Capítulo 17

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  Ontem o doutor Luiz ficou tão curioso para saber o final da história, que até prolongou a sessão por mais meia hora. Cá pra nós, achei até que ele tava ficando excitado. Mas quando o sono bate, esqueço história, esqueço quase de tudo, só o que me vem à mente é a minha cama e o barulho do ventilador de teto me hipnotizando.
  - Tome o seu café, quando quiser estarei por aqui. Vou ali resolver alguns problemas, pois hoje o dia está corrido pra mim.
  - Mandona como sempre. Sabia que senti um pouquinho de arrependimento do que fiz com você? Mas agora vi que fiz o certo, você não vai me abandonar nunca mais. Vai estar sempre do meu lado, ouvindo minhas histórias, usando esses Crocs brancos horrorosos. Desculpa, não consegui evitar.
  - Não falo nada, deixa ir que a Miriam, sua preferida, está vindo aí.
  - Bom dia Maria, falando sozinha?
  - Vire essa boca pra lá Miriam, só os loucos falam sozinhos e eu estou muito lucida, diga-se de passagem. Eu estava tentando me lembrar de duas coisas que estão me encucando. A primeira é o que esse pedaço de madeira empoeirado está fazendo ali escorado no criado mudo, pois não me lembro de tê-lo trazido. Coisa mais sem sentido, deve ser bruxaria de alguém, só pode.
  - Como não se lembra Maria? ... Esquece, vou tirar dali e jogar fora pra você.
  - Me fala o que desistiu de dizer?
  - Era bobei...
  - diz logo mulher.
  - E que essa era a sua bengala.
  - É realmente era uma bobeira e das bem grandes. Olhe pra mim Miriam, acha realmente que ando de bengala? Nova, em forma e cheia de fogo.
  - E a outra coisa que te incomodava era?
  - Nada demais, estava tentando lembrar onde eu tinha parado na história que contava para o doutor Luiz, mas já lembrei. A loucura que foi o último dia do final de semana em que Pablo passou lá. Já te contei?
  - Lembro só da parte da vingança, é essa?
  - É um pouco depois de ter conseguido as provas e não poder usá-las.
  - Deixa só eu pegar essa madeira jogar fora, que eu volto pra ouvir, pode ser? Quer que eu leve as bonecas também?
  - É claro!... Era essa a segunda coisa. Vocês estão com a mania! Horas me chamam de velha, horas de crianças. Vai entender! Tudo bem que estou na flor da idade, mas não nova pra brincar com bonecas. Olha! Não demora, senão eu desisto... Brincadeira. Vai que eu te espero.
  - Então, assim que saí do meu quarto me deparei com a minha tia, passando pelo corredor vestindo apenas sua taça de prosecco, isso por volta de oito horas da manhã. Desceu a escada rebolativa e sem nenhum pudor ignorou por completo minha presença.
  Me praguejava internamente por ter feito aquela maldita promessa a Felipe. Corri ao quarto dele para mostrar o que a mãe dele estava aprontando, mas não o encontrei, fui ao quarto dela tentando encontrar Pablo, mas foi em vão. Desci as escadas correndo para ver o que estava acontecendo e me deparei com uma situação que nunca minha mente mais pecaminosa cogitaria.
  - Com esse olhar, acho que você já deve ter adivinhado.
  - Isso mesmo! Ménage é mais chique, mas também serve. Quando cheguei à porta de entrada para a piscina, me deparei com meu primo e Pablo se beijando, enquanto minha tia ia em direção dos dois e começava a participar daquilo tudo. Pablo compartilhava seus beijos e corpo com os dois, quase não dava para identificar quem era quem.
  Felipe deixou os dois se agarrando enquanto vinha atravessando a piscina andando em minha direção. Só percebi que ele estava completamente nu, quando saiu por completo da água. Parou na minha frente, sua boca estava muito perto da minha, seus olhos estavam arregalados, olhei que suas mãos não paravam de abrir e fechar. E foi nessa distração, que ele me segurou pela cabeça e me deu beijo na boca. Ele era forte, tentei me livrar, mas minhas pernas bambearam, aquilo, independente de estar sob o efeito de alguma coisa ou não, foi tudo o que eu desejei por muito tempo. Me rendi.
