Capítulo 03

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  Maria se senta em frações de segundos, com os olhos vermelhos mareados de tristeza e com um ódio, que se pudesse, partiria alguém em pedaços só de olhar, mas respira fundo por alguns segundos ao ver que a pessoa que tinha tocado seu braço, estava ali parada em sua frente com um olhar preocupado e nervoso. Desta vez, a invasão daquele toque, apesar da reprovação imediata, trouxe um alívio, pois Ana conseguiu tirá-la daquele pesadelo, do qual ainda sentia resquícios de sua passagem.
  O fato dela não ter advertido Ana, foi porque ela trouxe consigo o que ela havia prometido. “Presentes divinos, para iluminar uma vida de tédio” diz ela sempre que as encontra. Sua felicidade é tamanha, que sua respiração acelera tanto, que o peito se enche freneticamente, com o coração batendo tão rápido quanto a velocidade da sua respiração. Estica os braços em direção, contrai as mãos, abrindo e fechando, pede pra se aproximar mais.   O sorriso largo e oferecido denuncia o fato dela ter se esquecido de esconder atrás de suas mechas. Mas ao que tudo indica naquele momento ela não está ligando para como se via. Seu desejo de abraçá-las e tê-las por perto são mais importantes que tudo no mundo.
  Ana volta até a porta e pega uma em cada mão, as traz para perto de Maria, que as abraça por um longo e demorado minuto, enquanto pergunta a Ana o porquê demorou tanto pra voltar. Quase a colocando a culpa mentalmente pelo pesadelo que acabara de sofrer.
   – Dona Maria, não exagere, demorou no máximo vinte minutos. Isso porque tive que atender um telefonema muito importante.
   – Do meu filho?... Quando ele vem? – Pergunta ela enquanto cheira o cabelo de uma das meninas.
   – Não senhora, um emprego novo. – Diz Ana com um ar de alívio.
   – Você tem que cuidar da sua vida mesmo, ao invés de cuidar dessa velha acabada que você tem como sogra. – Diz com um ar rancoroso e logo muda de assunto.
  Pergunta em voz baixa ao tapar os ouvidos de suas joias, se elas teriam ficado na porta por medo. Depois da pergunta, Maria logo nota sua distração e leva a mão no lado esquerdo do seu rosto, ao dizer a palavra medo e perceber que suas madeixas não estão escondendo o que deveria. Começa a abraçar as netas pedindo desculpas por tê-las assustado.
   – Dona Maria, não foi nada disso, quando cheguei ao quarto vi que estava deitada nesse chão, falando algumas coisas e se contorcendo, por um momento achei que a senhora tinha caído da cama, larguei elas aqui na porta, corri pra te atender e na situação acabei pegando no braço da senhora, mais por se tratar de uma emergência, não por desaforo. Um baita susto que a senhora me deu!
   – Sem problemas minha nora, mas que não aconteça de novo... Com a sua demora milenar de vinte minutos, acabei pegando no sono. Aí tive um sonho tão lindo com meu primo, lembranças boas, muita saudade dele.
   – Do jeito que a senhora tremia, parecia mais um pesadelo. – Afirma ela.
  Maria ainda com um belo sorriso no rosto, coloca uma neta sentada ao seu lado, a outra leva ao colo e responde querendo dar fim a aquele assunto. – Você realmente acha que se eu tivesse tido um pesadelo de me tremer no chão, não me recordaria? Fique você sabendo que tenho a mente muito boa! – calma Catherine, o que vovó disse pra você sobre interromper a conversa dos adultos? Deixa vovó terminar que já conto história pra vocês. Tá bom minha linda. Ah! Não fique com ciúmes Diana, você é a lindinha da vovó também.
   – Aproveitando que a senhora está de bom humor, o que acha da ideia de me chamar de Ana ao invés de nora.
   – O que houve minha querida? Problemas conjugais? Se quiser depois que deixar as crianças, posso te dar alguns conselhos excelentes, se é que me entende. - Diz ela piscando o olho direito, maliciosamente.
   – Bem vou deixar você e suas lindas bonecas a sós, estarei por aqui por perto se precisar. Tudo bem? – Ana se vira, enquanto revira os olhos de tédio, pensando quais conselhos seriam.
  Maria sinaliza positivamente com a cabeça, enquanto cochicha nos ouvidos de suas netas e sorri. Um pouco curiosa Ana tenta ignorar, mas não resiste e pergunta.
   – Não!... Não fala! Deixe que eu fale... É que as meninas perguntaram pra mim que coisa e essa que você tá calçando. – Diz ela aos risos.
   – Eu gosto muito... É! ... É confortável... E!... Quer saber? Tô indo que tenho muita coisa pra fazer. – Ana sai batendo os pés, irritada com a implicância de Maria com seus Crocs.
   – Não se assustem meninas, ela só tem cara de brava, mas é uma ótima pessoa.
  Apesar de estar muito irritada, Ana se retira e fecha a porta lentamente, para que não houvesse reações posteriores. Olha de rabo de olho, Maria a observa sair e só quando suas sombras desaparecem que ela volta a sua atenção para suas netas.
   – Então meninas, que história vocês querem ouvir hoje? Depois de um breve momento sem falar Maria retoma a conversa. – Já que vocês não se decidiram e cada uma escolheu uma história diferente, vou contar uma que gosto muito. Então se preparem e ouçam com bastante atenção.
  Como todo bom contador de história, ela se recosta na cabeceira da cama, deixa o corpo mais relaxado possível, traz suas netas mais para perto, pigarreia para limpar a sua garganta e com a voz levemente impostada, começa sua história da forma mais tradicional.
   – Era uma vez, em um enorme castelo branco, que ficava no alto de uma colina coberta por árvores multicoloridas, que dançavam sem parar com os assovios que o vento trazia. Uma única estrada, larga, com flores curiosas em suas margens, que observavam o movimento de todos que passavam por ali, por aquelas incontáveis curvas, que no final se bifurcava ao redor de um grande lago artificial de águas claras e peixes saltitantes, que ostentava em seu centro, um imenso chafariz de mármore, com centenas de pequenos anjos esculpidos nele e no ponto mais alto, um enorme cúpido sorridente, cuja sua flecha, apontada para a porta de entrada da mansão, atirava um jato curvo de água, que acertava o lago eternamente. A porta era enormemente linda, com o tamanho de dois adultos e meio e a largura de tamanho igual, reproduzia o mais lindo céu da manhã.   Na parte de dentro do palácio, um grito de alegria ecoava, por todos os ambientes. Os gritos que vinha dos aposentos da rainha e do rei, que ficava na parte mais alta do palácio. Seus aposentos tinha uma varanda que pairava de frente para o grande jardim de entrada do palácio e foi exatamente dessa varanda, que o rei apresentou para seus súditos, que reverenciavam e aplaudiam a chegada da mais nova e linda princesa do reino.
  Com a pele negra que brilhava, com a luz do sol, já pequena carregava um nome digno de uma princesa, um nome longo e imponente, que deveria ser sinônimo de respeito e realeza.
   – Você vai se chamar princesa Maria de Albuquerque e Albuquerque Mattos Rocha Oliveira Silva de Lima e Souza. – Dizia o rei enquanto debruçava sobre o berço, acompanhado de sua rainha, deitada na cama ao seu lado.
   – Você será a menina mais feliz desse reino, se depender de mim e de seu pai.   – Exclamou a rainha ao imaginar ter visto um sorriso de alegria, vindo de sua princesa.
  E assim foi feito, a rainha Ângela, loira de cabelos lisos, alta, de olhos azuis de uma postura ereta, elegante, com a fala firme, porém com gestos extremamente carinhosos, já buscava passar alguns modos de como uma princesinha de cinco anos de idade deveria se portar.   Enquanto seu pai, negro, no auge de seus quase dois metros de altura, ombros largos e braços musculosos, desconstruía tudo que a mãe tentava construir. Correndo por todo palácio desde antes dos cinco anos de idade, brincando de cavalo, carregando ela nas costas, correndo um atrás do outro, brincando de pique, derrubando tudo e todos a sua frente. Tudo sobre os olhares cuidadosos, porém repreensivos de sua mãe, que do alto da escada suspirava com cada tropeço que ela dava e com cada lançamento que seu pai lhe dava ao ar.
