro dela tirou o envelope azul, dele revelou o bolo de fotos, as fotos do crime, de seu corpo em pedaços, da maca e da autópsia. Eu fechei os olhos. – Olha! – ele disse em voz alta, espalhando as fotos no meu colo. – Olha bem o que ele fez antes de correr em direção a uma Sentinela para morte certa. Olha o que ele fez.

– Eu não vou olhar.

– Pode olhar. – ele disse – Eu sei que você resolveu o caso sem ver as fotos, que se recusou a me ver durante o processo de recuperação, que pediu para Charles descrever meu corpo detonado pra você. Você deixou todos esses estranhos do conselho tocarem em mim, mexerem em meu corpo inanimado sem respeito algum e você não chegou perto até eu ter consciência, eu fiquei completamente sozinho até Ophélia finalmente chegar.

– Ela então, não sabia que ela era tão importante. – eu disse abrindo a porta do carro, Solfieri me impediu.

– Eu tenho uma propriedade em Denmark. – ele disse. – É na cidade que você gosta. Nós podemos ir pra lá agora e esquecer dessa merda toda, e gente fode a noite inteira ou conta carneirinho, o que você quiser fazer eu faço, pelo resto da eternidade. – ele recolheu de volta as fotos para que eu abrisse os olhos – Ou eu te levo agora para o aeroporto e você vai pro Brasil morrer pra sentinela.

Eu não tenho forças para escrever aqui, ou tentar passar pra você o que aconteceu depois, ainda é doloroso, mesmo depois de tanto tempo.

Quando ele parou na frente do aeroporto eu desci, notei o mesmo avião que o levou de Nova York certa vez a uma vida atrás me pareceu. Solfieri segurou no meu braço antes de deixar eu sair.

– Me passe updates todos os dias. – ele disse se recusando a olhar pros meus olhos, eu não respondi e esperei ele ter coragem para me olhar – Não por telefone, me envie por e-mail ou através do Charles mesmo. Eu preciso saber se você está bem.

– Eu te ligo.

– Não! – ele disse – Eu não quero ouvir sua voz, não quero te ver. Eu só preciso saber se você está bem, mais nada. Se eu ouvir sua voz eu vou sentir sua falta... – ele me soltou – Quando você entrar naquele avião, nós acabamos, e eu gostaria de te pedir encarecidamente que não se aproximasse de mim nunca mais. Me deixe seguir em frente.

– Não. – eu disse. Ele me olhou nos olhos, ele parecia estar em dor,desapontado comigo – Eu não vou te deixar em paz.

Eu saí do carro e bati a porta.

A BaronesaOnde histórias criam vida. Descubra agora