  Me desliguei tanto de tudo, que quando dei por mim, estava estirada, com as costas no chão molhado, da mesma forma que encontrei minha tia passando no corredor, nua. Por alguns instantes, mesmo sem efeito de drogas, consegui entender a falta de pudor da minha tia, do desejo gritando mais que a razão, mas quando tive percepção de onde estava, foi como se o encanto tivesse acabado, não consegui continuar, não ali, um pudor que não sabia que tinha, me consumia. O levei para a sala e no sofá, pude ter a ilusão de ter pra mim o homem que sempre sonhei.
  Digo ter a ilusão, porque minutos depois de tudo ter acabado, ele e os demais caíram no sono depois de seus transes e quando acordaram coincidentemente não se lembravam de nada.
  Minha tia foi a primeira a cruzar a sala enrolada em uma toalha de mesa, com a atitude de quem estava muito constrangida por ter acordado nua, presumi, e subiu a escada correndo. Logo em seguida veio Pablo, andando calmamente se perguntando onde estaria sua sunga de praia.
  - Eu a vi em algum lugar... A sim ali sobre a mesa de centro. - respondi.
  Pegou a sunga e a colocou, sentando ao meu lado enquanto me observava estranhamente, me perguntava por que eu fui a única a estar vestida. Respondi me aproveitando daquele estranho esquecimento, apesar de ter visto que ele olhou diretamente pra mim enquanto era invadida por Felipe, que apenas quando desci, vi o que tinha acontecido, encontrei todos dormindo nus e que tinha decidido ficar ao lado de Felipe por preocupação, já que no dia anterior ele estivera bem debilitado.
  Ele parecia estar com uma ressaca daquelas, pois ignorou toda a justificativa que havia dado, se queixando de enjoo e dor de cabeça.
  - Pelo visto a festa foi boa. - provoquei, buscando alguma resposta para o que aconteceu naquela manhã. Mas foi uma tentativa vã, pois na situação que se encontrava, mal lembrava o seu nome. - Fique aí sentado, que vou fazer um chá de boldo pra vocês.
   Mal consegui fazer o chá, minha tia já desceu a escada, usando aquele biquíni, perguntando onde estava a animação daquele povo. Fiquei me perguntando de onde ela conseguia tirar tanta energia, mesmo sabendo que era das doses cavalares de antidepressivos que tomava.
  - Estão acabados, fiz um chá de boldo para todos, pra desintoxicar. - Respondi e ofereci uma xícara a ela, que ignorou por completo enquanto caminhava para a piscina.
  Pablo pegou a xícara e começou a tomar. Felipe despertou com a cara de poucos amigos, reclamando do cheiro do chá e perguntando do paradeiro de sua mãe. Apontei para a piscina. Ele levantou cambaleante, parando em nossa frente, pedindo para que ficássemos ali, que ele teria uma conversa muito séria com a sua mãe.
  Felipe estava sério, com o semblante raivoso e convicto do que queria, poucas vezes o vi daquela forma. Tentei quebrar aquela seriedade brincando com uma brincadeira sutil sobre ficarmos ali aproveitando o Pablo, que me olhou e se jogou no sofá.
  - O que tenho que falar com minha mãe é sério, urgente e não é brincadeira. Espero que entenda e me de esse espaço. - Falou e virou as costas e sem pestanejar caminhou para a piscina. O andar desinibido que sempre apresentava, cedeu lugar para uma rija e pesada marcha, até sumir nas curvas da casa.
  Olhei para Pablo, buscando tentar entender o que tinha acontecido na minha ausência entre eles dois, mas o idiota caiu no sono tão profundo que mesmo balançando ele não acordou. Comecei a criar hipóteses do que havia acontecido, mas não encontrava nada que naquele final de semana para que ele mudasse daquela forma, não encontrei nada, nenhuma evidência de discórdia ou algo do gênero. Decidi ver o que estava ocorrendo, mesmo prometendo que ficaria parada ali a espera de uma explicação, andei na direção da área externa, quando pude ouvir os primeiros gritos da minha tia e por sobre os gritos dela os de Felipe. As vozes estavam tão misturadas e carregadas de sentimentos que não dava para decifrar o que falavam. Me aproximei mais para ouvir melhor e estar perto caso acontecesse algo que saísse da normalidade.
