Berlin - 1837

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Sempre que eu lembro desses dias eu lembro de como o mundo borbulhava com obras primas canalizadas por mentes únicas e derramadas em dedos trêmulos de jovens entediados que agonizavam por serem ouvidos. Jovens que, pela primeira vez, refletiam algo que via em poucos, talvez em Caius. Foi nesse mesmo ano que conheci de todos, meus mais próximos amigos, e foi nessa época que até hoje posso dizer com total segurança, que eu era feliz. Não tem muito o que contar, entre festas e óperas, conheci Yohann, Gennaro, Bertran e Dulcineia. A princípio não andávamos juntos, mas constantemente nos encontrávamos nas mesmas socializações, nas mesmas festas e certa vez em uma orgia (não é tão interessante quanto parece). Em meio a conversas e discussões Dulcineia e os demais mencionavam sempre seus demais amigos, de como seria maravilhoso se viajássemos juntos. – Gostaria de ver ela se dar com Solfieri. – disse certa vez.

– Eles vão se amar ou se matar. – disse Yohann, pálido e loiro, os seus cílios claros se fechando diante dos seus olhos conforme ele ria. Grande daquele jeito, tão gentil. Éramos um grupo que ia bem junto, todos tínhamos a mesma idade aparente, nosso estilo de roupas e classe social era semelhante e quando saíamos para jantar, as pessoas se atraíam a nós, como que por pura gravidade, esforço não era necessário. Mas sempre havia menção de conhecer outros lugares, outras pessoas, o tal do Solfieri e os demais franceses. Porém, nada disso acontecia. Eles iam e voltavam de Londres, contavam das aventuras que passaram na Itália, de como conheceram Shelley, e me traziam obras novas para lermos e discutir. Eram bons tempos.

– Tens que conhecer e os outros. – disse Dulci certa vez. Eu não queria sair de Berlin, a cidade era nossa, minha e de Bertran. Eu ele e Yohann raramente nos separávamos. Íamos com Dulci de lado a lado, Paris, Berlin, Londres. E eu lembro bem pois foi quando fui tocada por Frankenstein e achávamos que seríamos descobertos como revenants que nos refugiamos em Lyon. Meu grupo de românticos estava em uma propriedade de um Lorde amigo nosso. Era cerca 1837 e eu estava feliz que Byron adotou nossos refúgios com seus colegas mortais. Extremamente impactada pela obra de Mary, e consumida pela vontade de conhecê-la, mas ao mesmo tempo com medo, pois nunca tive boas experiências (foi o que aconteceu com Byron) após conhecer os poetas que admiro. A verdade é que existem dois tipos de românticos, os que saem e vivem os poemas e os que os escreve. Os românticos como nós, são incapazes de pôr em papel esse tipo de coisa, mas os que são bons no papel, raramente sabem expressar isso pessoalmente. Byron era uma rara exceção, mas ainda assim extremamente egocêntrico, depois que transcendeu então, ele apenas piorou. Até hoje o maior pau no cú que já conheci.

Recebemos mensagem durante o dia de que um grupo de amigos que estava em Paris se preparava para buscar abrigo por uns dias nessa mesma propriedade. Lord Guerneuvé, um Marquês Vincit que nunca tinha ouvido falar e Lady Rosemund. Eles viriam sem familiares, assim como nós, criados cuidando do palácio durante o dia, farra durante a noite. Dulci foi recebê-los na cidade e quando a carruagem chegou, logo ao pôr do sol, eu vi os criados retirando as bagagens e esperando os visitantes, mas não me atentei em segui-los. Estava na biblioteca nesse momento e não vi porque ir lá fora se viriam todos pra cá momentos depois. Nunca fui muito de seguir protocolos sociais. Depois de ouvir gritos de alegria e felicidade de meus colegas, resolvi me levantar e observar pela janela. Da carruagem saíram três figuras. Dois homens bonitos e uma mulher mais ou menos. Um tinha por volta de 1,76 de altura, rosto jovem, olhar esperto e sorriso branco. Sua pele era branca, mas por incrível que pareça, me parecia beijada pelo sol. Cabelos castanho claro também beijados pelo sol, a moça não era alta nem baixa, seus cabelos eram um pouco mais claros que os do primeiro homem e ela estava muito bem vestida. A terceira figura era um homem de 1.88cm de altura pelo menos, podia ser mais, pele clara, como mármore, ele não usava chapéu, e parecia não se importar, cabelos negros como minha alma, olhos mais negros ainda e sagazes, observando tudo. Ele me viu na janela e eu quase me escondi por reflexo, mas pensei rápido e não vi o porque. Nos olhamos pelo que pareceu uma eternidade, não acenamos nem nada. A porta do hall se abriu e Gennaro praticamente arrombou a da biblioteca.

A BaronesaOnde histórias criam vida. Descubra agora