A Visão

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Tudo estava desfocado. Esfregou os olhos, tentando ver melhor, mas não sentiu as mãos no seu rosto. Não sentia nada, nem frio, nem calor, nem sequer o seu toque. Felizmente o que via começava a ficar mais nítido, caso contrário teria entrado em pânico.

Havia muito barulho, era quase ensurdecedor. De repente, começou a sentir calor. Muito calor. Olhou em sua volta, e tudo parecia arder. Estava envolvida em chamas. O cenário parecia surgir aos poucos e então Lua percebeu que estava no meio da Floresta. Olhou para cima e viu dezenas de feiticeiros em voo, atirando flechas sem cessar. Largas centenas de pessoas, cá em baixo, montadas nos seus cavalos, lutavam com espadas, arco e flecha, e até machados enormes. Mas Lua não conseguia vislumbrar o inimigo. Não conseguia ver com quem lutavam. Havia muito fumo, e a visão estava ainda um pouco turva. Mas conseguia ver quem liderava o Povo. Era uma bela jovem, provavelmente feiticeira pertencente ao Povo Alado, apesar de não ter asas. Os seus olhos eram verdes e os cabelos negros como a noite. Tinha nas costas uma aljava recheada de setas, que ela atirava com destreza e rapidez. No meio de toda aquela confusão, a menina reparou numa das flechas. Era diferente de todas as outras. Tinha um brilho mais intenso...

Quando Lua voltou a si, estava deitada na cama da Mãe Esmeralda, com esta sentada na borda, olhando-a com muita atenção.

Os seus olhos ardiam e sentia a boca muito seca. De resto, sentia-se bem. Tudo não passara de um sonho muito mau, bastante semelhante ao que tivera apenas uns dias antes. Com a diferença de que agora já não era ela quem esperava para lutar. Era como se estivesse do lado de fora.

— Como vim parar aqui? — Tentou levantar-se, mas a mulher impediu-a.

— Não te esforces mais, sei que passaste por momentos agitados.

— Como sabe? — Teria falado durante o sonho?

— O chá que bebeste, Lua Belisa, não é um chá qualquer. O chá deu-te o Sono da Verdade.

Se já estava confusa, mais confusa ficou. Agora que estava bem desperta, havia algo de muito errado naquela história. Lembrava-se de tomar chá. Lembrava-se do sonho. Mas não se lembrava de ter adormecido, nem sequer de se deitar.

— O que me aconteceu?

A velha feiticeira sorriu.

— Tenho estado à tua espera, Lua.

— Para quê? — Sentou-se, um pouco assustada com o turno da conversa. Será que a Mãe Esmeralda era afinal louca?

— Queria que tomasses o chá. Sonhaste com a guerra?

— Sim, mas... — Como sabia ela?

— Viste quem liderava o nosso Povo?

— Sim, era uma rapariga muito bonita, mas...

— Viste a flecha?

A flecha! Claro que vira. Não percebia como reparara num pormenor tão insignificante. Ou talvez nem fosse assim tão insignificante. Talvez fosse mesmo importante.

— Sim, Vi. Era a rapariga bonita quem à tinha.

— Viste o inimigo?

— Não. Estava muito fumo, não consegui ver.

— Tal como eu suspeitava.... — Olhou a menina com um ar de compreensão.

— Mãe Esmeralda?

— Sim?

— O que se passou? Como sabe tudo o que sonhei? Estou muito confusa! — disse, sentindo uma ligeira dor de cabeça.

— Posso dizer que tive também esse mesmo sonho. Nada mais.

Lua amuou.

— Não percebo nada! E o que significa o sonho?

— Cada coisa a seu tempo, Lua. Cada coisa a seu tempo.

Levantou-se, com a túnica a esvoaçar atrás de si e foi até à sala. A menina ficou ali sentada na cama, mais confusa que nunca. _

Esmeralda voltou segundos depois.

— A noite não tarda, deves voltar a casa. O Renato espera-te na sala.

A Princesa saltou da cama para o chão, aliviada por poder sair dali. Gostara muito do que Vira, e não podia negar que gostara de Esmeralda, mas sentia-se confusa e cansada.

— Mais uma coisa, Lua. O que viste, guardas para ti.

— Está bem. — Não estava nada bem. Eram tantos os Segredos à sua volta que sentia necessidade de ver desvendados alguns mistérios. Mas concordou em guardar segredo, pois nem sequer sabia se conseguiria alguma vez exprimir o que se passara.

Saiu do quarto, seguida de perto pela feiticeira, e lá estava Renato, sentado à mesa e novamente a comer um biscoito. Também lá estava Mylene.

— Um dos nossos homens levar-vos-á ao castelo. Está muito escuro e não imaginam os perigos que os espreitam — Informou a mulher mais nova.

As crianças assentiram, e saíram para o ar frio que se fazia sentir na Aldeia da Magia. 

The Princess Of The Golden ForestOnde histórias criam vida. Descubra agora