Cap 26

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A fome, e principalmente a sede começam a me debilitar. As dores em meus machucados, não são nada se comparado a angustia do meu princípio de desidratação. Quando pegamos uma boa distância de onde Katniss estava, começo a relaxar um pouco, mas o estado de pânico em que eu estava, servia para ao menos me distrair da minha real condição. Voltamos para a Cornucópia, mas eu estou perdendo a noção. Meu psicológico está abalado devido ao que tive de fazer. Meu corpo grita desesperadamente por agua e comida, e de repente sou surpreendido por um soco nas costas.

- Droga, eu vou descobrir quem fez isso, eu quero matar lentamente essa pessoa – estou estirado de cara no chão, mas consigo distinguir que é Cato quem está gritando, e que me deu esse soco.

- Devíamos ter deixado alguém aqui, de guarda – Glimmer comenta.

- Temos que dar um jeito nisso – Cato grita, descontando sua raiva em meu corpo quase sem vida, com pontapés.

Quando consigo me sentar, me encosto na Cornucópia reparando que está tudo revirado, e esse deve ser o motivo da raiva de todos.  

- O que aconteceu? – Arquejo.

- Alguém roubou uma parte da nossa comida – Clove responde.

- Vamos descobrir quem fez isso – dessa vez é Marvel que grita.

- Acho que nosso Garoto apaixonado não aguenta mais uma corrida pela floresta. Porque não deixamos ele de guarda aqui, enquanto vamos atrás do engraçadinho que mexeu em nossas coisas? – Glimmer diz.

- Pode ser – responde Cato.

Eles se alimentam, e em seguida Clove vai até o lago, encher as garrafas de agua. Assim que ela volta eles começam discutir para que lado caçar. Quero ir junto para o caso de acharem Katniss, mas não consigo. Morreria pelo caminho. Eu sei que ela está mais atenta agora. Que ela me odeia mais agora. Talvez se eu descansar um pouco, consiga me recompor e ser útil para ela, pelo menos por mais um tempo. Quando eles já estão de saída, Clove me joga uma garrafa cheia de agua. Isso seria mesmo possível ou ela só está tentando zombar de mim, ou algo do tipo?

Me levanto com a garrafa nas mãos, com um sinal de interrogação bem visível em minha expressão.

- Beba isto! E vê se come alguma coisa também. Você não nos será útil, morrendo desse jeito. Ainda temos muitos planos para você – ela diz, como se estivesse se explicando.

Em seguida ela ri com desdém, e segue o grupo se embrenhando na floresta.

Quase choro com isso. Bebo quase a garrafa toda num só gole, em seguida, pego um pedaço de carne, um de pão, algumas frutas e como imediatamente, com medo de isso ser algum tipo de brincadeira, de sonho, e acabar de repente. Eu imaginava morrer de uma maneira mais rápida. Fome e sede não estavam na lista. Me sinto bem melhor depois de saciar meu corpo. Ainda tem os machucados e hematomas espalhados por toda a parte, o que dói bastante. Mas agora sinto que posso continuar mais um pouco. Está quase entardecendo, e ainda não escutei canhão algum. É um alivio, mas quem garante que se eles acharem Katniss a matarão de imediato? É mais provável que eles a tragam até aqui, para matá-la na minha frente, e só depois acabarem comigo. Ouço ruídos e vejo que eles se aproximam.  Tem mais alguém com eles. Me sobressalto, mas logo vejo que é um garoto. Do distrito 3, acho.

- Trouxemos mais companhia – Glimmer diz, sorrindo.

O garoto é bem magro, parece ser bem novo também, e está bem machucado.

- Comece logo a fazer seu trabalho, antes que eu mude de ideia, e te mate – Cato ordena, gritando. – E você, ajude ele.

Levo mais um tapa no rosto, e quase arranco a faca que está em minha calça. Mas 4 contra 1 seria algo bem previsível, o perdedor seria eu. Não faço ideia do que tenho que fazer, mas me junto ao garoto assustado, que diz para eu pegar todas as coisas de dentro da Cornucópia, e amontoa-las à frente dela. Faço o que ele disse sem mais perguntas, enquanto ele cava um buraco na terra com as próprias mãos. Os carreiristas comem e saem para mais uma caçada, enquanto eu fico aflito, desejando não escutar um som de canhão. Quando termino de baldear as coisas da cornucópia para fora, o garoto do distrito 3 já cavou 24 buracos no chão, e deles retira uma coisa pequena de metal, na qual ele manuseia com muito cuidado. Ele me pede ajuda, para cavar pequenos buracos ao redor da pilha de armas e mantimentos que acabei de carregar. Estou exausto, mas olho o estado em que ele se encontra, e resolvo ajudar. Cavo 24 buracos em distancias alternadas, enquanto ele mexe naqueles dispositivos e logo depois os enterra de uma forma que, se você não visse ele enterrando, não saberia que havia algo ali. A ficha cai. Ele está montando uma espécie de campo minado. Ele é do distrito 3, gênios sobre tudo o que se trata de eletrônico, mecânico, armas. Ele reativou as minas ao redor da pilha. Mas, e se Katniss resolvesse vir até aqui e pegar algo? Ela explodiria em vários pedaços. Esse pensamento me arrepia, mas o que me deixa horrorizado, é saber que se caso isso aconteça, indiretamente, eu serei o culpado, afinal, eu ajudei a fazer isso.