  - Como você pôde deixar isso acontecer comigo! - gritava meu primo aos prantos. - Você não sabe o que eu passo você é um monstro. Eu quero que você morra! Foi o que ouvi antes de ver minha tia com a mão fechada dar um soco na orelha do meu primo enquanto ele a arremessava com força na piscina. Entrei gritando o nome dele, pedindo para que ele se acalmasse, quando vi o sangue escorrendo do lado direito do seu rosto, de um corte provocado pelo anel que minha tia usava.
  Me olhou com cara de poucos amigos. - Falei para você não vir, saia da minha frente. - Disse ele. - Me encolhi de medo, então ele se retirou.
  - Miriam, te juro, nunca vi Felipe daquela forma, meu coração quase saiu pela boca de preocupação ao ver a dor e a tristeza em seus olhos, ele tremia de ódio. Não reconheci meu primo naquele homem ali na minha frente.
  Olhei para minha tia, enquanto ela bradava perguntas enquanto chorava dentro da piscina. - Por que você acha que vivo bêbada? Porque acha que eu vivo drogada? Repetia aos berros essas perguntas. Ainda as ouvia da sala, quando decidi ir atrás de Felipe, mas não pude alcança-lo. Se trancou no quarto e por mais que eu batesse na porta e o chamasse, não respondia. Não pude ouvir nem os soluços recorrentes de sua tristeza.
  No andar de baixo, minha tia gritava para que Pablo fosse embora. Saí da porta e corri para ver o que acontecia, enquanto minha tia subia, gritando que o queria fora dali o mais rápido possível. Não me dei ao luxo de perguntar. Encontrei com Pablo e o levei direto para meu quarto, que me olhava assustado, perguntando o que estava acontecendo. Dei os ombros e me tranquei no quarto com ele, tentando explicar tudo que havia ouvido e visto com os dois. Depois de explicado, entramos em acordo de que ele deveria ir embora, já que o clima não era mais de festa. Ele rapidamente arrumou sua mochila, se preparou e antes de descer, batemos no quarto de Felipe, por cinco minutos, para que ele pudesse se despedir, mas foi em vão. Descemos a escada, perguntei se ele queria levar algo para beber no caminho e ele me perguntou se eu gostaria de fugir daquilo e dormir na casa dele.
  - Meu primo está mal, não posso deixar ele aqui sozinho desse jeito, você entende? Em seu rosto de decepção eu vi que ele entendeu, mas não aceitou. Continuamos a caminhar pelo jardim, comigo me desculpando, por uma situação que não era culpa minha até sermos parados por uma voz, que me arrepiou dos pés a cabeça.
  - Ora, ora, ora! Se não é o casal mais lindo da vizinhança. Vieram me recepcionar? - Perguntou meu tio Altair enquanto saltava do taxi.
  O cumprimentei e disse que Pablo tinha me feito uma visita e que já estava de saída. Ele chegou mais perto e esticou a mão para Pablo, que apertou e acenou com a cabeça, fazendo um sinal de positivo.
  - Como ir embora? Logo agora que eu cheguei, não mesmo, vai ficar aqui e jantar conosco. Temos que colocar as conversas em dia. Por favor, eu insisto.
  Aquele dia estava ficando estranho por demais, à simpatia verdadeira do meu tio, pra mim era sinal de algo muito incomum estava acontecendo e isso não era bom aos meus olhos.
  - Venha! Vamos fazer uma troca. - disse ele enquanto sugeria carregar a mochila de Pablo e Pablo sua mala. - Estou velho e os presentes que trouxe, estão um pouco pesados.
  Pablo cedeu e voltou com o braço do meu tio apoiado em seu ombro, falando de sua aventura no avião, no retorno pra casa. Enquanto eu ia atrás rezando para que a briga lá dentro de casa tivesse esgotado, mas era quase inevitável, pois os sinais da festa estavam espalhados por toda a casa, uma bagunça generalizada. À medida que nos aproximávamos da entrada da casa minha aflição só aumentava. Abri a porta com certo receio e esperei a explosão de ódio irradiar por toda casa.
  O grito ecoou por toda a sala, mas para a minha surpresa, não era aquele bradando ódio, mas um grito alegre, como se esperasse uma recepção calorosa de toda a família. - Nossa pelo visto tiveram uma festa e tanto hoje. Muito bom saber que se divertiram na minha ausência.
  Eu e Pablo nos olhávamos perplexos com tamanha calma que ele possuía, tendo em vista que ele já havia criado brigas duradouras por um copo fora do lugar. - Como poderia um homem sisudo e brigão a vida inteira em um final de semana, mudar assim. - Perguntava ao Pablo enquanto íamos pegar o suco, que ele havia pedido.
  Na volta nos deparamos com ele de braços abertos no começo da escada, esperando minha tia descer para recepcioná-lo. Minha tia totalmente desconcertada desceu de uma vez enquanto nos perguntava de uma forma dissimulada o que ainda fazíamos ali.
  Meu tio por alguns instantes me lembrou de meu pai, mediador, observando que minha tia estava irritada, disse calmo e com um sorriso autêntico no rosto, que tinha pedido para que voltássemos, pois tinha surpresas para todos.
  Minha tia abriu um sorriso como se tivesse aprovado a nova versão Altair e respondeu a pergunta do meu tio sobre o paradeiro do meu primo, dizendo que ele não estava se sentindo bem, que estava descansando.
  - Preciso falar com ele. - disse meu tio com um tom sério e preocupado, deixando aquele sorriso de lado, por alguns instantes. Até se reestabelecer quando minha tia se propôs a chamá-lo, pedindo para que ele se sentasse ao sofá enquanto isso. Mesmo meu tio dizendo que não precisava de tanta pressa, minha tia fez questão. No mínimo para tentar fazer a cabeça do meu primo de alguma forma.
  - Miriam, eu não fazia ideia de como minha tia conseguiu a façanha de abrir a porta do quarto do meu primo, conversar calmamente com ele e fazê-lo descer todo sorridente e mesmo com o rosto aparentando estar com bastante sono, demonstrava certa alegria. Todo aquele ódio que antes estampava seu rosto tinha sumido por completo.
  Quando meu tio ouviu os passos dos dois descendo as escadas, levantou do sofá com um pulo, correu ao encontro dele e lhe deu um abraço demorado, forte e apertado. Me emocionei quando vi as lágrimas rolarem do rosto do meu tio, que soluçava pedindo desculpas por tudo que ele tinha feito.
  - Você pode ser quem quiser e o que quiser a partir de agora. - dizia meu tio.
  Meu primo se afastou, levando os dedos na boca e com o rosto de surpresa deu um daqueles gritos agudos que só ele sabia. Propôs um brinde, perguntou o que meu tio queria e se surpreendeu quando o ouviu pedir suco.
  - Então ficou assim. - disse ele apontando para cada um de nós. - prosecco, suco, cerveja, cerveja e caipirinha pra euzinha aqui. Volto já com o seus pedidos senhores e senhoras.
  Ele saiu da sala todo rebolativo. Achei no momento que era para testar até onde ia à tolerância de meu tio, mas logo em seguida ignorei qualquer teoria que vinha em minha mente e vi que apenas curtia seu momento feliz e solto como nunca tinha tido na família. Meu tio ria, dizendo que teria que se acostumar com aquilo. Não só minha tia, mas eu e Pablo também olhávamos para ele como se perguntássemos o que haveria acontecido nesse final de semana para voltar tão mudado.
  - Epifania. - disse meu tio quebrando o silêncio e logo interrompido pelo meu primo. - Já tive isso daí papi. Isso é como se fosse uma revelação, uma análise de seus atos, cair ficha, cair na real, não é? - falava meu primo.
  - É mais ou menos isso meu filho. Há uma semana, numa dessas minhas bebedeiras rotineiras, quando atravessava o jardim, tropecei, bati de costas no banco e travei por alguns minutos. Já era tarde, por volta da meia noite. Gritei muito pedindo alguma ajuda e nada. Presumi que estavam todos dormindo, levantei com algum esforço e mesmo arqueado caminhei até em casa e deitei no sofá da sala até a dor diminuir. Por volta de meia ou uma hora depois, não sei precisar, me levantei para buscar um pouco d'água na cozinha, quando me deparei com vocês dois as gargalhadas. - apontando para Felipe e eu. - que ficaram mudos assim que me viram e ignoraram por completo o meu estado curvado e a ajuda que eu pedia. Vocês simplesmente saíram sem falar um ai. Subi com o meu estado natural de irritação, fui para o meu quarto e quando chego lá me deparo com a minha esposa jogada de qualquer jeito na cama, uma garrafa de prosecco sobre o criado mudo e um frasco caído no chão cheio de comprimidos espalhados.
