》Capitulo 1 《

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LIA


Só fazem alguns minutos que entrei nesse avião e já parece que se passaram horas, talvez seja meu trauma de infância. Não, eu não sofri um acidente de avião, mas todo esse medo é por conta de um filme que eu vi quando era pequena. Você deve estar se perguntando: Se ela tem medo, por que está viajando de avião? A resposta é simples: fui obrigada a ir de emergência para Brasília, minha mãe está doente e internada.

Eu morava em Brasília desde que nasci, mas assim que completei meus 18 anos, me mudei para o Rio de Janeiro em busca de independência. Hoje já tenho 23, mas com carinha de 20, modéstia à parte. Não fui de mãos atadas, eu queria uma faculdade, um emprego, uma vida nova, nada de homens. Na verdade, eu fujo de relacionamentos desde sempre.

Enfim, isso tudo não vem ao caso agora. Estou preocupada com minha mãe. Ela infartou enquanto estava no trabalho. Exerce a função de recepcionista em uma clínica odontológica, fazem uns 8 anos, em média. Entrou lá quando era apenas uma recepção, dois pequenos consultórios e um banheiro. Hoje em dia, a clínica já é uma das maiores do Distrito Federal, e ela sempre acompanhou todo o crescimento da empresa. Devido a isso, a sobrecarga de trabalho tomou de conta da sua saúde e ontem aconteceu essa tragédia. Quem me avisou a situação foi o chefe dela, e como é viúva, não tem mais a quem recorrer além de mim, então lá vou eu.

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- Atenção senhores passageiros! Dentro de instantes estaremos pousando no Aeroporto de Brasília. Mantenham o encosto da poltrona na posição vertical e suas mesas fechadas e travadas. Observem os avisos luminosos de apertar cintos.

Já chegamos? Uau! Aquele remédio para dormir funcionou mesmo, um cochilo e a hora passou que nem notei. Melhor assim. Espero que não precise viajar de avião novamente, mas se for o caso, tomarei esse milagre em forma de cápsula sempre.

Minha mãe está internada no Hospital de Brasília. Ouvi dizer que é um dos hospitais mais antigos da cidade, e atualmente é um dos melhores, então isso diminui minha preocupação em 1% sabendo que ela está sendo bem cuidada. Mas a pergunta é: como eu chego lá? Já faz um tempo que não venho à minha cidade natal, então não sei mais andar por aqui.

- Boa tarde, moça! Você tem horas?

Quem me direciona essa pergunta é um rapaz alto, cabelos castanhos e lisos, porém bagunçados. Está bem vestido com uma calça e camisa apertada, desenhando bem seu corpo musculoso. Quando subo a visão de encontro ao seu rosto, deparo-me hipnotizada olhando para seus olhos verdes estonteantes. Se eu ouvisse isso de qualquer outra pessoa, sairia correndo achando que poderia ser um assalto, mas meu corpo não sai do lugar de forma alguma, então minha voz falha:

- Pe-perdão, o que disse?
- Lhe perguntei as horas. - ele ri.
- Ah, sim. Okay. Tudo bem. Vou ver pra você neste momento. Só um minuto. Rapidinho. - Pareço nervosa? Porque eu estou muito nervosa.

Ele me observa, enquanto tiro o celular da minha cintura. Deve estar imaginando: Por que ela vai ver no celular, sendo que tem um relógio em seu braço? Mas a verdade é que meu relógio está parado, tenho que trocar a bateria, mas nunca tirei um tempo para fazer isso.

- São 14h22.
- Tudo bem. Muito obrigado! Qual é o seu nome mesmo?
- Lia. Lia Torres.
- Prazer Lia, meu nome é Andrew Garcia. - Ele completa. - A bateria do meu celular descarregou e eu estou atrasado para ir para a faculdade.

Ele ainda faz faculdade? Não parece ser tão novo. Aparenta uns 25 anos, mas já deve estar concluindo o curso. Então ouso perguntar:

- Você faz curso de que?
- Já conclui minha graduação em Arquitetura e Urbanismo, no momento estou fazendo meu doutorado.
- Uau! Eu cursei Engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
- Olha só, uma carioca.
- Na verdade, nasci aqui mesmo, só me mudei pra lá para estudar e ter uma vida diferente.
- E o que a traz de volta? Vejo que está com malas.
- Ah, sim, é que minha mãe... MEU DEUS, MINHA MÃE!
- O que tem sua mãe?
- Ela passou mal, está internada, vim por conta disso e perdi a noção do tempo. Já era para eu estar no hospital e estou aqui jogando conversa fora. Sou uma péssima filha!
- Nossa! Me desculpe em ocupar seu tempo, não fazia ideia. Como posso te ajudar? Qual hospital ela está?
- Hospital de Brasília.
- Perfeito!
- Como assim perfeito? Ela está internada! - Me aborreço.
- Não, não foi isso que quis dizer. É que o hospital é próximo a Universidade de Brasília, estou indo para lá. Posso oferecer-lhe uma carona?
- Olha, eu geralmente não aceito carona de estranhos. Mas como estou muito atrasada, e parte da culpa foi sua, vou aceitar a carona. - Ele ri.
- Então vamos depressa, não quero que o pior aconteça com sua mãe e também seja minha culpa.
- Vira essa boca pra lá. Vamos!

