Cap 27

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Minha única alternativa é avisa-la. Os carreiristas ainda não a viram, mas é só uma questão de tempo. De segundos. Começo a tossir o mais alto que consigo, na esperança de que ela escute, e corra para longe daqui. Depois disso, tudo é muito rápido. Como se já estivesse preparada para o pior, Katniss levanta num pulo, e começa a correr, bem no instante em que todos a avistaram. No começo, eles quase a alcançam, porém, ela corre rápido. Eu fico bem para trás, pois meu corpo, principalmente minha perna, não respondem a urgência de minha mente, mesmo eu sabendo que alcança-los não vai fazer com que Katniss se salve dessa. Mas ela é esperta. Começa a escalar uma árvore, habilidade que talvez nem todos tenham. Pelo seu rosto, vejo que ela também está machucada. Me pergunto se nesse tempo em que estive com os carreiristas, eu não podia simplesmente ter ficado com ela, talvez eu conseguisse impedir seu sofrimento. Mas coloco as ideias no lugar, e admito que vencer os jogos ileso, é algo totalmente irreal. Quando a alcançamos, ela já está bem acima de nós.

Ela me olha, como se não acreditasse que me juntei a eles. Como se não acreditasse, que eu matei aquela garota. Parece que cada vez que faço alguma coisa para ajudá-la, denigro ainda mais a minha imagem. Não importa o que os outros pensem de mim. Não importa o que esses jogos façam eu parecer. Eu só queria que ela enxergasse o verdadeiro Peeta sob toda essa escoria de atitudes incompreensíveis, e sentisse ao menos um pouco de afeição por mim. Um pouco de amor. Um pouco de qualquer sentimento bom, nem que fosse piedade. Ela desvia o olhar, e sorri. Quando penso que minhas atitudes são estranhas, ela vem com essa.

— Como vocês estão? — ela pergunta parecendo alegre.

Todos ficamos confusos. Os carreiristas na verdade ficaram desconcertados.

— Bem o bastante — Cato diz, se recompondo. — E você?

— Está um pouco quente pro meu gosto — ela responde, com deboche. — O ar é melhor aqui em cima. Por que você não sobe?

— Acho que irei — ele responde, decidido.

— Aqui, tome isso, Cato — Glimmer diz, enquanto oferece o arco e a caixa de flechas a ele.

Katniss olha para aquilo, com certo ódio. Afinal, se ela tivesse essa arma, provavelmente teria matado a todos. Inclusive a mim. Talvez eu até fosse o primeiro, sem chance de me explicar.

Cato não aceita o arco.

— Eu ficarei melhor com a minha espada.

Enquanto ele diz isso, vejo um brilho perverso em seus olhos. Estou enjoado, estou em pânico. Mas não demonstro nada. Fico parado, apenas olhando, como se um milagre fosse acontecer a qualquer momento, se eu não me mexer.

Katniss escala ainda mais alto, e quando Cato começa a subir o milagre acontece. Os galhos não aguentam seu peso, e se quebram. Ele cai com força no chão, e eu penso que talvez ele tenha morrido. Mas ele é forte demais para morrer assim, se levanta imediatamente, e começa xingar a todos, vermelho de raiva.

Glimmer imediatamente tenta escalar a arvore, mas os galhos novamente fazem menção de quebrar, e ela para, sem querer correr o risco da mesma queda de Cato. Ela provavelmente não sobreviveria. Ela ainda tenta atirar algumas flechas, mas erra, com uma margem de distância enorme. Uma porém, se aloja na arvore. Katniss a pega, e zomba de Glimmer com a flecha na mão.  Katniss está pelo menos, vinte metros acima de nós. Acerta-la, com qualquer tipo de arma, seria uma tarefa muito difícil.  Todos estão muito nervosos, por ela ter escapado, por enquanto, e estão tentando achar um meio de matá-la daqui mesmo. Antes de eles terem alguma ideia que poderia dar certo, os interrompo.

— Ah, deixe que ela fique lá em cima. Não é como se ela fosse a algum lugar. Nós lidaremos com ela de manhã – digo isso de uma maneira severa, para não demonstrar que na verdade, quero dar mais tempo a ela. Dar mais tempo para mim. Quem sabe eu não tenha alguma ideia, sobre o que fazer, até amanhã?

