Xavier

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Esse está pior que o outro, pensei em falar quando Suz rodopiou exibindo o décimo vestido. Mas fiquei calado. Aparentemente, esse é o seu favorito até agora e eu já estou entediado de escolher roupas.

Rolo na cama e encaro o teto do quarto dela dando uma longa tragada no cigarro.

– Não sei se gostei muito deste – fala com a voz manhosa.

– Ele está ótimo – minto e sopro a fumaça. – Só tem mais um, então não podemos não gostar de todos, embora seja inevitável.

– A ideia era que você me ajudasse a escolher um deles, mas parece que nada está bom o bastante.

– Ei! Não me culpe se seu gosto para estilistas nos pôs nessa situação – levanto e caminho até ela. Observo o vestido azul escuro cheio de renda com a saia que desce até os joelhos. – Acha que consegue customizar, ou sei lá, deixar ele com menos cara de quem vai a igreja no domingo à noite, ao invés de a uma festa?

Suz olha do seu belo vestido de puritana para mim, pensando a respeito. Eu sei que ela conseguiria produzir um vestido melhor em duas horas. No máximo três. Minha irmã é uma puta estilista com a voz clássica e, nossa, linda para cacete! Mas seu ego supercarente a faz se sentir incapaz de conseguir fazer qualquer coisa, embora tenha o dom dos anjos para tal.

– Talvez, mas temos apenas... três ou quatro horas? É pouquíssimo tempo até lá. Tenho que pensar em algo, planejar e depois pôr em prática.

Suspiro com ar desdenhoso.

– Sai daqui com esse cigarro, vai deixar ainda pior – ela me dá um leve empurrãozinho quando chego perto.

– Acho que sobrou do material que usou para customizar meu blazer. Pode usar, assim, vamos combinando – sorrio para ela.

– Faremos a abertura, Xavier. Seremos o espetáculo principal – seu tom é de uma noiva que vai para o casamento e não consegue entrar no vestido cinco minutos antes da cerimônia começar. Sua choradeira está me deixando irritado.

Dou outra longa tragada no cigarro e sopro a fumaça para o outro lado, embora saiba que isso não vai adiantar nadinha. Suz sempre fica assim quando vamos nos apresentar e cabe a mim o dever de acalmá-la.

– Ah, baby, sempre somos o espetáculo principal – a encaro ao falar e sopro mais fumaça, desta vez, para ela. – Ninguém jamais vai nos criticar mesmo que estejamos em cima do palco usando roupas feitas com sacos de batata.

– Por que você é tão convencido, hein?

– Eu não sou convencido, maninha. Apenas certo.

Ela balança a cabeça em sinal de desaprovação, mas deixa um sorrisinho escapar. Claro que sabe que eu estou certo, por isso, ao invés de discordar e tentar argumentar contra minha palavra, Suz apenas se vira e tira seu vestido.

– Que fique claro que se por acaso sua ideia não der certo, não cantaremos esta noite – ela ergueu o vestido ao seu lado para dar ênfase a ameaça.

Eu dou de ombros e volto para sua cama deixando um pouco de cinzas do cigarro cair sobre o edredom. Passo a mão para limpar, mas só pioro a situação. Dane-se.

– Você acha que algum bolsista conseguiu passar no exame?

– Ano passado entraram três – ela responde e sua voz ecoa do banheiro pelo quarto até meus ouvidos. – Foi um recorde. Estou muito animada para saber quantos conseguiram este ano.

Reviro os olhos. Por mim, esse negócio de caridade só existiria em âmbitos específicos, e jamais em conjunto com pessoas como a gente. Esse negócio de miscigenação não funciona bem quando o outro lado não sabe conviver bem em sociedade culta.

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