Dois Corações, Uma Válvula

2. Lembranças

- Desça agora mesmo daí, Heitor! - Grito enfurecida para meu amigo que chegava no topo da árvore, sempre me perguntei por que meninos são tão teimosos. - Se você cair daí eu...

- Está preocupada comigo, Ellie? - Heitor olha para mim do topo dando um sorriso radiante e ao mesmo tempo irritante, fazendo minhas bochechas esquentarem.

Sem pensar dou as costas para ele, começando a caminhar o abandonando sem alguma resposta.

- Ei Ellie! - Escuto ele gritar, mas contínuo andando sem dar importância.

Heitor sempre teve um dom de me irritar.

Olho para o horizonte vendo o mar formar leves ondas, eu poderia ficar o dia todo admirando esse magnífico mar e imaginando como seria poder velejar por essas águas sem ter a intenção de voltar, mas se eu fosse perderia minha família e o trono que está destinado a ser meu, não teria mais deveres a cumprir, não seria mais princesa, eu não teria minha coroa, porém seria livre para viver como Heitor vive.

Eu seria uma filha do mar.

- Ainda está brava? - ouço Heitor dizer atrás de mim, me fazendo virar e encarar seus olhos castanhos.

- Não. - Digo e ele faz uma careta engraçada que me faz rir, então volto minha atenção novamente ao mar.

- Isso é bom porque se estivesse brava eu não poderia lhe entregar isso. - Ele diz me mostrando um cordão com uma pequena concha branca.

- É tão linda. - Digo, tocando a concha e abrindo um leve sorriso.

- Sim, é mesmo. - Heitor se coloca atrás de mim e eu pego em meus cabelos, colocando-os para frente para que ele colocasse o cordão, me virando para meu amigo assim que ele termina.

- Obrigada, Heitor!

- Não tem o que agradecer. - Ele olha para o mar assim como eu.

- Eu queria poder velejar igual a você. - Digo.

- Se você quiser pode fugir comigo.
Olho para Heitor com zombaria.

- Ah claro, quando tivermos 30 anos. - Suspiro - Eu tenho apenas 8 anos e você é um garoto bobo de 9 anos, somos apenas crianças então isso seria impossível.

- Acho que a senhorita se esqueceu que o garoto bobo de 9 anos conseguiu trapacear 15 soldados de Tidal Bridge de uma vez só.

Acabo sorrindo com tal lembrança, voltando minha atenção para o mar e suspirando em seguida.

- Você promete que fugiremos e velejaremos ao redor do mundo inteiro?

Heitor sorrir e sinto-o abraçar meus ombros.

- Eu prometo.

‒ Ellie! - Olho para Sra. Pullman que tinha uma expressão irritada. - Parece ter mais interesse em se perder em seu próprio mundo do que em prestar atenção aos seus deveres.

Suspiro ajeitando minha postura.

- Me perdoe, Sra. Pullman, não estou nos meus melhores dias.

Vejo a Sra. Pullman se aproximar e me encarar severamente.

- Se acha que vou te liberar por conta dessa desculpa está totalmente enganada! - ela se afasta - Agora vamos retornar as lições de etiqueta.
Pelo jeito será um longo dia.

Depois de aturar por horas os ensinamentos e principalmente as repreensões da Sra. Pullman, consigo finalmente chegar em meu quarto, meu único refúgio desse terrível lugar. Me jogo na cama com as lembranças que vem me perseguindo desde do dia que Heitor partiu sem mim. Sei que éramos apenas duas crianças bobas que sonhavam alto, mas ainda assim era uma promessa que ele havia feito e que não cumpriu. Heitor me abandonou nessa maldita prisão decorada e partiu com sua família para enfim ser livre.

Me levanto e caminho até minha escrivaninha, abrindo uma pequena gaveta e levanto os papéis para poder pegar o cordão que estava escondido debaixo deles. O cordão com aquela pequena concha branca do mar fazia parte da promessa do meu antigo melhor amigo, já devia tê-lo jogado fora, mas não tive coragem de desfazer então preferi guardar junto com as lembranças e deixar todos os meus sentimentos desaparecerem como Heitor desapareceu.

Coloco o cordão em meu pescoço, ele já não tinha significado algum para mim. Amanhã completarei 18 anos e o Príncipe "francesinho" chamado Jordan d'Auvergne, aquele que será meu futuro marido, estará presente na minha festa de aniversário.

Encaro meu reflexo no espelho.

Naquele reflexo já não se encontrava garota pálida e chorona, com uma vida totalmente destruída pela notícia que seus pais haviam lhe dado alguns dias atrás, também não se encontrava refletida ali a futura Rainha que o povo de Tidal Bridge deseja, também não havia mais resquícios de Ellie Charlotte Katherine Bridge, a menina que alguns anos atrás conseguia enganar os empregados e escapava para além dos muros do Palácio, se aventurando com seu melhor amigo pirata. Naquele momento eu olhava para garota que está prestes a mudar sua história, aquela que faria seu próprio destino. Eu não precisava de Heitor ou qualquer outra pessoa para me salvar.

Eu me tornarei a heroína da minha própria história.

OBS.: Capítulo Revisado