Eles concordam comigo, afinal, ela não tem mesmo como sair dali. Eles decidem montar acampamento embaixo da arvore. Eu arrumo um monte de folhas e me deito de costas. Consigo ver Katniss, tão longe, e tão indefesa.

Os carreiristas acendem tochas, e comem algumas frutas que por sorte, alguém trouxe na mochila. Não me oferecem nada, mas eu não estou com fome. O garoto do 3, ganha, pois no estado em que está, provavelmente morreria até amanhecer, e não sei o porquê, mas eles ainda o querem como aliado. A música começa. Me viro para o lado, com medo, de que a foto da garota que eu matei apareça novamente, mesmo sabendo que isso não vai acontecer. Nunca vou me esquecer dos seus olhos. Das minhas mãos sujas de sangue inocente. Só volto a olhar para cima, quando a música acaba. Glimmer avisa que faz questão de ficar de guarda hoje. Não digo nada, mas também irei ficar acordado, para olhar Katniss todo o tempo que eu puder.

Uma dor arrebatadora, é o que me acorda. Apenas me levanto e corro, esquecendo temporariamente da minha debilitada condição física. Meu ouvido dói tanto que penso que vou desmaiar. Sinto uma espécie de picada na barriga e logo vem a mesma dor, quase insuportável. Enquanto corro percebo que, é uma espécie de vespa que está me atacando. Não podem ser vespas normais. Outra picada, dessa vez em meu antebraço. Já estou cambaleando, quando me lembro. Katniss! Seja o que for, isso também deve ter atacado Katniss! As vespas estão tomando outra direção, eu aproveito para voltar, para a arvore. Corro com todas as minhas forças, mas parece que estou em câmera lenta. As arvores ao redor parecem estar rindo de mim. É difícil ter alguma direção, mas não é minha mente, e sim meu coração que está me guiando até Katniss. Escuto um canhão. Não pode ser, me forço a correr ainda mais rápido. Escuto outro canhão. Meu corpo desfalece, enquanto deposito minhas ultimas forças em minhas pernas. Finalmente chego a arvore, e vejo alguém. Pego imediatamente minha faca, pronto para me defender, se preciso, mas um momento de lucidez faísca em minha mente e reconheço Katniss. Estou chocado, e feliz por ela estar viva! Está tudo rodando, tudo colorido demais. Me aproximo rapidamente abrindo caminho dentre as folhas.

— O que você ainda está fazendo aqui? — eu grito.

Ela me encara, completamente confusa. As picadas em meu corpo estão pingando um liquido fétido. Ela não se meche, ela precisa sair daqui, antes que alguém volte.

— Você está louca?  - grito, enquanto a empurro com o cabo da minha faca.

Nenhuma reação. Ela tem picadas pelo corpo também.

— Levante! Levante! – suplico.

Ouço passos atrás de mim. Katniss parece um borrão a minha frente. Ela levanta devagar, ainda paralisada, e eu a empurro com mais força.

— Corra! — eu grito desesperado. — Corra!

Ela começa a correr e eu respiro aliviado. Até olhar para trás, e me deparar com Cato, com uma ferroada horrível sob um olho, e no outro, a compreensão de minhas atitudes. Ele vem para cima de mim como um touro, e me dá um golpe com a sua espada. Eu me desvio, mas não a tempo de retirar minha perna que é pega em cheio. A dor ultrapassa todos os limites, mas eu me obrigo a correr. Não sei porque estou lutando pela vida, quando sempre soube ao que eu estava destinado. Talvez saber que Katniss ainda está viva me impulsione. Corro, escutando Cato cortando galhos atrás de mim. A luz do dia está enfraquecendo. Está ficando escuro. Minha perna derrama sangue. Sangue quente como os lábios de Katniss em minha bochecha. Ainda corro, estou com frio. Em uma fração de segundos, estou rolando morro abaixo. Não sei como aconteceu, devo ter tropeçado e caído em algum declive. Quando paro de rolar, não tenho forças para levantar. Essa deve ser a sensação de morrer. Meus olhos estão se fechando lentamente, e eu não tento resistir.

- Peeta! – é a voz de Katniss como um eco, chamando meu nome.

É a última coisa que escuto antes de meus olhos se fecharem totalmente.


Jogos Vorazes - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora