046 - Os Organismos

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O gás carbônico premeu os ares
pulmões, amores, vidas e direitos...
Desvirginou corais rudimentares
turvou os mares, antes tão perfeitos!

Os organismos multicelulares
portando tecnológicos conceitos
liquidam floras, faunas em jantares
ou em colares caros, insuspeitos...

Sociedades muito consumistas
formam cidades para fabulistas
e moralistas cujo mau descerra...

O vil humano dimanou rotundo
pois mesmo promovendo paz no mundo
vive se preparando pruma guerra!

Gustavo Valério Ferreira
04/06/2020


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              O soneto acima é tão simples que nele apenas três técnicas foram aplicadas, e são, por natureza, as três técnicas mais difíceis:

       1. Não usar nenhum metaplasmo
       2. Usar apenas rimas soantes ricas*
       3. Usar o maior número possível de sons vocálicos por verso


O que são Rimas Soantes Ricas?

Rimas Soantes Ricas ocorrem quando palavras de classes gramaticais diferentes possuem sonoridade idêntica a partir da última tônica.

guerra (s.m)   x descerra (vb)
rotundo (adj) x mundo (s.m)

           As rimas ricas não são de extremas importância na poesia, é apenas uma forma de garantir que o poeta se esforce na hora de compor as orações que formam as estrofes.

          É possível escrever excelentes poemas sem o uso de nenhuma rima rica, ou até mesmo sem o uso das rimas, mas aquele que ama a literatura e é conservador quanto as técnicas que nossos antepassados desenvolveram para musicalizar os versos, tendem a aprender técnicas que transmitam uma mensagem secundária além da que pode ser lida e entendida no texto.


O que são Metaplasmos?

              É um assunto mais complexo do que parece, pois há vários tipos de metaplasmos.
Basicamente o metaplasmo é um fenômeno que altera a fonética de palavras ao longo da evolução da língua, e na literatura, é o que altera no decorrer do verso.

              Na pronúncia normal, os versos acabam formando palavras novas e graças aos metaplasmos, é possível que algumas palavras fundam-se noutras formando novas palavras (apenas na dicção) e alterando a quantidade de sílabas. 

É dessa forma que o poeta consegue manter os versos com os mesmos tamanhos.

Ex: Minha alma te ama!

Separação gramatical:
mi.nha..al.ma..te..a.ma

Na dicção, a pronúncia passa a ser:
mi.nhal.ma..tia.ma


               Ocorreu ali um metaplasmo chamado de "elisão" (minhalma) e um metaplasmo chamado sinalefa (tiama). No caso da elisão, uma vogal desaparece na pronúncia transformando dois vocábulos em um novo (minhalma) e no caso da sinalefa, uma vogal perde força transformando-se em semivogal e sendo atraída pela vogal à direita formando um encontro vocálico (tiama).

              Observem também que, ao formar um novo vocábulo durante a prosódia, a tonicidade pode mudar completamente já que agora temos a formação de uma nova palavra e nenhuma palavra tem duas sílabas tônicas (pesquisar sobre sílabas subtônicas):

Abaixo segue o destaque das sílabas tônicas:

         Minha alma te ama.

Temos 4 palavras, três são paroxítonas dissílabas, o pronome é átono.

                 Quando as duas primeiras palavras fundiram-se uma noutra, um novo vocábulo surgiu e pela regra gramatical e prosódica, na formação, uma sílaba tônica vai perder a força:

          Minhalma ...

                 Acima podemos observar que os dois vocábulos dissílabos paroxítonos se embeberam formando um vocábulo trissílabo paroxítono.  O motivo do vocábulo ter-se tornado paroxítono  (minhalma)em vez de proparoxítono (minhalma), além das regras do idioma, tem a ver com a fusão das duas vogais a. Uma delas era tônica (alma) e ao unir-se por crase, a potência subiu tornando forte a ponto de diminuir a potência da sílaba inicial (minhalma).


               Caso o assunto sobre metaplasmos seja do seu interesse, sugiro buscar aprofundamento e pesquisar sobre sílabas poéticas, pois é um assunto muito extenso, porém de baixa dificuldade.

                Apenas compreenda que na prosódia comum, a formação de frases altera vários vocábulos, tanto quanto à acentuação como no número de sílabas pronunciadas.

                Esses recursos são muito utilizados por poetas revivalistas (atualmente) e foram bastantes usados pelos poetas mais antigos para garantir que cada verso do poema tenha o mesmo tamanho, e que tivesse pausas pré-programadas, garantindo com isso ritmo e musicalidade ao poema, além de outros efeitos de sonoridade.

                 É muito difícil escrever um poema inteiro sem usar nenhum metaplasmo pois eles ocorrem naturalmente. Compor evitando-os requer um bom conhecimento sobre eles, como também muita paciência.

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