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Ele dirige rápido. Talvez seja a pressa para me deixar ao hospital, ou talvez seja sua forma normal de dirigir, mas só sei que eu gosto.

- Escolhe uma música. - Ele diz.
- Meu gosto é péssimo, você não iria curtir.
- Eu sou bastante eclético, não se preocupe.
- Melhor você colocar algo.
- Se você não escolher alguma, eu vou começar a cantar.
- Olha, eu acho que vou pagar para ver isso.
- Não, melhor não. Vou ficar te devendo essa. Eu não canto bem, só estava brincando.
- Irei cobrar.
- Um dia quem sabe.

"Um dia"? Então ele pretende manter contato comigo? Espero que sim, creio que não. Até o momento ele parece ser um cara legal, nosso papo está bom, ele está me dando uma força me levanto até minha mãe, talvez eu queira conhecê-lo melhor. Se bem que eu prometi para mim mesma que não iria me envolver com mais ninguém desde o meu último relacionamento devastador. Ainda hoje sinto o peso dos chifres e, mesmo que eu não queira admitir, ficou uma cicatriz no coração, consequentemente tenho um bloqueio em me relacionar sério com qualquer tipo de homem.

Mas espera! Eu estou mesmo cogitando algo com ele sendo que nós ainda nem nos beijamos? Talvez ele já tenha alguém e só esteja sendo gentil comigo. Tenho que me livrar desses pensamentos.

- Eu gostei do seu carro.
- Troquei recentemente. Fico feliz que esteja se sentindo a vontade.
- Não entendo muito bem de veículos, mas qual é o nome desse? - Ele ri e demonstra entusiasmo ao me responder.
- É o novo Onix, lançamento recente. Desde que o vi pela primeira vez, já sabia que era o carro que combinava comigo. Já tinha umas economias guardadas, então resolvi dar entrada e comprar. Digamos que "deu match".
- Eu amo carros vermelhos.
- Esse é o Vermelho Carmim.
- Me sinto numa nave. Acho que nunca andei em um carro tão chique.
- Você me deixa sem graça com tantos elogios.
- Não se acostume, só estou realmente impressionada.
- Hum, vai bancar a mulher fria e difícil?
- Eu não tenho que bancar nada, você está tirando suas próprias conclusões. A verdade é que para definir minha personalidade, vai precisar de muito mais do que duas horas comigo.

Notei que ele ficou boquiaberto. Será que pareci grossa demais? Sincera demais? Será que eu joguei fora a oportunidade de conhecer esse rapaz?
Ele permanece calado por uns dois minutos, e eu fico sem jeito. Até que Andrew dá um suspiro e diz:

- Então, Lia, já estamos chegando ao hospital e não posso deixar isso assim. - Eu só consigo pensar "A patada vem", então ele continua.
- Já que duas horas não são o suficiente, quero ter a oportunidade de te conhecer melhor. Toparia sair qualquer dia desses?

NOSSA! É sério que ele está me chamando para sair? Eu esperava que ele abrisse a porta do carro e me colocasse para fora. O que eu respondo? O carro então para. Chegamos ao meu destino.

- Antes que eu desça, pode me emprestar seu celular? - Pergunto. Ele me olha com olhar de desesperança em busca de uma resposta, mas concorda com a cabeça, desbloqueia o celular e me entrega.

Digito meu telefone, e devolvo o celular sem dizer absolutamente nada. Ele me olha pensativo, então digo:

- Não entendeu? Esse é meu número de telefone. Não posso te confirmar algo porque não sei qual será a procedência da minha mãe aqui. Então manteremos contato, pode ser? - Ele abre um sorriso.

Seus dentes são branquíssimos, parece que acabou de sair de uma sessão de clareamento. Os olhos cor de mel pousados em mim me deixam desconcertada. Então ele afirma alegre:

- Está ótimo, Lia. Foi um prazer te conhecer, você nem faz ideia. - Muito obrigada, Andrew. Você nem imagina o quanto me ajudou. Aguardo sua mensagem.

Deposito um beijo em sua bochecha e desço da nave vermelha. Então aceno com a mão e observo meu príncipe de conto de fadas ir embora.
Logo em seguida, vem um choque de realidade. Toda aquela sensação boa que senti enquanto estava com ele vai embora e sinto a angústia da vida real subindo sobre cada gota do meu sangue. Hora de ver minha mãe. Caminho até a entrada do hospital.

(R)EXISTA!Onde histórias criam vida. Descubra agora