   – Maria, vá se limpar para almoçarmos.
  Ela tentou ignorar a mãe por um instante, pois a diversão com seu pai estava muito mais interessante que qualquer almoço, mas logo parou quando viu seu pai, ficar imóvel ao ouvir o chamado de sua mãe.
   – Filha! Vá! Obedeça a sua mãe, ou quem vai ouvir vai ser o papai. – Disse ele com um leve sorriso no rosto e uma piscada de olho. Que para Maria, significava que a brincadeira continuaria logo após a chatice do almoço. E de fato foi, brincaram durante todo o dia, até ela ser colocada na cama pelo pai, acompanhada sempre de sua mãe.
   – Durma bem minha princesa.   –Falaram seus pais, enquanto lhe faziam cafuné, até fazê-la pegar no sono.
   – Parece até que ela saiu de você, eu ficaria na dúvida, se não fosse totalmente fora do normal.
  Mas como a vida é feita de fases, essa seria uma com os dias contados. Com o passar dos anos, o pai, que era seu principal parque de diversões, foi ficando de lado, por diversos motivos. O primeiro deles foi que sua mãe, se aproximou mais, tentando fazer dela uma verdadeira princesa. Tinha contratado professoras para lhe ensinar todos os tipos de coisas, desde corte e costura a como andar elegantemente. O outro fator eram as visitas do outro rei e rainha. Irmãos de seus pais, que traziam com eles o principal motivo. O príncipe Felipe, primo dela, tinha puxado mais a parte da mãe, do que a do pai, loiro de cabelos lisos e olhos azulados como o céu.
  Aos doze anos de idade, passava a semana contando os dias para a chegada de seu primo, para que pudessem explorar todo o reino correndo ou a cavalo. Visitando o pequeno vilarejo, que ficava no início da estrada que levava ao castelo.   Vilarejo era muito mais movimentado que o palácio, ela adorava, pois via na companhia de seu primo rostos mais variados, pessoas vestidas de forma simples, com vários tipos de vestimentas, diferente do castelo, onde todos usavam um mesmo uniforme para cada setor que trabalhavam. Ideia boba do pai de Felipe, que meu pai acatou para fazer uma média familiar.
  Desciam as curvas dos caminhos a toda velocidade, Maria gostava do vento soprando em seu rosto, enquanto as flores curiosas tentavam seguí-la, acompanhando a velocidade do vento, que seus cavalos sopravam. Príncipe Felipe sempre ficava para trás, apesar de sempre aceitar o desafio de sua prima somente para agradá-la, detestava qualquer tipo de aventura que colocasse em risco a sua beleza.
  Sempre que paravam no vilarejo, os príncipes deixavam seus cavalos presos, bebendo água e comendo feno, enquanto caminhavam em busca de algo diferente e interessante.
   – Primo, assim que eu me tornar a rainha à primeira coisa que vou fazer é um decreto proibindo que as pessoas se curvem quando passamos. Acho uma perda de tempo.
   – Também acho prima, até que aqui eles têm sorte, porque lá no meu reino, quero dizer, do meu pai, eles não podem nem olhar pra gente e se são pegos olhando, são presos.
   – Que absurdo! – Disse Maria espantada com o radicalismo do tio.
   – Meu pai disse que é tradicionalista, que aprendeu com o pai dele e por isso, nada deveria mudar. Mas eu não concordo com isso, assim que for rei, vou mudar tudo.
   – Primo não sabia que seu pai era assim. – falou ela.
   – Você não sabe de nada prima, eu e minha mãe sofremos nas mãos dele, mas não podemos falar nada senão corremos o risco de sofrermos mais. Por favor, não comente isso com ninguém.
   – Não irei meu primo, não se preocupe.
