002 - O Verbo Pobre

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Os sonhos doudos doutros homens domam
os sonhos desses homens que não pensam.
Homens que comem, cansam mas condensam;
que casam, caçam, cantam mas não somam...

Os planos toscos doutros bichos tomam
os planos bons dos bichos que compensam.
Bichos que traem para que outros vençam
que roubam, matam para que os seus comam.

Bicho-homem, homem-bicho no lixão
terrestre tal campestre cava o chão
à procura dos restos que lhe restam...

Pobre homem, bicho pobre no caixão
da má sorte minguando o corte à mão
formal dos santos pravos que lhe crestam.

Gustavo Valério Ferreira
14/03/2020


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          O soneto acima, como podem ver na escansão, é composto de 10 sílabas métricas em todos o versos, ou seja, é isométrico. Poucas técnicas foram empregadas nele, as que se destacam são:

          O emprego de rimas pobres propositalmente em todos os versos como reforço ao título, principalmente no uso excessivo de verbos rimando em 10 dos 14 versos.

          O emprego de aliterações nas letras D, S, M em todo o soneto e nalguns versos, a aliteração reforça também as consoantes C, T, B, P e R.

          O uso de assonâncias nas vogais O e E em todo o soneto e nalguns versos, a assonância reforça também a vogal A.

          A nasalização do soneto também é um recurso que força a homofonia proposital, e faz contraste com o brilho das vogais abertas dentro da maioria dos versos causando um efeito ritmico que cai ao final; mesmo usando oxítonas o recurso de nasalização não foi esquecido.

         O soneto inteiro, exceto nalguns versos específicos, é apoiado em ritmo binário e nalguns hemistíquios conta com o apoio de ritmos quartenários. Nesse soneto percebemos a insistência dos pés métricos iambo e peônio de 4ª, como também a presença dalguns anapestos e troqueus.

        É possível observar coroas de rimas soantes no segundo verso de cada terceto:
                10 -> terrestre/campestre
                13 -> sorte/corte

         O soneto também abusou dum recurso chamado de enjambement, que faz com que um verso continue no seguinte, de modo a interromper a pausa que normalmente ocorre no final de cada verso; o recurso é utilizando de modo a quebrar o ritmo dos tercetos, onde foi necessário colocar coroas de rimas para compensar a pausa forçada dentro do segundo verso de cada, como também forçou o uso de aliterações e assonâncias intensas no terceiro verso de cada um para manter a compensação ritmica, quebrada fatalmente pelo enjambement:

(RESTos/RESTam) / (foRmAl/pRAvos/cRestAm).

          O terceiro verso de cada terceto compensa o uso dos verbos em excesso pegando a rima do primeiro terceto e aplicando como sufixo na última rima:

(que lhe RESTAM/que lhe cRESTAM)

          Mantendo assim o conceito da Consoante de Apoio recomendado por Osório Duque-estrada na obra A Arte de Fazer Versos.

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