  Me veio à cabeça a seguinte pergunta. "Será que eu sou o causador disso tudo?". Meu ego inflado, junto com a raiva que era de praxe sentir e descontar em vocês, tentava me eximir de qualquer culpa ou sublimar de alguma forma, jogando para o álcool a culpa de tudo. Então me propus o desafio, que no dia seguinte eu iria trabalhar normalmente e não beberia uma gota de álcool na volta pra casa. Tive a confirmação de que nada havia mudado, não era o álcool, era eu que fazia tão mal a vocês, que me evitavam da maneira que podiam.
  - Me da licença que eu vou pegar mais uma caipirinha pra mim, alguém quer mais alguma coisa?
  - Fica filho!
  - Vai ser rápido pai, mas pode ir contando se quiser.
  Meu primo virou as costas sem pensar duas vezes. Ficamos uns dez minutos aguardando a sua volta, num silêncio constrangedor, até meu tio decidir voltar a falar.
  - Busquei forças para tentar me corrigir, entrar em contato, mas a vergonha pelos meus atos não deixava. Foi então que procurei uma ajuda profissional, menti sobre a viagem a trabalho e fui para um retiro, onde passei esses três dias sendo atendido, orientado, assistindo palestras, depoimentos e principalmente me tratando. Antes que pensem, não estou curado de ser egoísta e grosso, mas faço forças, pois minha prioridade maior é a minha família.
  - Meu amigo silencioso, eu fiquei tão envolvida e comovida com a história dele. Era tão verdadeira que quando o vi chorar, deixando todo o orgulho e pudor de lado, não pensei duas vezes em deixar toda aquela história de vingança para trás. Pensei em dar-lhe um abraço, mas o barulho que meu primo fazia chamou a atenção de todos.
  Arrastava uma pequena mesa improvisada, cheia de garrafas de bebidas e latas de cervejas sobre ela, que faziam muito barulho batendo umas nas outras até se aproximar de nós. Nitidamente ele estava testando a paciência de todos, principalmente do meu tio ou minha tia, pelo que aconteceu mais cedo.
  - Trouxe tudo pra cá, pra não ficar indo e vindo. Achei prático. Já acabou a história papi? ... O que acha da família ver um filme junto pra comemorar essa nova fase?
  Ele estava bem agitado e um pouco diferente de quando apareceu no alto da escada, era nítido, mas mesmo com toda aquela ansiedade, tinha sido uma proposta interessante.
  Naquele momento parecíamos uma família normal, sentamos no sofá da sala, rimos tentando escolher o filme, comemos, bebemos e conversamos uns com os outros. Na metade do filme Pablo brigava pra não cair no sono, meu tio alegando o cansaço da viagem, disse que subiria e levou minha tia. Até brincamos dizendo que eles iriam matar as saudades. Meu tio riu, brincando com a gente, fazendo gestos de silêncio nas costas da minha tia, que sempre acompanhada de sua taça, emanava uma alegria diferente daquelas movidas por remédios, subia as escadas pedindo para que ele parasse com essas brincadeiras na frente dos outros e sumiram corredor adentro.
  - Bem, pelo visto somos só nós dois de novo... Meu lindo por que as lágrimas?
  - Ai mona! Você é tão linda, tão forte.
  Ficamos abraçados ali por muito tempo, como se um tivesse sentindo as aflições do outro, em poucos momentos o sentia soluçar e as lágrimas molharem meu ombro direito. O abraço apertava o corpo e a alma, não queria soltá-lo e pelo que sentia nem ele a mim. Ficamos ali, mudos, abraçados, chorosos até sentir um peso sobre minhas pálpebras, minha visão enturvecer e antes de pegar no sono, o senti me soltar e se afastar lentamente.

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