  Trataram logo de mudar de assunto e continuaram a passear pelas ruas do vilarejo. Chegaram ao final da estrada e pegaram uma trilha bem fechada, com árvores altas para todos os lados, matos e outras plantas completavam a paisagem sombria daquela trilha. Mas depois de vinte minutos de caminhada, numa subida leve, por aquela trilha abafada, chegaram, suados, ao verdadeiro paraíso do reino.   Descobriram aquela beleza natural, há um ano, graças às dicas de um vendedor de queijo, que ouvia sua conversa, sobre não haver mais nada de bom naquele vilarejo e que tudo já estava muito entediante.
   – Desculpe-me vossa majestade, mas a ouvi dizer, sem querer, é claro, que buscar algo pra se aventurar? – Perguntou o vendedor.
  Os príncipes espantados, pela forma que aquele homem, bem abaixo da média da estatura de todos, bem roliço de pernas e braços curtos, com uma barba branca e pontuda, que alçava a cintura, perguntaram como ousava ouvir e interferir nas suas conversas.
Rapidamente o camponês arqueou seu corpo e levar seus joelhos ao chão, sem ao menos reparar que eles estavam simplesmente zombando com ele.
   – Levanta daí, por favor. – Puxava a princesa Maria o intimidado senhor pelos braços. – já pode olhar pra gente, nos não mordemos.
   – E muito menos vamos mandar te prender, só estamos curiosos em saber o que tem pra falar. – Concluía o príncipe Felipe.
   – Sim, presumo que seja um lugar bom que não conhecemos.
  O homem, que de pé ao lado deles, ainda parecia estar ajoelhado, se mantinha de cabeça baixa, e gaguejava tanto, por nervosismo, que mal dava pra entender o que dizia. Felipe então colocou a mão em seus pequenos ombros, quando sentiu o pobre vendedor tremer. Explicou que estavam apenas brincando, que ele estava muito longe de ser como seu pai, tanto que estava o tocando.
   – Tem como o senhor voltar com aquele sorriso, que ofereceu pra gente antes? – Pediram os príncipes.
  Atendendo ao pedido de ambos, e ficando cada vez mais a vontade, em pouco tempo o vendedor, voltava ao normal e conversava com eles, como se fossem amigos íntimos de muitos anos.   Os príncipes gostavam muito da forma com que ele se comunicava. Falava sempre tocando, gesticulando muito, fazendo caretas e adicionando a sua voz fina, tirava sorrisos facilmente dos dois. Muito diferente de todos na corte.   Com exceção dos pais de Maria, todos eram muito frios nas falas, com poucos ou nenhum gesto, tocar em alguém enquanto conversavam, era de uma extrema falta de etiqueta e sorrir era apenas para bajular, os reis ou alguns outros nobres de posição superior.
   – Só de pensar que há um ano tivemos que comprar quase todo queijo do vendedor pra que ele nos trouxesse aqui.
   – Mas valeu a pena, temos um paraíso desse só pra gente. – Disse o príncipe a olhando no fundo dos olhos.
  Eles olhavam para o final da trilha, uma clareira no meio da floresta, iluminada pelo raio do sol, que reluzia sobre as pedras, adornavam as bordas de um pequeno lago, de águas cristalinas, alimentado por uma queda d’água do tamanho de uma árvore muito antiga. Pedrinhas na areia grossa e escura massageavam seus pés, enquanto caminhavam para a borda a brisa úmida molhava lentamente seus rostos.
  Não segurando a vontade por muito tempo, Felipe, seguido por Maria, começa a tirar a roupa, ficando somente com as roupas de baixo. Maria que sempre achou desnecessário, aquela quantidade de roupa, para uma princesa, pedia a ajuda dele para tirar os últimos laços que faltavam. Sem pudor nenhum de seu primo e ambos com roupas de baixo saltaram nas aguas geladas da cachoeira.
  Eufórico e maravilhado com tudo àquilo, considerando aquilo seu refúgio, o príncipe grita: A partir de hoje, eu a nomeio como a Cachoeira dos Príncipes!
    – Péra lá! Gritou a prima – como você vai nomear algo, que nem no seu reino está? Se você ao menos fosse namorado da princesa. – Diz ela se insinuando.