Os carreiristas voltam, e ficam bem felizes com o resultado. Dão um pouco de agua para nós dois, como recompensa. Já está escuro, a música começa, e no céu, vemos a foto da garota que eu matei. Eu matei. Essa constatação fica ecoando em minha mente. Na foto, seus olhos parecem fixos em algo. Parecem fixos em mim. Paro de olhar, pois as cenas voltam a minha mente, fazendo eu me arrepender amargamente de ter feito aquilo, de não ter a ajudado, mesmo sabendo que tudo o que fiz, foi por Katniss. Consigo me acalmar um pouco, com o pensamento de que se eu não tivesse agido dessa maneira, eu poderia estar vendo a foto de Katniss, agora. E isso é uma coisa que eu não quero, que eu não posso ver.

Marvel e o garoto do 3, ficam com o primeiro turno, para os outros poderem dormir. Eu não consigo dormir por um segundo, pois sinto que se eu fechar os olhos, posso nunca mais abri-los. Depois de um tempo, Marvel chuta minha perna, avisando que é hora do meu turno, juntamente com Clove. Ela fica todo o tempo afiando suas facas e me olhando como se eu fosse comida. Quando Cato acorda ele anuncia que é hora de caçar. E com isso sei que na verdade, é hora de caçar Katniss especificamente. Todo se levantam, se alimentam, menos eu e o garoto do 3, que não podemos ter tantos privilégios assim. Nos embrenhamos mais uma vez na floresta.

Estamos andando há bastante tempo, e as vezes tenho a impressão de que andamos em círculos. Mas tenho o bom senso de ficar calado, pois não preciso de mais uma surra. Não mesmo. Eles conversam alegremente entre si, planejando como matar Katniss. Eu tento não prestar atenção, mas se eles percebem que estou alheio, levo tapas ou socos. Eles estão decididos a me torturar.

- Calem a boca! Escutem! – Clove diz de repente.

Todos ficam em silencio. E é possível escutar um barulho estranho. Ao longe, porém muito estranho.

- Está muito calor também, não? – Glimmer comenta.

Todos concordam, e eu tenho o instinto de olhar para trás. Ao longe, por entre algumas árvores vejo fogo. Mas isso não parece ser um fogo comum.

- Corram! – Escuto Cato dizer, antes de juntar todas as minhas forças e sair correndo o mais rápido que posso.

Já perdi a noção de quanto tempo estou correndo. Minhas pernas estão tremulas, meus pulmões parecem prestes a estourar devido a fumaça. Quando finalmente tenho a coragem de olhar para trás novamente, o fogo parece ter sumido, tão de repente quanto apareceu. Não vejo mais ninguém, mas escuto vozes. Devem ser meus amigos carreiristas. A fumaça está muito espessa, o que torna quase impossível enxergar um palmo a frente de meu nariz. Continuo andando, com medo de que o fogo volte. Dou um pulo, quando sinto alguém agarrar meu braço.

- Aqui está você, garoto apaixonado!

É Glimmer. Ela aperta forte meu braço. Enquanto caminha, chamando por Cato e os outros.

Depois de um bom tempo, conseguimos encontrar Marvel, e o garoto do 3. Quando finalmente encontramos Cato e Clove, já está anoitecendo. Andamos mais um pouco, totalmente perdidos, até que chegamos à beira de um lago. É quase uma benção encontrar agua depois de correr tanto e aspirar tamanha quantidade de fumaça. Mas minhas emoções passam de felicidade para angustia, de angustia para medo, e de medo para desespero. Em meio a uma fina camada de fumaça, reconheço uma silhueta. É Katniss. Ela está bem aqui, na minha frente, a uma distância mísera de nós. A uma distância mísera da morte. Nesse momento eu desejei desesperadamente ter morrido no primeiro dia, no primeiro minuto dos jogos. Para não ter que presenciar o que claramente viria a seguir.


Jogos Vorazes - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora