O Cúmplice

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Era a terceira manhã que o castelo acordava sem notícias de Lua. Rafael tornara a fechar-se no quarto e só de lá sairia quando lhe dissessem que a filha reaparecera. Revoltou-se contra a vida, que lhe tiram a mulher e, nove anos depois, a filha. Voltara ao seu feitio rabugento e não queria falar com ninguém, nem mesmo com os pais. Estes eram provavelmente quem mais sofriam, pois, além de não saberem do paradeiro da neta, estavam também tristes por verem o filho voltar ao seu casulo, quando, três dias antes, tudo parecia estar bem.

Não havia qualquer notícia, qualquer sinal, qualquer pista. Ninguém Vira a menina de vestido azul. Parecia que Lua se tinha evaporado à saída daquele quarto.

Entretanto, a Vida no castelo tentava voltar à normalidade. Os Reis tomaram o pequeno-almoço na sala, como sempre fizeram. Mas Rafael não desceu, nem quis que lhe levassem ao quarto qualquer coisa para comer.

Nesse momento, e não muito longe dali, Lua estava sentada à mesa, a tomar o pequeno-almoço. Como sempre, bebia um copo de leite quente com chocolate, acompanhado de um pão seco. Já não usava o vestido azul, mas um grande robe de malha quente, azul-escuro. Tinha o cabelo ainda molhado do banho, e preso atrás com uma fita velha.

Á sua frente, o professor Guidion tomava também o pequeno-almoço, com um olhar que era um misto de culpa e preocupação. Estava metido numa grande embrulhada e não via maneira de sair dela imune. E a situação já se arrastava há três dias.

— Lua, tens mesmo de voltar ao castelo. Toda a gente anda à tua procura, incluindo o Povo. É muito arriscado manter-te aqui.

Lua fingiu não ouvir e continuou a comer. Guidion já tentara várias vezes abordar o assunto, mas era sempre ignora. do, e ele começava a perder a paciência. Estava tão arrependido!

Naquela manhã em que Lua soubera da morte do avô, Guidion chegava na sua carroça puxado por um cavalo. Os guardas do castelo abriram-lhe o portão de imediato e o professor entrou, pensando que seria um dia como os outros, em que ensinaria mais uma série de coisas à sua aluna, e depois voltava para a sua humilde casinha, para o conforto do sofá em frente à lareira. Mas algo iria mudar o seu dia. Assim que parou em frente à porta principal do castelo e se preparava para descer e bater, Lua saiu disparada, com os olhos encharcados e as faces muito vermelhas. Quando viu o professor à porta, a menina implorou, entre soluços, que Guidion a levasse dali.

— O meu pai matou o meu avô! — murmurava ela, sempre a chorar. — Leve-me consigo, professor!

E Guidion não pôde resistir àquela cara de anjo, que tanto lhe pedia o seu apoio. Ajudou Lua a subir para de parte de trás da carroça, que era coberta por um toldo de pano. A Princesa encolhera-se bem, para não ser vista pelos guardas. Guidion deu a desculpa de que se esquecem de um livro importantíssimo e que necessitava de voltar a casa. Eles não desconfiaram, e quando mais tarde ele não voltou, os guardas ficaram com a ideia de que Rafael o teria encontrado pelo caminho e lhe dissera que não havia necessidade de voltar ao castelo nesse dia. Nunca ninguém se lembrou que fugira apressado.

E agora estavam ali, de frente um para o outro, a tomar o pequeno-almoço, com a maior naturalidade do mundo. Ou melhor, Lua comportava-se com a major naturalidade do mundo. Guidion estava a entrar em desespero. Provavelmente, perderia o emprego e, com azar, ainda seria preso. Esta possibilidade deixou-o com um nó na garganta e não pôde comer mais nada. Levantou-se e foi até à janela, com as cortinas corridas, não fosse alguém espreitar e descobrir lá dentro a Princesa da Floresta Dourada.

Estava cansado, pois há duas noites que não dormia. A sua casa só tinha um quarto, que ele oferecera a Lua sem hesitar, e o sofá onde dormia agora era muito desconfortável. Para além de ficar com horríveis dores de costas, a sua consciência estava mais pesada que nunca. Tinha de arranjar maneira de convencer Lua a voltar ao castelo, mas não estava a ser tarefa fácil.

The Princess Of The Golden ForestOnde histórias criam vida. Descubra agora