  O príncipe rapidamente nadou em sua direção, ficando numa distância de poucos centímetros para se tocarem, olhando pra ela com aqueles profundos olhos azuis. Maria já havia sido pega pelas mãos seguras do príncipe, enquanto as dela tremiam, não sabendo se ela pelo frio da água ou pela situação.
  – E o que nos impede? Somos lindos, príncipes e nos gostamos há muito tempo.
  Toda aquela insegurança de Maria foi embora, quando ela colou seu corpo junto ao dele, em um abraço que se eternizou com um rápido e tímido encostar de lábios.
   – Agora sim você pode chamar do que você quiser meu príncipe.
  Anos de muitas aventuras no vilarejo e na cachoeira se passaram. Maria com quinze anos já planejava como seria seu baile de debutante, imaginava vestidos lindos e passava o detalhe de todos aos ouvidos atenciosos e carinhosos de sua mãe, que calmamente respondia todas as suas questões. Porém a única questão levantada por sua mãe, a deixou totalmente sem jeito.
   – Que história é essa mãe? – Perguntou ela contrariada.
   – Minha princesa, acha mesmo que eu sou cega?... Acha mesmo que não vejo seu jeito quando está perto do seu primo?
   – Não sei do que a senhora esta falando! – diz num tom irritado.
   – Tudo bem minha linda, não esta mais aqui quem falou. Vou mandar fazer o vestido que você quer o mais rápido o possível. Hoje é o dia em que você vai se tornar uma mulher e começar essa nova fase mais feliz que nunca.
  A rainha se retira do quarto, no instante em que a costureira real chega com suas ajudantes com as mãos cheias de tecidos e caixas, indo se assegurar que os trabalhos nas outras partes do seu castelo de veraneio, que ficava as margens de uma bela praia, curta, de areia branca como a neve, de águas azuis cristalinas, onde o sol se punha bem de frente ao palácio, que parecia estar em chamas, ao vê-lo de longe, por refletir com toda sua fachada espelhada, os raios avermelhados do sol poente, estavam sendo realizados.   Dentro do grande castelo de vidro a movimentação era constante.   Caminhando de um lado para o outro a rainha coordenava a arrumação no impressionante salão de vidro, como era chamado por Maria, sempre que ia com sua família nos verões, com centenas de mesas e cadeiras transparentes, se confundiam com os lustres e com as paredes do palácio, que permitiam uma vista maravilhosa das ondas quebrando a beira mar.
  A imagem era tão magnifica, que o rei facilmente se distraía. Responsável pelo cardápio de bebidas e refeições da festa se dava ao luxo de assistir aquele espetáculo, de forma tranquila, pois devido à imensa vontade de agradar a filha, deixara tudo engatilhado, aguardando apenas o término da arrumação e a chegada dos convidados.
   – Meu rei, esta tudo bem?
   – Sim minha rainha, só observando essa beleza que a natureza nos deu.
  A rainha debruça os braços sobre seus ombros, enquanto encostava sua bochecha, contemplando rapidamente a imagem, pergunta delicadamente se o rei, que já havia terminado sua parte, poderia ajudá-la com o resto dos afazeres, para que pudessem se arrumar para a festa de sua filha, vendo que o horário dos convidados chegarem já estava próximo.
  Com a ajuda do rei as coisas se aprontaram rapidamente, não pelo fato dele ser forte ou ter voz ativa, e sim porque faltava muito pouco para que tudo ficasse lindamente esplêndido. Os reis se ausentaram das funções assim como os criados que auxiliavam na arrumação, para se prepararem para a grande festa. Exigência do rei, que queria que todos naquele dia, usassem suas melhores vestimentas, logo mandou preparar com antecedência pra quem não tinha como garantir a confecção das mesmas.
  O grande relógio redondo, dourado com ponteiros prateados crivados de pedras preciosas, que descansava no alto da parece, frente à porta de entrada, anunciava na sexta badalada da tarde, a chegada dos primeiros convidados, em suas carruagens exuberantes, ostentando todo luxo da corte, para aquele momento muito especial.
