ATO III - MATTEA

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Madrid - 2016


Depois de Caius eu confesso que não fui mais a mesma. Afinal ele era meu maior conselheiro, quem, com sua perspectiva de sensatez única sempre me ajudava a medir meus mais poderosos impulsos, Contrário de Taemin, meu progenitor, que só faz me encorajar. Se quero matar alguém Caius me pergunta porque, Taemin coloca a arma em minhas mãos.

Fui obrigada a deixar São Paulo e confesso que sinto falta da cidade. Estou tentando me acostumar com Madrid desde que cheguei, sempre odiei essa merda de lugar e vou falar a verdade, Madrid nunca gostou de mim também. Tem lugares assim no mundo, se é uma viajante como eu você deve saber. Alguns lugares que todos falam bem e pareceu amar, pessoas são gentis as noites frescas, transporte fácil, você chega lá e é o total oposto, mas para voce apenas os demais adoram. Outros as pessoas criticam e reclamam que as pessoas encaram, que os locais tem gosto ruim porque comem muito alho, mas você se sente perfeitamente em casa na Coréia. Por isso tenho um pouco de medo de ir a Copenhagen, todos falam bem mas e se ela não gostar de mim? Enfim, não me importo, eu vou me aposentar de verdade um dia e arranjar um gato para eu servir durante os próximos dezessete anos e ser feliz assim, em Copenhagen um dia.

A verdade é que eu adiei novamente esse plano de aposentadoria em prol de outro plano, o de vingança. O local e tudo foi feito como luz atrai mariposas, apenas para essa mariposa depois descobrir que ele não é uma mariposa e sim um veado e que a luz é na verdade o farol do meu Jaguar F-TYPE passando pelo meio dele. Novamente carrego o título de Baronesa. Fazia um tempo que não vivia na sociedade e confesso que não mudou muito em sua essência. Eu sou boa em ser rica, mas não deixo de achar idiota e enfadonho. As pessoas acham que isso é tudo que importa. Mas depois de andar em todos os círculos do inferno de uma coisa sei com certeza. Caráter e sofisticação não vem com dinheiro, muitas vezes, ouso dizer, é o oposto.

Como odeio Madrid profundamente, consegui uma quinta em Carabanchel não muito longe da Quinta Del Sordo, onde Goya morreu e criou a maior e mais poderosa coleção de pinturas que posso imaginar.

Morar perto de onde Saturno foi pego devorando seu filho adulto é algo que me fascina e me traz um sorriso no rosto em pensar e às vezes quando a lua está alta no céu lá fora eu imagino que sou Goya recebendo a inspiração, ou que sou Saturno devorando alguém sob o véu da escuridão. No silêncio profundo dessas noites claras...mas nunca vou entender a verdade. Nem mesmo os mortais entendem de onde a inspiração vem, de como você é tocado pela musa, ou você materializa a inspiração com o melhor de sua habilidade usando sua alma como pincel e seu mundo como canvas, ou fica louco no processo... ou os dois.

Quando você vive o tanto que eu vivi, ter uma vida moral é difícil, moral pode vir a se tornar algo insignificante, mas se você pretende viver por um longo tempo o foco é sempre fazer amigos e não inimigos. Um desses amigos de longo tempo me enviou um telegrama, para minha surpresa, em descobrir que telegramas sobreviveram a modernidade da era digital. Admito que demorei para finalmente ingressar nessa, aprendi computador apenas em 2008, quando Emiko me disse que já era algo comum, "como forno microondas" ela disse. Lembro do meu choque, gente, forno microondas é comum? Que loucura. É fácil a gente se perder ainda mais ultimamente que as coisas estão indo tão rápido, ontem mesmo eu estava aprendendo morse pois aparentemente seria a forma de se comunicar dali pra frente, agora ninguém mais sabe o que é isso. Nesse redemoinho de inovações quem é mais antigo como eu e tem uma perspectiva mais ampla do mundo acaba por invejar um pouco os mais jovens, eles conseguem se manter atuais com maior facilidade, Caius era o único que era antigo e bom nisso, de fato ele sempre se encontrava à frente dos demais, parecia sempre estar um passo além de tudo.

O telegrama era de Gennaro,avisando que gostaria de me visitar. Ah Gennaro, ele me traz lembranças. Meu querido compatriota. Passamos uma vida juntos em Londres nos anos 80. (1880). Éramos um grupo de sonhadores que só queria ver o mundo pegar fogo...lógico, poucas décadas depois o mundo de fato pegou fogo na grande guerra e a gente viu que as guerras modernas não eram divertidas como as da minha época, de lá fui direto para meu primeiro round na américa latina pra fugir desse furduncio. Gennaro foi pra guerra, eu parei de receber cartas dele quando me mudei, mas retomamos comunicação um tempo depois, ele e eu ainda temos paixão por escrita, mantemos diários e escrevemos cartas, assim como nos velhos tempos. Sempre o atualizo com meus endereços para que possamos manter a comunicação, manter vivo um costume tão delicado que infelizmente está morrendo com a modernização dos tempos. No dia seguinte eu o vi subindo a rua. Eu poderia ter chorado ao vê-lo. Ele era uma foto do rapaz que vi pela última vez, camisa de linho branca, calça caqui, um sapato de couro gasto, e uma mochila gigante nas costas, o sorriso largo dele no rosto. Essa era uma das noites que eu gostava de me imaginar enlouquecendo na Quinta del Sordo, mas eu não quis fazer isso, eu consumi cada segundo dele subindo a rua e fazendo graça. Parecendo o mazzaropi. Quando ele chegou aos portões de minha vila eu o apertei em um abraço, seus cabelos castanhos jogados, não sabiam se eram lisos ou ondulados: – Ah socorro! – brincou Gennaro – Estou sendo sufocado.

Imediatamente o livrei de seu fardo e segui para dentro: – Diga, do que precisa? – continuamos em nossa língua nativa.

A BaronesaOnde histórias criam vida. Descubra agora