  Os reis na entrada do palácio de vidro recebiam os convidados, ambos com uma vestimenta leve, que só perdia para o sol que se punha no horizonte em relação à beleza.  A beleza da rainha se destacava de todas as outras, distraindo o rei que se via dividido entre a beleza de sua rainha e da natureza que se apresentava. Uma brisa agradável espantava o calor, que era próprio de uma casa de veraneio, ainda mais naquela época do ano.
   – Ela está ao nosso favor. – exclamou o rei, fazendo referência a natureza. – e você minha rainha, está esplêndida.
  A rainha, corada com o galanteio do marido na frente dos convidados que chegavam, apertou a mão do seu rei em protesto, mas abriu um tímido sorriso de alegria.
   – Pensei que só teria olhos hoje para o mar e o por do sol. – provocou a rainha.
  Pigarreando e desconcertado o rei mudou de assunto e voltou a receber os convidados, com a simpatia que lhe era natural. A chegada de seu irmão com a família finalizava a recepção dos convidados. Levando-os pessoalmente a mesa onde iriam sentar juntos, se acomodaram a aguardaram a grande entrada da princesa.
  Na sétima badalada, o palácio com a ida do sol, o grande salão ficou na penumbra, com apenas os candelabros das mesas acesos, com a banda real tocando ao fundo, dava o cenário propício para uma valsa, porém os convidados, vendo que os anfitriões não fizeram as honras, permaneceram sentados, degustando as delícias que vinham da cozinha.
  Quando o grande relógio anunciou a primeira badalada das oito obrigatórias, a banda parou se preparou e começou a tocar a valsa da debutante. Naquele momento, todos voltaram suas atenções para o topo da escadaria em mármore, forrada com um aveludado tapete vermelho, pareciam não respirar até a chegada da figura mais esperada da festa.
  Ao findar a oitava badalada, surge com passos firmes, sobre um salto brilhoso, usando um vestido rodado, com a parte inferior branca com rubis, sobrepostos em forma de ondas, no tronco carregava um colete azul marinho, cheio de diamantes, assim como sua coroa, que sobre sua cabeça a deixava a mais bela das belas, naquela noite.
  Antes que o rei levantasse para buscá-la e acompanhá-la na descida da escada, o príncipe Felipe educadamente se levantou e pediu ao rei que o permitisse tal gesto. Contrariado, mas atendendo ao pedido da rainha, ele cedeu tal honra ao príncipe. Só então, ao perceber os olhares que os dois trocavam, notaram o sentimento que um tinha pelo outro.
   – Justo! – Exclamou o rei, com um longo sorriso no rosto.
Príncipe Felipe, com seu traje de gala, de cor branca e bege, com sua espada, numa bainha reluzente, subiu lentamente como mandava o protocolo, mas ansioso para pegá-la pela mão e dar-lhe um abraço. A princesa o fitava de cima abaixo, com o rosto roseado e com o olhar brilhante, pedindo para que aquilo acabasse logo, pela vergonha que sentia e ao mesmo tempo desejava que se eternizasse, por tanto amor que via em seu príncipe.
  Ao tocar em sua mão Maria sentiu o calor do amor invadi-la de tal forma, e se distraiu de tal forma, que tropeçou logo no primeiro degrau que alçou. Os convidados reagiram num tom quase único de surpresa, mas a força e a segurança que Felipe lhe transmitiu ao lhe segurar, foi o suficiente para passar por aquele simples obstáculo. No final estavam sua mãe, pai e seus tios, os aguardando para parabenizá-la pelo aniversário.
  Enquanto sua mãe era só pranto de felicidades e não deixava de tocá-la nem um segundo sequer, seu pai alternava no orgulho de ter criado uma linda princesa e o ciúme de estar perdendo para outro homem. – O único homem da vida dela sou eu. – dizia ele mentalmente.
  O príncipe a levou para o meio do salão, para sua primeira valsa. Passos desengonçados, surgiam de ambas as partes.
   – Temos que melhorar, para a próxima vez. – Dizia ela ao pé do ouvido.
  Assentindo com a cabeça o príncipe sorriu e se assustou ao sentir um leve toque no seu ombro. Ao reparar quem era logo cedeu o lugar e foi valsar com a rainha.
   – Parabéns minha princesa, você está linda. – Diz ele com os olhos mareados.
   – Obrigada papai. Tudo isso graças ao senhor e a mamãe... Olha lá hein! Ninguém deve ver o rei chorando. – Brinca ela enquanto, evita que as lágrimas corressem pelo seu rosto.
   – Cuide bem da minha filha viu! Ela gosta muito de você. –  Falou a rainha para o príncipe, que permaneceu por toda a dança admirando sua princesa, bailar com o pai.
  Após a valsa dos príncipes e dos reis, todos se levantaram e com os seus pares, tornaram o salão de vidro em um verdadeiro baile de debutantes.
  O grande salão que outrora cheio de nobres dançando e comendo, aos poucos fora se esvaziando, até que depois de horas, a voz do grande relógio voltou a ser ouvida. Suas badaladas anunciavam cinco horas da manhã, hora em que seu pai se despedia do ultimo convidado. Ficando apenas as duas famílias, que passariam o resto do dia seguinte, a pedido do rei.
  No dia seguinte, ao acordarem, com os reis de ressaca e as rainhas tricotando sobre os convidados que trouxeram presentes. Os príncipes decidiram, logo após o café da manhã, colocar suas roupas de banho e ir para o ponto mais distante possível do palácio. Para que pudessem se divertir longe dos olhares controladores de suas famílias.
  O dia com seu príncipe naquela pequena praia estava sendo tão bom, que as horas pareciam voar. Tanto que perderiam a hora do almoço, não fosse um criado a mando do rei, pai de Maria, anunciar que o mesmo já estava à mesa. Foram e comeram rapidamente, evitando o pai de seu príncipe, que pelo que parecia, não tinha parado de beber desde que acordou. Gritava com sua rainha na frente de todos, maltratava os criados, jogando comida no chão de propósito e os mandando limpar. Das poucas coisas que viu, já fizera com que Maria perdesse a fome.
  Na praia tentava esquecer e fazer com que seu príncipe esquecesse a bestialidade de seu pai, o enchendo de carinhos e palavras de amor. A reciprocidade do príncipe era quase imediata, lhe prometendo amor eterno sob os raios do sol que se punha rapidamente.
  Não tão rápido quanto o criado do príncipe, que esbaforido, minutos após o por do sol, anunciava a partida de seu rei e que o mesmo exigia a presença dele.
   – Vamos amor, melhor não arrumar confusão. – Disse Maria ao ver o rosto consternado de seu amado.
Ao chegar ao palácio de vidro, já com a lua tomando conta do céu, se depararam com os dois reis prontos para partirem. Ambos com caras de poucos amigos ordenaram para que seus filhos entrassem em suas carruagens, para que pudessem partir o mais rápido possível dali. Ao perguntar sua mãe o que estava acontecendo, Maria logo foi interrompida pelo rei.
   – Seu tio com os ideais dele às vezes me tira do sério. – Questionava – como poderia um rei ter um pensamento tão retrógrado?
   – Mas pai o que ouve?
   – Pergunte sua mãe, não quero mais tocar nesse assusto. – cocheiro!... Toca pra colina!
  A ordem do rei foi rapidamente acatada e a toda velocidade tomou a estrada de terra batida, em direção ao castelo principal, numa viagem de três horas.
   – Quem ele pensa que é pra me chamar de bêbado e retrógrado? – Perguntou o rei Altair com a voz arrastada. – não aceito! Ele como caçula tem que me respeitar. – Concluiu.
  Dentro da carruagem todos continuaram com o mesmo silêncio de quando entraram, sabendo que nas condições que ele se encontrava, era ainda mais difícil qualquer tipo de diálogo. O cocheiro deu a partida sobre gritos de ameaças de açoites se caso não os levasses em casa o mais rápido possível.
  A estrada escura deixava cauteloso o plebeu que guiava a carruagem real, pusera tochas nas extremidades da mesma, que auxiliava um pouco em ver os obstáculos no caminho tortuoso que levava ao palácio. No seu interior, Maria terminava de ouvir o que sua mãe falara a respeito de seu tio, reprovando cada atitude dele que a rainha contava. Enquanto seu pai, cansado pelos licores que havia tomado, jazia do lado oposto, se rendendo ao cansaço.
  Enquanto na outra carruagem, o rei bêbado ordenava para que seu condutor aumentasse a velocidade cada vez mais. A carruagem passava pelas pequenas pedras ignorando-as por completo. Dentre pulos e solavancos, Felipe e sua mãe imploravam para que ele pedisse para que o condutor reduzisse a velocidade, mas o rei era só gargalhada. Estava gostando muito de ver a cena dos dois cheios de medos.
  Rei Altair mudando de semblante franziu a testa, deixando as gargalhadas de lado, com o olhar sisudo, levantou-se em meio aquela turbulência, abriu a porta da carruagem, sobre apelo da rainha para que não fizesse aquilo, pois era perigoso, escalou-a e se juntou ao condutor, que se assustou ao vê-lo se jogar ao seu lado, com um sorriso que tomava todo seu rosto.
   – Continue assim. – Dizia Altair com a voz afetada pelo licor que continuara a beber dentro da carruagem. – não se preocupe, só vou chicoteá-lo, se não dividir comigo a bebida que leva com você.
  O condutor, com o medo que se via nos olhos, rapidamente sacou um bolsa de couro que ficava embaixo de suas pernas e ofertou ao rei. Que prontamente, deu um generoso gole. E fazendo uma careta, como se a bebida estivesse lhe rasgando as entranhas, dispara um olhar lacrimejante para ele, perguntando em seguida onde arrumara tal bebida. Antes que o homem respondesse, o rei o interrompeu, anunciando que estava vendo uma luz bem distante na estrada.
    – Com certeza é aquele caçula abusado. Acelera! – Ordenou ele.
   – Mas senhor... Já estou dando o máximo nessa estrada escura. – Gritava o condutor assustado.
   – Saía! Dê-me as rédeas!
  Pegando as rédeas das mãos do condutor, o rei acelerou com tudo pra cima da carruagem do irmão, no intuito de mostrar quem que mandava mais.
   – Vou dar-lhe um susto, que nunca mais vai querer me afrontar na frente da minha família. – Falava em voz alta para o condutor.
  Chicoteava os cavalos, como se cada golpe multiplicasse o número de equinos e aumentasse a velocidade. Em dez minutos de golpeadas incessantes, mesmo na estrada curta, conseguiu emparelhar com a carruagem da outra família real. Que não sabia o que estava ocorrendo, pois até Maria a mais desperta de todas, deixou o balançar cadenciado da carruagem, embalar seu sono.
  Ao passar com a carruagem por uma pedra de maior porte que as outras,  naquela estrada estreita, a carruagem saltou tão alto, que até o experiente condutor se desequilibrou, o fazendo cair na beira da estrada, passando bem próximo das rodas da carruagem que há pouco guiava. Com o susto de ver o seu servo ser atirado para fora, o rei largou as rédeas, por alguns instantes, fazendo com que seus cavalos avançassem desgovernados em direção à carruagem da família da princesa Maria, a empurrando de uma só vez para fora da estrada.
  Os solavancos se tornaram maiores, a ponto de despertar toda a família. Mas já era tarde. A carruagem despencava ribanceira abaixo, enquanto o rei tentava segurar sua rainha e princesa enquanto a rainha abraçava com toda força que podia sua princesa. Até vir o choque final.
  A carruagem se espatifou por completo ao ir de encontro a uma grande árvore. O condutor foi o primeiro a ter sua respiração interrompida. Dentro do que restou da carruagem, estavam os corpos dos reis e da princesa.
  O príncipe Felipe que descia desesperadamente a ribanceira a pé, ao chegar se deparou com uma cena que jamais imaginara em sua curta vida. A rainha tinha o seu rosto voltado para as costas enquanto o rei empalado por um pedaço de madeira vertia sangue pela boca. Buscou sua amada no meio dos destroços e a encontrou embaixo do corpo de sua mãe, intacta, porém desacordada.
  Desesperado o príncipe com suaves tapas no rosto tentava a acordar, chamando-a pelo nome.
   – Maria!... Maria!... Maria!...

MariaOnde histórias criam vida. Descubra agora